Day: março 2, 2023

Revista online | Regulação das mídias digitais: o que fazer?

Marcos Cavalcanti*, professor da UFRJ e especialista em ciência das redes, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição: fevereiro de 2023)

O melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada. O segundo melhor é uma empresa de petróleo mal administrada. (John D. Rockefeller)

O mundo de Rockefeller não existe mais. Em 2022, das cinco maiores empresas do mundo, só uma é de petróleo (Saudi Aramco). As outras quatro são de tecnologia: Apple, Microsoft, Google (Alphabet) e Amazon.

Se no século passado as guerras e as disputas pelo poder eram fortemente influenciadas pelos interesses das empresas financeiras e de petróleo, hoje são as empresas de tecnologia que comandam a luta política. 

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Durante a crise financeira (subprimes) de 2008, muitos diziam que os grandes bancos e empresas envolvidas eram “muito grandes para poder falir” e que a falência destas empresas seria ainda mais traumática para o mercado. A mesma discussão ocorre agora com as grandes empresas de tecnologia. Muita gente acha que elas são “muito grandes para serem controladas”.

Veja, abaixo, galeria de fotos sobre mídias digitais:

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De fato, a receita combinada das cinco maiores empresas de tecnologia, Google (Alphabet), Apple, Microsoft, Amazon e Facebook, em 2022, que atingiu U$ 1,5 trilhões, é equivalente ao PIB brasileiro. E elas geram muito mais empregos que qualquer empresa petrolífera. Só o Google emprega o dobro de pessoas que a Petrobras, sendo que nenhuma delas faz um trabalho braçal.

O mundo do Rockfeller acabou. Contudo, as leis que nos regem ainda são do século passado. Nós, certamente, precisamos atualizá-la, mas não com um controle das redes sociais.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em diversas ocasiões, manifestou-se favorável à “regulação das redes sociais”. É um equívoco.

Em primeiro lugar porque a expressão mostra um desconhecimento do tema. As “redes sociais” existem desde sempre. Os 12 profetas que saíram pelo mundo divulgando a palavra de Jesus, segundo os católicos, era uma rede social. As igrejas, os clubes de futebol e os partidos políticos são redes sociais. O que devemos discutir não é a regulação de “redes sociais”, mas das mídias digitais.

E isto não é uma questão semântica. Envolve conhecimento técnico e uma discussão sobre as liberdades individuais e a essência da Internet.

Como nos lembra Silvio Meira, “o resultado de regulamentações excessivas pode resultar em uma rede mais fechada, com menos espaço para inovação e para diversidade; deixando de lado um dos aspectos que a caracteriza: a pluralidade e seu aspecto global”. Pior, uma regulação excessiva pode levar à censura e ao surgimento de uma rede paralela, de segunda classe. Depois de experimentar a liberdade e pluralidade da rede, a sociedade não aceitaria ser controlada e ter sua liberdade limitada.

O que fazer?

Felizmente, não precisamos reinventar a roda. A comunidade europeia, depois de uma discussão de mais de três anos, acaba de aprovar uma Lei de Serviços Digitais da União Europeia – Digital Markets Act. O princípio é que nenhuma empresa pode ser “grande demais” no controle das informações geradas pelos cidadãos. Pelo contrário, são os cidadãos que devem controlar o poder destas empresas.

E este não é um problema “brasileiro”. O caminho para o respeito à liberdade e à cidadania é a criação de mecanismos globais que impeçam que dispositivos ou tentações autoritárias acabem por restringir o acesso à rede mundial. Podemos ter uma legislação mais ampla, simples e internacional que preveja que disputas que envolvam tecnologias de comunicação globais sejam julgadas em cortes internacionais.

Por fim, as questões de opinião, difamação e mesmo de notícias falsas (fake news) não são uma novidade trazida pelas mídias digitais. E, para combatê-las, já temos leis. Não precisamos criar nenhum órgão de controle. Não cabe a um governo ou a uma empresa cercear a livre expressão dos cidadãos. Aqueles que se sentirem injuriados ou lesados devem ir à Justiça para impedir a divulgação de inverdades. A regulação necessária das mídias digitais não pode ser um pretexto para aumentar o controle sobre a liberdade de expressão dos cidadãos.

Saiba mais sobre o autor

*Marcos Cavalcanti é professor titular da COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em ciência das redes, complexidade e big data estratégico.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF

TSE cria grupo de trabalho com as plataformas digitais 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, se reuniu nesta quarta-feira (1º) com representantes de plataformas digitais e redes sociais para agradecer o trabalho desenvolvido nas Eleições 2022 e ressaltar a importância de uma atuação conjunta para o combate à desinformação. As empresas são parceiras do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação.

Ao final do encontro, por sugestão de Moraes, será criado um grupo de trabalho conjunto para apresentação de propostas de melhoria da autorregulação e para o encaminhamento de sugestões de regulamentação ao Congresso Nacional.

Participaram da reunião realizada no edifício sede do TSE, em Brasília, representantes das plataformas digitais Tik Tok,  Twitter, Meta (WhatsApp, Facebook e Instagram), Telegram, YouTube, Google e Kwai. O grupo aproveitou para informar ao ministro sobre as ações das mídias para impedir a replicação de notícias falsas pela internet, as ações de controle das plataformas e reafirmar o compromisso na construção de iniciativas em conjunto com a Justiça Eleitoral.

Moraes destacou a importância de as empresas atuarem no sentido de prevenir e coibir a disseminação de discursos de ódio, incitação à violência e atentados contra a democracia e as instituições na internet.

Segundo ele, a vivência durante o período eleitoral no combate à desinformação possibilitou, tanto da parte das plataformas quanto da Justiça Eleitoral, a certeza de há necessidade de uma cooperação maior, “uma via de mão dupla”. “Precisamos aproveitar a experiência nessa intensidade vivida, uma vez que nenhum país teve a intensidade de ataques pelas redes que o Brasil teve nas eleições e depois no dia 8 de janeiro, que foi o ápice de ataques ao Estado Democrático de Direito”, destacou Moraes.

O presidente do TSE afirmou que o objetivo do encontro é construir dois planos distintos: o primeiro em torno de uma melhoria na autorregulação das plataformas, e o segundo visando a apresentação de proposta conjunta de pontos importantes como contribuição à regulação que está sendo definida pelo Congresso Nacional.

“Não tenho dúvidas de que, se não for algo construído em conjunto e, principalmente, com base na autorregulação das próprias plataformas, a chance de ser eficiente é muito pequena”, ressaltou.

Filtros

De acordo com o presidente do TSE, duas questões são importantes dentro dessa definição, que deve sempre garantir a liberdade de expressão. A primeira é aproveitar o que as próprias plataformas têm de mecanismos e ferramentas para a realização do autocontrole em alguns temas, como por exemplo pedofilia, pornografia infantil, e ampliar para o controle de discurso de ódio e atentados antidemocráticos.

O segundo ponto importante é fixar o nível de responsabilidade das plataformas, principalmente para os conteúdos onde há monetização e impulsionamento pelos algoritmos.

Participantes

Além do presidente do TSE, representaram a Justiça Eleitoral na reunião o corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, as ministras Isabel Gallotti e Maria Claudia Bucchianeri e o ministro André Ramos Tavares, além do secretário-geral da Presidência do TSE, José Levi, e assessores diretos do presidente.

O Programa

O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação do TSE conta atualmente com mais de 150 parceiros, como redes sociais e plataformas digitais, instituições públicas e privadas, entidades profissionais, entre outras entidades. Criado em agosto de 2019, o programa tem como finalidade prevenir e combater a disseminação de notícias falsas e desinformação sobre o processo eleitoral, principalmente na internet.

Em agosto de 2021, o programa se tornou uma ação permanente do TSE. Os parceiros dividem com a Justiça Eleitoral as seguintes atribuições: monitorar notícias falsas, combatendo a desinformação com informação correta sobre a questão abordada; ampliar o alcance de informações verdadeiras e de qualidade sobre o processo eleitoral; e capacitar a sociedade para que saiba identificar e denunciar conteúdos enganosos.

Fonte: TSE


Luiz Inácio Lula da Silva

Nas entrelinhas: Lula governa sob pressão desde a posse

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Com dois meses de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve a tradicional trégua de 100 dias concedida aos governantes pela mídia e pela oposição, sem falar no “fogo amigo” de aliados e até mesmo dos petistas, por causa das divergências e disputas de poder na sua equipe de governo. Na primeira semana de gestão, Lula vivia ainda o inebriante clima gerado pela festa da posse, cuja sacada de subir a rampa do Palácio do Planalto com os representantes das minorias proporcionou imagens históricas, de repercussão internacional.

Pensava-se que estava tudo certo, ninguém da sua equipe imaginava que o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) seriam invadidos sete dias depois. O presidente da República passava um fim de semana em São Paulo, porém, no domingo, decidiu viajar a Araraquara, para ver pessoalmente os estragos causados pelas chuvas, ao lado prefeito petista Edinho Silva. Entretanto, naquele 8 de janeiro, “nuvens negras” — como aquelas que antecederam o golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart — encobriram o Planalto Central. Lula decretou intervenção no Distrito Federal, delegando ao ministro da Justiça, Flávio Dino, a responsabilidade de conter os danos. O governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo.

A decisão de não decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), recorrendo às tropas do Comando Militar no Planalto, não fora por acaso. Desde o quebra-quebra bolsonarista de 12 de dezembro, dia de sua diplomação, quando os “patriotas” acampados em frente ao QG do Exército incendiaram ônibus e até tentaram invadir o prédio da Polícia Federal, sabia-se que havia uma tentativa de golpe em marcha. No estado-maior de Bolsonaro, os generais Braga Netto, seu candidato a vice, Augusto Heleno (GSI) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo), o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso, e o deputado Eduardo Bolsonaro apoiavam a decisão de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição.

Derrapagem

A minuta do decreto presidencial apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça, que destituiria o ministro Alexandre de Moraes da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e convocaria novas eleições, por muito pouco não fora assinada por Bolsonaro, que resolveu viajar para Miami, bastante deprimido. Fora convencido a sair de cena num jantar na casa do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, articulado pelo ex-ministro das Comunicações Fabio Faria. Os ex-ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávio Rocha (Secretaria de Assuntos Estratégicos), um almirante da ativa, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, contrários a qualquer tentativa golpista, atuaram como bombeiros no episódio.

Não conformados, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Anderson Torres viajaram para Miami, onde passaram o ano-novo com Bolsonaro. Hoje, as investigações da Polícia Federal estão apurando as responsabilidades sobre graves falhas no dispositivo de segurança da Esplanada dos Ministérios, que estava a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Guarda Presidencial e da Polícia Militar do Distrito Federal. Na crise, por terem impedido que os vândalos fossem presos no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, na madrugada de 9 de janeiro, o comandante militar do Planalto (GMP), Gustavo Henrique Menezes Dutra, e o comandante do Exército, general Júlio César Arruda, foram substituídos. Outras mudanças nos comandos militares do Planalto foram feitas pelo novo comandante do Exército, Tomás Ribeiro Miné Paiva.

Graças também à atuação do ministro Alexandre de Moraes contra os golpistas, a situação foi controlada. Houve atuação firme e decidida dos Três Poderes. O Congresso e o Supremo repudiaram o golpismo, o governo ganhou tempo para preparar medidas econômicas de impacto para a sociedade, que começaram a ser anunciadas nesta semana. Mas houve muita fricção política com os aliados, a mídia e o Congresso, após Lula atacar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e criticar as altas taxas de juros.

A trégua proporcionada pela defesa da democracia derrapou na política econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou com a credibilidade abalada, sob ataque da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e fortes pressões do mercado financeiro. Mas o governo começou a deslanchar na economia. Haddad anunciou um aumento do salário mínimo para R$ 1.320 a partir do 1º de Maio e um alívio na cobrança do Imposto de Renda. Nesta semana, fez a manobra mais difícil: a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis, simultaneamente à redução de preços da gasolina e do diesel pela Petrobras. Também foi anunciada a reestruturação do Bolsa Família e a rolagem das dívidas dos consumidores inadimplentes.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-governa-sob-pressao-desde-a-posse/