Day: dezembro 1, 2022

Livro

Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo

Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022) 

Risério, Antonio (org.). A crise da política identitária. Rio de Janeiro: Topbooks, 2022. 561 págs.

Antonio Risério é um intelectual rigoroso e reuniu um time plural e eclético no conjunto de ensaios intitulado A crise da política identitária. Ele e os demais buscaram origem, história, morfologia e linguagem usada pela política identitária, documentando-a com precisão e sem impressões superficiais e/ou intuições vagas. Desenvolveram uma argumentação baseada em análise precisa dos textos que embasam a política identitária. E parecem ter a capacidade de ler muito do que os identitários produzem, em toda a sua geografia política, mantendo a serenidade e agindo frente aos apaixonados pela vitimização com uma postura aberta ao diálogo real. 

Para tanto, Antonio Risério, Barbara Maidel, Bruna Frascolla, César Benjamin, Demétrio Magnoli, Gustavo Alonso, Pedro Franco, Ricardo Rangel, Raphael Tsavkko Garcia e Wilson Gomes, entre outros, agarram-se firmemente aos valores clássicos de esclarecimento, precisamente o que é negado e rejeitado quando se recorre a expurgos, julgamentos e condenações.

Nas 561 páginas, 20 ensaios inéditos, uma entrevista e alguns artigos, o livro mostra até que ponto as reivindicações identitárias, em todo o espectro político, são contraditórias e colocam essa política em crise: elas rejeitam uma postura planetária universal que articula as diferenças, mas que acabam por proclamar para si em outro lugar. Será preciso percorrer a história de toda essa literatura de vingança, de todos esses apelos aos assassinatos em nome da restauração da justiça, para perceber que não se trata de tornar o mundo um lugar melhor, mas apenas ocupar o lugar dos odiados dominantes? 

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

Wilson Gomes insiste com razão que a nova língua dessas correntes, em sua diversidade, forma uma frente aparentemente unida apenas contra o homem-branco-patriarcal-ocidental, responsável por todos os infortúnios do mundo. Mas, assim que tais correntes são criticadas a partir de outras vertentes, elas se dispersam, e, se cada uma pode reconhecer a validade dos argumentos contra seu vizinho em luta, os mesmos argumentos certamente não são válidos para ela.

Há muitas causas diferentes a defender, injustiças a reconhecer e reparar, como mostram as estatísticas maniqueístas expostas por César Benjamin e Bruna Frascolla. A cada um seu território de ativismo e busca por reconhecimento, como mostra Barbara Maidel. Ricardo Rangel acompanha de perto as mutações das lutas feministas, de Beauvoir aos estudos de gênero, dos grupos LGBTQIA+ até Meghan Markle, das lutas anticoloniais às pós-colonialidades e culturas de cancelamento. Rangel sublinha de cada vez a proliferação de vocabulários opacos que permitem eliminar as contradições da realidade e construir um universo autolegitimado.

Pedro Franco ilustra a absorção da política identitária pelas corporações, indicando o paradoxo das consequências, inclusive em governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance - ESG). Raphael Garcia expõe como a teoria política da extrema-direita de Steve Bannon se apropria da crise da política identitária. Pois é preciso olhar com rigor a política identitária em toda a sua presença na geografia política e, ao mesmo tempo, perceber o perigo real daqueles que mobilizam os valores tradicionais retrógrados, como na dupla face de Janus. Esses adversários da direita extrema se baseiam na mesma lógica identitária, no ódio à alteridade e na definição fixa e imutável da identidade. Mais uma vez os extremos se unem.

Confira, a seguir, galeria:

Foto: Reprodução/Amazon
Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
Foto: Reprodução/Sesc TV
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Na história intelectual dessa política se vê que todas essas demandas se baseiam na “desconstrução” de Derrida, na luta contra os dominadores de Foucault e na denúncia da reprodução das elites de Bourdieu. E não nos parece ilegítimo chamar atenção para o fato de que esses mestres intelectuais aceitaram sua mobilização dessa forma, sem dizer nada sobre os entendimentos errôneos e o mau uso de suas obras. Às vezes, o silêncio fala mais alto que as palavras.

O volume oferece muito mais. Além de brilhantes análises conceituais, seu grande mérito é possibilitar uma leitura que estimula o necessário debate intelectual nessa hora de um governo de frente democrática que se avizinha.

Sobre o autor

*Ricardo José de Azevedo Marinho é presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Revista online | Veja lista de autores da edição 49 (novembro/2022)

*Daniel Costa é autor do artigo Um revolucionário cordial em revista. É historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.

*A Fundação Astrojildo Pereira detém os direito do editorial da revista de novembro (edição 49): O caminho da democracia.

*Luis Sérgio Henriques é autor do artigo Breve notícia da terra devastada.  É tradutor e ensaísta.

* JCaesar é o autor da Charge sobre Copa do Mundo e manifestantes. É pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

*Mauricio Vianna é autor do artigo Sobre saúvas e saúde. É médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em psiquiatria pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Benito Salomão é autor do artigo Sinalizar uma regra fiscal é importante? economista e doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED-UFU).

*Álvaro José dos Santos Silva, 72 anos, é jornalista profissional, ex-editor do jornal A Gazeta de Vitória, no qual atuou durante 27 anos. É ex-assessor de comunicação, escritor, membro da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL) e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Também foi membro do PCB, PPS e Cidadania.

Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online


Após PT apoiar Lira, Bolsonaro age contra orçamento secreto

DW Brasil

O presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminhou ao Congresso nesta quarta-feira (30/11) um projeto de lei para remanejar os recursos das emendas de relator para despesas obrigatórias previstas no Orçamento deste ano.

Tais emendas foram usadas nos últimos dois anos no âmbito do chamado orçamento secreto, para assegurar apoio de parlamentares do Centrão ao governo.

O Ministério da Economia argumentou que a proposta visa assegurar o pagamento de despesas obrigatórias previstas no Orçamento sem furar o teto de gastos.

De acordo com reportagem do Estado de S. Paulo, o presidente determinou a suspensão de todos os pagamentos de emendas de relator. Segundo o jornal, além do projeto encaminhado ao Congresso, um decreto editado pelo presidente nesta quarta visaria efetivar a decisão.

O decreto em questão autoriza o secretário Especial de Tesouro e Orçamento a remanejar, bloquear ou propor o cancelamento de dotações orçamentárias discricionárias (não obrigatórias).

Segundo o portal G1, no entanto, técnicos do Congresso avaliam que o decreto não garante o cancelamento de emendas de relator. Eles argumentam que as verbas do orçamento secreto estão previstas na Lei Orçamentária, que precisaria ser alterada por meio de projeto de lei.

Retaliação

De acordo com a imprensa, parlamentares veem no projeto encaminhado ao Congresso uma retaliação de Bolsonaro a uma aproximação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e sobretudo com o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que foi um dos principais aliados do atual governo.

Nesta quarta, Lira e Pacheco reuniram-se com Lula em Brasília. Na véspera, o PT e seus companheiros de federação PV e PCdoB anunciaram apoio à recondução de Lira à presidência da Câmara.

"O próprio presidente Arthur Lira foi o primeiro a reconhecer a legitimidade das urnas, do voto popular, e nós entendemos que é fundamental essa estabilidade institucional", destacou o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG).

Antes da eleição presidencial, a atuação de Lira vinha sugerindo uma tentativa de aumentar cada vez mais os poderes do Legislativo frente ao Executivo, sendo o ponto central dessa estratégia o orçamento secreto. E que o futuro presidente, fosse Lula ou Bolsonaro, teria que negociar com o líder do Centrão.

À DW, Thomas Traumann, analista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), definiu Lira como "o presidente da Câmara mais poderoso da história".

O orçamento secreto

O chamado orçamento secreto foi criado em 2020, no segundo ano do governo Bolsonaro. O mecanismo foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021.

Por meio do esquema, o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuíram verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiaram. 

As autorizações para destinar essas verbas foram incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares. As usadas no orçamento secreto foram as emendas de relator. Elas costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento, até uma nova regra de 2020, que mudou isso.

As emendas de relator passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.

A mídia batizou o mecanismo de orçamento secreto porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.

Em agosto, Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente e que apoiou Lula no segundo turno, disse que o orçamento secreto poderia ser o "maior esquema de corrupção do planeta Terra".

lf (DW, ots)

Matéria publicada originalmente no DW Brasil


Foto: reprodução Agência Brasil | Arquivo/ Marcelo Camargo

Relatório do Unaids marca Dia Mundial de Luta contra a doença

Agência Brasil

Atingir o compromisso global de encerrar a pandemia de aids até 2030 passa pelo combate às desigualdades e estigmas que acompanham essa emergência de saúde pública desde o seu surgimento, há 41 anos, destaca o relatório Desigualdades Perigosas, divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) para marcar o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado hoje (1°). Especialistas e ativistas reforçam que, mesmo com o avanço dos medicamentos disponíveis, a discriminação contra grupos vulneráves e pessoas que vivem com HIV reduz o acesso à saúde, impede o diagnóstico precoce e causa mortes por aids que poderiam ser evitadas com tratamento.

Em mensagem divulgada para marcar a data de combate à doença, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou que o mundo ainda está distante de eliminar a Aids até 2030 e afirmou que as desigualdades perpetuam a pandemia da doença.

"São necessárias melhores legislações e a implantação de políticas e práticas voltadas para eliminar o estigma e a discriminação que afetam as pessoas que vivem com HIV, sobretudo aquelas em situação de vulnerabilidade. Todas as pessoas têm o direito de ser respeitadas e incluídas", disse. 

Segundo o Unaids, 38,4 milhões de pessoas viviam com HIV em todo o mundo em 2021. Esse número é maior que a população do Canadá ou que a soma de todos os habitantes dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. No Brasil, o número de pessoas vivendo com HIV passava de 900 mil no ano passado, de acordo com o Ministério da Saúde, e, desse total, cerca de 77% tratavam a infecção com antiretrovirais. A efetividade do tratamento disponível gratuitamente no país é reiterada pelo percentual de 94% de pessoas com carga viral indetectável entre as que fazem uso dos medicamentos contra o HIV. Quando o paciente em tratamento atinge esse nível de carga viral, ele deixa de transmitir o HIV em relações sexuais.

Desde o início da pandemia de Aids, em 1980, até dezembro de 2020, o Brasil já teve mais de 1 milhão de casos da doença, que causaram 360 mil mortes. A taxa de detecção vem caindo no Brasil desde o ano de 2012, quando houve 22 casos para cada 100 mil habitantes. Em 2020, essa proporção havia chegado a 14,1 por 100 mil, o que também pode estar relacionado à subnotificação causada pela pandemia de covid-19.

HIV ou Aids?

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um agente infeccioso que pode entrar no corpo humano por meio do sexo vaginal, oral e anal sem camisinha; por meio do uso de seringas e outros objetos cortantes ou perfurantes contaminados; pela transfusão de sangue contaminado; e da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, o parto e a amamentação, se não for realizado o tratamento preventivo. Quando se instala no corpo humano, esse vírus tem um tempo prolongado de incubação, que pode durar vários anos, e sua atividade ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo. Se essa infecção não for detectada e controlada a tempo com o uso de antirretrovirais, o HIV pode enfraquecer as defesas do corpo humano a ponto de causar a Síndrome da Imunodeficiência Humana (aids). Portanto, a sigla HIV se refere ao vírus, e a sigla Aids, à doença causada pelo agravamento da infecção pelo HIV.

O uso de preservativos masculinos e femininos e gel lubrificante estão entre as principais ações preventivas contra o HIV. Também já estão disponíveis a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que consiste no uso de antirretrovirais para prevenir a infecção caso a pessoa venha a ser exposta ao vírus, e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que pode impedir a infecção caso seja administrada até 72 horas após a exposição. Mesmo no caso de haver uso dessas profilaxias, a camisinha continua importante, pois previne também outras infecções sexualmente transmissíveis, como a sífilis e as hepatites virais.

Ao menos 30 dias após uma possível exposição ao HIV, é fundamental fazer um teste para a detecção do vírus, exame que pode ser realizado em unidades da rede pública e nos centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). O diagnóstico precoce da infecção e o início rápido do tratamento protegem o sistema imunológico da pessoa infectada, já que esse será o alvo do HIV quando a carga viral aumentar.

Diretor médico associado de HIV da GSK/ViiV Healthcare, Rodrigo Zilli explica que os antiretrovirais usados hoje para o tratamento das pessoas que vivem com HIV são menos tóxicos para o corpo humano, causam menos efeitos colaterais e são administrados em quantidade bem menor de comprimidos. A farmacêutica é a fornecedora do Dolutegravir e outros medicamentos usados no Sistema Único de Saúde (SUS) para combater o vírus. Desde 1996, o Brasil distribui gratuitamente os antirretrovirais a todas as pessoas que vivem com HIV e necessitam de tratamento, contando atualmente com 22 medicamentos em 38 apresentações farmacêuticas diferentes.   

“O tratamento hoje é muito menos tóxico. Nem se usa mais a palavra coquetel, porque não é um conjunto enorme de remédios como se tinha antigamente. E, se a pessoa descobre o HIV a tempo de não ter desenvolvido a imunodeficiência, ela tem chance muito grande de ter uma vida totalmente normal tomando remédios diariamente”, afirma o infectologista. Ele reforça que a pessoa com HIV pode ter expectativa de vida até maior do que pessoas que não foram infectadas pelo vírus. “Essa pessoa que está em tratamento está acompanhando todas as doenças praticamente. Então, ela faz check-ups periódicos, faz exames periódicos, tem aconselhamento para manter um estilo de vida saudável, e acaba podendo ter uma vida mais saudável do que alguém que não tem HIV e não faz acompanhamento médico”. 

Mesmo com esses avanços no tratamento contra o HIV e a disponibilidade gratuita dos medicamentos, o acesso à saúde ainda é marcado por desigualdades, pondera Zilli. “Por mais que se tenha um programa 100% público, o acesso à informação e aos serviços não é totalmente igualitário”, lembra o infectologista. 

Questões sociais

O coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ, Márcio Villard, avalia que o combate terapêutico à Aids avançou mais do que a superação dos preconceitos que afetam as pessoas que vivem com HIV. Mesmo com medicamentos menos tóxicos e uma expectativa de vida maior, questões sociais afastam pessoas com HIV de uma vida plena. 

“Quando a gente fala em qualidade de vida, não pode entender somente a questão terapêutica e biomédica. É preciso também entender as questões sociais que envolvem a pessoa com HIV, porque enfrentamos ainda muitos problemas relacionados a estigmas, preconceitos e exclusão social que interferem na qualidade de vida”, afirma. "O que acontece é que o HIV sempre traz consigo uma condenação. De alguma forma, a sociedade vai te condenar, seja pelo seu estilo de vida, seja pela sua orientação sexual, seja por você pertencer a um determinado grupo da sociedade. Praticamente ninguém escapa, até uma criança que nasce com HIV vai ser estigmatizada por isso. Infelizmente, esse cenário não mudou".

O ativista explica que a estigmatização das pessoas com HIV tem raízes ligadas à LGBTfobia, já que os primeiros surtos de HIV se deram na população homossexual, bissexual e transexual nos Estados Unidos, e a imprensa da década de 80 reforçou a associação entre a população LGBTI e o HIV, chamando a aids até mesmo de câncer gay.

“Isso começou nos Estados Unidos, se espalhou pelo mundo e acabou virando um selo. Aqui no Brasil, até o ano passado, homossexuais não podiam doar sangue, independentemente de ter ou não o vírus”. 

O Pela Vidda-RJ foi fundado em 1989 pelo sociólogo e ativista Hebert Daniel e atua desde então na luta por direitos das pessoas que vivem com HIV. Às 11h de hoje, o grupo vai promover ato público na Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro, com o tema Viver com o HIV é possível. Com o preconceito, não. Entre as principais demandas atuais da população que vive com HIV, Villard conta que estão a assistência jurídica para garantir direitos previdenciários e trabalhistas. Os problemas incluem processos seletivos que eliminam candidatos que testam positivo para HIV, enquanto essa testagem é vedada por lei em qualquer exame admissional, periódico ou demissional. Fora esses direitos, as pessoas com HIV também procuram a organização não governamental para receber acolhimento afetivo.

“A maior dificuldade ainda é a questão do estigma. Quando a pessoa tem esse diagnóstico, ela tem dificuldade de lidar com ele. E, ao se colocar para a família, no trabalho e para os amigos, vai enfrentar discriminação. São raros os casos em que a pessoa consegue viver tranquilamente, independentemente de sua sorologia”.

Angústia e cura

A dificuldade de encontrar informação e acolhimento depois do diagnóstico foi o que moveu o influenciador João Geraldo Netto a compartilhar sua experiência na internet desde 2008.

"Inicialmente, eu falava de uma maneira mais oculta, não falava especificamente que eu vivia com o vírus. Mas aí eu senti a necessidade de falar sobre isso mais abertamente. Eu descobri que, falando, eu me curava de certa forma. Sentia algo muito positivo quando falava sobre os dramas, os medos que eu tinha de fazer tratamento, de morrer, de adoecer. E eu vi que aquilo era muito bem recebido. Isso foi me dando força", conta.

O jornalista acrescenta que a maioria das pessoas que entram em contato nas redes sociais está angustiada, seja porque acredita que se expôs ao risco de infecção ou porque já recebeu o diagnóstico e está tentando lidar com ele. João Geraldo acredita que o peso social do HIV afasta as pessoas do teste e do diagnóstico precoce, porque muitas não se percebem parte de um suposto grupo social que poderia ser infectado e outras preferem não saber o resultado do teste por medo. 

“A questão do preconceito é algo tão forte que atrapalha de fazer o teste, de procurar ajuda e tratamento e impede que a pessoa tome o medicamento todo dia. Então, o grande problema do HIV hoje não é mais um problema clínico, é um problema social”, diz. “As pessoas que chegam ao meu canal mais angustiadas são aquelas que passaram por situação que consideram moralmente errada e acreditam que é uma punição para elas. E a pior punição que elas conseguem imaginar é uma doença como a Aids. Então, isso é muito doloroso, sabe? Porque você vê que está conversando com uma pessoa que acha que a pior coisa que pode acontecer na vida é o que você tem”.

Em suas postagens nas redes sociais, o influenciador comenta sobre HIV e temas do dia a dia e de sua vida pessoal, como fotos de viagens, reuniões com amigos e declarações de amor ao namorado. Em um de seus perfis, chamado Superindetectável, ele deixa a seguinte mensagem: “Respira fundo! Pela frente ainda tem muito mundo. Agora pode não estar, mas tudo pode ficar bem”.

Edição: Graça Adjuto

Matéria publicada originalmente na Agência Brasil


PL continua na pauta de votação na próxima reunião da Comissão - Reprodução/Youtube

Votação do Estatuto do Nascituro na Comissão da Mulher na Câmara é adiada após tumulto

Thamy Frisselli | Brasil de Fato

Na tarde desta quarta-feira (30) a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara Federal, em Brasília, realizou reunião, entre outras pautas, para votar o PL 478/2007 que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências.

Na prática, o projeto pretende instituir os direitos da vida desde a concepção e conceder às mulheres e meninas, vítimas de violência sexual, uma “bolsa estupro” que as obrigariam a levar adiante a gravidez.  

Em um debate tumultuado, a inversão da pauta da reunião chegou a ser aprovada para que o PL entrasse logo em votação. Para a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL/SP) “o projeto desconsidera acúmulos da ciência, da bioética e do Direito, podendo retroceder na interrupção de gestações fruto do estupro”.

:: Casos de aborto previstos em lei devem ser mantidos ou ampliados, defendem 74% dos brasileiros

Durante a reunião, o deputado Pastor Eurico (PL/PE) tentou, aos gritos, interromper as falas das parlamentares contrárias ao projeto. Em vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver o parlamentar batendo na mesa. “Os fundamentalistas e bolsonaristas usam de todo tipo de violência para tentar intimidar as mulheres parlamentares na Câmara. Que saibam: não nos calam”, destacou Sâmia.

Representantes de movimentos feministas e também daqueles que se denominam pró-vida lotaram o plenário da sala da Comissão. “Criança não é mãe” e “Estuprador não é pai” eram algumas das palavras de ordem ditas pelas mulheres de organizações e movimentos feministas que acompanhavam a discussão. As deputadas federais Erika Kokay (PT/DF), Talíria Petrone (PSol/RJ), Aurea Carolina (PSOL/MG), Vivi Reis (PSOL/PA) e Fernanda Melchiona (PSOL/RS) também acompanharam a sessão.

Sem a possibilidade de continuidade do debate, o PL do Estatuto do Nascituro continua na próxima reunião da Comissão, no dia 7 de dezembro. Presidente da Comissão, a deputada federal Policial Kátia Sastre (PL/SP) disse que a presença de público estará proibida.

No Brasil o aborto é permitido em três situações: estupro, risco de vida para a mulher e em casos de anencefalia. O Estatuto do Nascituro está em análise desde junho de 2017, mas tramita na prática desde 2007, com outras autorias, redações minimamente distintas.

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“É bem de praxe que projetos desse tipo tramitem na Câmara no final do ano, ainda mais em final de legislatura. É uma forma que eles encontram de engajar suas bases mais conservadoras, religiosas, tirar um pouco a tensão de temas que envolvem orçamento, emendas parlamentares, formação de base do novo presidente, para tirar o peso de questões importantes que podem afetar sua popularidade esses parlamentares mais conservadores trazem esses projetos à tona”, destaca a cientista política e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero da UFRJ, Priscilla Brito.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, reunidos pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), são mais de 19 mil nascidos vivos por ano de mães com idade entre 10 a 14 anos.

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Para Priscilla Brito, se aprovado, o Estatuto resultaria em um crime contra a humanidade das mulheres e das meninas.

“Já tem aumentado a criminalização das mulheres que sofrem abortos espontâneos pela desconfiança que se tem de que eles possam ter sido provocados, que envolve toda uma desumanização do atendimento às mulheres, fazendo com que mulheres sejam constrangidas nos postos de atendimentos isso é bem resultado do crescimento da pauta conservadora no Brasil. E ainda teríamos como outro resultado desse Projeto, a imposição para que meninas prolonguem a violência sexual. Apesar de parecer um projeto que parece quase inofensivo, é com certeza um projeto violento, atingindo diretamente os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, por isso é tão combatido pelas organizações de mulheres de todo país”.

Matéria publicada originalmente no Brasil de Fato


‘População não aguenta mais bancar privilégios para uma pequena casta do Judiciário”, afirma deputado (Foto: Reprodução)

Ressucitar penduricalho para juízes é absurdo, diz Rubens Bueno

Congresso em Foco

Relator do projeto aprovado pela Câmara que barra os supersalários no serviço público, e que está parado no Senado desde agosto do ano passado, o deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR) criticou nesta terça-feira (29) a intenção do Senado de votar ainda nesta semana uma proposta que cria mais um penduricalho para engordar os salários do Judiciário e do Ministério Público.

“É um absurdo. Mais uma vez estão cedendo ao lobby do Judiciário. Aprovamos na Câmara um projeto que barra os penduricalhos que permitem salários acima do teto constitucional. Agora, em vez de aprovarem esse projeto no Senado, para dar um basta nessa farra, querem criar mais um. A população não aguenta mais bancar privilégios para uma pequena casta do Judiciário”, afirmou Rubens Bueno

A Proposta de Ementa a Constituição (PEC 63/2013) foi colocada na pauta da próxima quarta-feira (30) do Senado e tem o objetivo de ‘ressuscitar’ o chamado quinquênio, que é um acréscimo de 5% nos salários de juízes e integrantes do Ministério Público a cada cinco anos. O PL 6726/2016, que no Senado recebeu o número 2721/2021, está há mais de um ano na CCJ do Senado sem sequer a indicação de um relator.

Rubens Bueno também criticou decisão do decisão do CJF (Conselho de Justiça Federal) que reestabeleceu o benefício do quinquênio com efeito retroativo. O ‘penduricalho’ havia sido extinto em 2006.

“Esse tipo de decisão em benefício próprio é um escárnio”, reforçou.

Supersalários

O projeto que barra os supersalários no serviço público, aprovado em julho de 2021 na Câmara, pode gerar uma economia de R$ 3 bilhões a R$ 10 bilhões por ano. Para isso, explica Rubens Bueno, foi feito exatamente o que determina a Constituição.

“Restringimos as verbas indenizatórias que podem ultrapassar o teto. Fora dessa lista, tudo será alvo do abate teto. E são centenas de rubricas que antes eram consideradas indenizatórias e que com a aprovação final do projeto serão alvo do abate teto”, explica Rubens Bueno.

Matéria publicada originalmente no Congresso em Foco


Imagem: reprodução / Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Projeto prevê controle de conteúdo da internet

Luiz Carlos Azedo | Nas Entrelinhas

A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tenta adiar para o próximo ano a votação do projeto de lei de autoria do deputado federal João Maia (PL-RN), que estabelece regras para atuação das plataformas digitais no país e só falta ser incluído na pauta pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A proposta confere à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) superpoderes para controlar a internet, inclusive seu conteúdo. “No Projeto de Lei nº 2.768/2022, proponho uma regulação na linha da Comissão Europeia, mas de forma bem menos detalhada. Isso porque estamos lidando com questões de extrema relevância, que exigem respostas regulatórias ao mesmo tempo novas e muito rápidas”, argumenta Maia.

Segunda a proposta, em vez de um novo órgão regulador, a Anatel seria empoderada para tratar de todas as questões relativas à internet. Há dúvidas sobre isso, embora Maia argumente que o órgão já possui expertise muito próxima da requerida para a missão de regular plataformas digitais. Na linha da União Europeia, o projeto distingue usuários profissionais e finais. Também estabelece critérios para a definição de operadores de plataformas digitais, que serão considerados como detentores de poder de controle de acesso essencial (receita operacional anual igual ou superior a R$ 70 milhões).

O projeto reduz o poder e a autonomia das chamadas big techs, as grandes empresas de tecnologia, principalmente Google, Facebook, Amazon e Apple, todas norte-americanas. A influência das plataformas e redes sociais nas eleições tem despertado o interesse dos políticos, sobretudo depois do escândalo da Cambridge Analytica, decisiva na campanha do Brexit, na Inglaterra, e da atuação de hackers russos nas eleições norte-americanas em favor de Donald Trump, eleito em 2016.

Aqui no Brasil, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu os adversários ao estruturar sua campanha e focar o marketing eleitoral nas redes sociais, sem que houvesse qualquer controle da Justiça Eleitoral. Neste ano, porém, foi diferente. Um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) investiga bolsonaristas responsáveis pela produção de fake news nas redes sociais, com objetivos antidemocráticos.

As principais críticas ao modelo proposto por Maia parte da ideia de que o setor se desenvolve de forma disruptiva e esse tipo de regulação seria absorvido pelas big techs, mas mataria o desenvolvimento das startups. O termo startup, do inglês, significa “começar algo novo” e é comumente relacionado à inovação no mundo dos negócios. Portanto, uma startup é uma empresa que está em seu início, sem plano de negócios ou produto completamente definido, mas que tem algo novo a mostrar ao mercado. Aplicativos como Uber, Airbnb, Instagram e Pinterest já foram startups antes de se tornarem companhias multimilionárias. Nubank, GuiaBolso, QuintoAndar, Loggi, Contabilizei, Creditas e Amaro são startups genuinamente brasileiras.

Obrigações e multas

O mercado da internet é muito verticalizado. As big techs estão sendo questionadas por ampliarem seu poder na atividade principal para mercados adjacentes, com base no fato de a primeira ser, muitas vezes, um insumo para os segundos, no chamado self-preferencing. É o caso dos aplicativos em celulares deGoogle e Apple, da ferramenta de busca horizontal do Google, ao Buy Box da Amazon ou aos dados acumulados nas redes sociais, como fotos e postagens do Facebook.

Nos últimos 20 anos, houve grande concentração de mercado. Em vez de dúzias de mecanismos de busca, o Google. No lugar de milhares de lojas, a Amazon. Nos Estados Unidos, o American Innovation and Choice Online Act, que proíbe o self-preferencing, empacou no Congresso. Na Comissão Europeia, o Digital Markets Act (DMA), direcionado aos chamados “controladores de acesso” (gate keepers) no mundo digital, foi aprovado em 2022, mas gerou um contencioso com os Estados Unidos. A China investiu bilhões nas suas próprias plataformas e redes para manter o controle social, porém as manifestações que estão ocorrendo no país mostram que isso não é tão fácil.

Maia propõe um Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais — FisDigi, com fontes constituídas por uma nova taxa de fiscalização das plataformas digitais, dotações do Orçamento Geral da União, créditos especiais, transferências e repasses, entre outras. A taxa de fiscalização das plataformas digitais será devida anualmente pelos operadores de plataformas digitais que oferecerem serviços ao público brasileiro, detentores de poder de controle de acesso essencial, correspondente a 2% da receita operacional bruta.

Além dos recursos do FisDigi terem como destino o financiamento aos novos serviços prestados pela Anatel, prevê a possibilidade de o Poder Executivo destinar parte dos valores ao Fundo de Garantia de Operações — FGO para serem utilizados como garantia ao desenvolvimento de produtos e serviços digitais inovadores, o que financiaria um “FGO Digital”. As sanções seguiriam a lógica de “regulação responsiva”, com multas pesadíssimas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-projeto-preve-controle-de-conteudo-da-internet/