Day: março 23, 2022

Webinar discute livro de Giuseppe Vacca e estudo da política italiana

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Em edição lançada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com tradução para o português, o livro do italiano Giuseppe Vacca faz um estudo minucioso sobre a Itália, sua Primeira República e seu declínio. Com o título A Itália em disputa – comunistas e democratas-cristãos no longo pós-guerra (1943-1978), a obra será debatida em evento online na quarta-feira (23/3).

https://youtu.be/rOsiuNbHz8I

O livro está à venda na internet.

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O webinar será transmitido, a partir das 17h30, pelo canal da Editora da Unicamp no Youtube, com retransmissão no portal da FAP e na página da entidade no Facebook. Confirmaram presença no debate online os historiadores Alberto Aggio, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Marcus Oliveira, além do ensaísta e Luiz Sérgio Henriques, que fez a tradução da obra.

Giuseppe Vacca é um dos mais conceituados historiadores de ideias políticas em atividade. Nos anos 1970 e 1980, foi também deputado e dirigente do antigo PCI, sobre cujos papéis e limites se debruça no livro. Há muitas décadas tem sido uma das figuras centrais da prestigiosa Fundação Gramsci, em Roma.

“A história narrada neste livro é excepcional”, afirma Aggio. “São 35 anos da vida política italiana após o fascismo e a guerra. Instalada a República, veio em seguida a luta pela reconstrução e pela modernização do país. Com o passar dos anos, alteraram-se sobremaneira as estruturas do país e a sociabilidade dos italianos”, acrescenta ele.

Aggio observa que a grande epopeia se fez por meio de uma dinâmica política marcada pelo embate e, ao mesmo tempo, pelo consenso entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano (PCI), que ele chama como “duas forças populares e opostas”.

“O que dava sustentação ao sistema político não era a oposição entre direita e esquerda, mas uma dupla legitimação: o antifascismo, base do ‘campo’ democrático, e o anticomunismo, imprescindível para governar em tempos de Guerra Fria”, assevera o professor da Unesp.

Ao longo do livro, Vacca se sustenta em fontes primárias para compor sua escrita. As referências bibliográficas são centenas e, ao final do livro, há sete páginas de índice onomástico, que facilita a consulta a menções específicas de cada agente do período histórico analisado.

O livro de Vacca aborda desde o início do movimento mais articulado da resistência italiana, em 1943, até a governabilidade da Primeira República, iniciada em 1948. A obra também analisa as articulações políticas pela paz, principalmente entre as décadas de 1950 e 1960, até o entardecer, no final dos anos 1970, e o PCI.

O cientista político Marco Aurélio Nogueira destaca que Vacca analisa a história da República Italiana privilegiando as relações entre o PCI e a Democracia Cristã, marcadas por tensões e esforços de cooperação. “O livro destaca as virtudes desse processo e o seu fracasso, que desmontou o que se mantinha em equilíbrio precário”, diz.

Nogueira afirma que a Itália sempre teve influência no Brasil moderno. “A imigração iniciada ainda no século XIX plasmou parte importante de nossa cultura. O fascismo impregnou muitas almas caboclas. Mais tarde, a cultura italiana fez-se sentir com os estudos jurídico-políticos e a novidade do Eurocomunismo”, ponderou.

A obra A Itália em disputa – comunistas e democratas-cristãos no longo pós-guerra (1943-1978) é essencial a todos os historiadores especializados na Primeira República Italiana, na Guerra Fria, em relações internacionais, ou a qualquer um que deseje ter um contato mais aprofundado com o trabalho historiográfico. (Com informações do Blog Editora Unicamp).

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100 anos do PCB: evento resgata memória e aponta desafios em Niterói (RJ)

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Defesa da democracia, valorização da equidade, inclusão social, mobilização pela paz e convivência pacífica internacional são legados que marcam a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a celebração de seu centenário na sexta-feira (25/3). A data será comemorada em seminário a ser realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ).

https://youtu.be/YeQI8jYvMCI

O novo seminário sobre os 100 anos do PCB será realizado, a partir das 10 horas, presencialmente. O evento terá transmissão ao vivo no portal da FAP, na página da instituição no Facebook e no canal dela no Youtube. O objetivo é tornar o evento acessível ao maior público possível para registrar a importância do legado do partido principalmente na luta pela democracia, que voltou a ser ameaçada pelo atual governo.

Presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire diz que “a comemoração é importante” e faz refletir sobre os desafios que estão pela frente. “Desafio de uma esquerda de começar a pensar neste novo mundo que aí está para entender seu papel, não das formações, inclusive das denominações que tínhamos, para enfrentar este século 21”, afirma. “Quem conhece o passado tem condições de construir o futuro”, ressalta.

"Simbologia"

Diretor-geral da FAP, o sociólogo Caetano Araújo destaca que o centenário é um marco histórico sobre a trajetória do PCB, fundado em 1922 e que se reformulou com o passar dos anos para atender aos anseios da sociedade. Em 1992, a sigla deu novo passo e tornou-se o Partido Popular Socialista (PPS) antes de avançar para a nova identidade política com o Cidadania, em 2019.

“Nós, da fundação, consideramos que é importante fazer o ato político porque tem simbologia por representar a continuidade de toda a trajetória política do que foi o PCB, o PPS e o que é o Cidadania hoje. Niterói é a ponte com nosso passado”, avalia.

https://open.spotify.com/episode/46LJXpn7xMGYTT0Wm0goUT?si=f411bafdc8dc4af6

Marco histórico

A fundação do PCB ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Alfaiates e dos Metalúrgicos, nos dias 25 e 26 de março, e em Niterói, no dia 27 de março de 1922. O episódio está registrado no livro Os nove de 22: O PCB na vida brasileira, do historiador Ivan Alves Filho.

“O deslocamento para Niterói, mais precisamente para uma casa pertencente à família de Astrojildo Pereira, se deu em função de uma denúncia de que a polícia estaria prestes a invadir o encontro dos comunistas no Rio de Janeiro”, conta o livro, editado pela FAP.

Uma foto histórica mostra os fundadores do PCB. Em pé, estão Manoel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e José Elias da Silva (da esquerda para a direita). Sentados, estão Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro (da esquerda para a direita).

"Trajetória do aprendizado"

A tomada de decisão dos fundadores naquela época ainda ecoa entre os militantes que hoje buscam concretizar os ideais democráticos da cidadania plena e da justiça social com novos modelos e soluções para a urgente melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

“Essa trajetória é a trajetória do aprendizado do que o PCB e o PPS aprenderam e do que o Cidadania está aprendendo sobre a importância de algumas dimensões. A questão democrática foi o aprendizado do PCB, e achávamos que estava garantida, mas agora vemos que não. A equidade e a inclusão social pelas quais o PCB lutou, durante sua história, também ainda estão pendentes”, observa Araújo.

https://open.spotify.com/episode/459pxqE6tkhDwC37OlNAaz?si=34be45a4bf354306

Seminário em Niterói

Todas essas questões serão abordadas durante quatro palestras que serão realizadas no local relacionadas com o PCB e suas dimensões no aspecto histórico, no mundo da cultura, na luta sindical e na juventude. Cada uma terá duração de 15 minutos, antes de ser iniciado tempo de 1 hora para debate, comentários e perguntas.

Arte: Washington Reis

Em seguida, haverá exposição de uma placa que será descerrada em homenagem a todos dirigentes mortos pela ditadura militar e militantes que fizeram parte da luta histórica do PCB.

“Embora contenha nomes das vítimas da repressão da ditadura de 1964, a homenagem é extensiva aos companheiros assassinados na ditadura do Estado Novo, implantada por Getúlio Vargas”, diz o diretor-geral da FAP, referindo-se ao período de 1937 a 1946. “Como toda comemoração tem lado que é rememoração, vamos discutir o que aconteceu, homenagear dirigentes passados e lançar pontes para o futuro”, acrescentou.

Desde 2021, a FAP tem realizado diversas atividades e eventos online em celebração ao centenário do partido. O mais recente deles foi o Seminário Internacional 100 Anos do PCB, realizado de 8 a 10 de março.

Veja vídeos de debates




Charge da Edição 41 da Revista Política Democrática online

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Governo Bolsonaro: Autoridades públicas proferiram ao menos 94 discursos racistas

Rodrigo Castro / O Globo

RIO - Autoridades públicas das três esferas do Poder proferiram ao menos 94 discursos racistas durante o atual governo do país, segundo levantamento de entidades ligadas a movimentos raciais e de direitos humanos divulgado nesta terça-feira. O estudo, que monitorou casos expostos na imprensa e nas redes sociais entre 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2021, mostra que o chefe da Fundação Palmares, Sergio Camargo, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), foram os que mais tiveram falas preconceituosas no período.

De acordo com a pesquisa, intitulada "Quilombolas contra o Racismo", autoridades em cargos de direção e assessoramento do governo — como ministros, secretários e presidentes de autarquias federais — foram responsáveis pelo maior número de ocorrências, cerca de 33%. Do montante total, apenas uma resultou em responsabilização, conforme dados compilados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela organização Terra de Direitos.

O levantamento expõe que de, 2019 para 2020, os discursos racistas mais que dobraram: saltaram de 16 para 42. No ano passado, foram reportados 36 falas dessa natureza. Do total, 41% reforçaram estereótipos raciais, enquanto 25% negaram a existência do racismo. O estudo traz ainda que 96% dos discursos foram proferidos por homens.

Segundo o monitoramento, Camargo lidera entre os que protagonizaram maior número de casos, respondendo por aproximadamente 20% do total. Na sequência, aparece Bolsonaro, com 18% das ocorrências registradas. Também constam vereadores (17%), deputados estaduais (14%), deputados federais (9%), integrantes do Judiciário (7%) e o vice-presidente da República e prefeitos (1%).

Entre os episódios de destaque, o líder da Fundação Palmares disse, em uma reunião com auxiliares, que o movimento negro é uma "escória maldita", que abriga "vagabundos". No mesmo encontro, ele atacou as matrizes religiosas e afirmou que "macumbeiro não vai ter nenhum centavo".

No ano passado, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, foi exonerado do cargo após copiar trechos de discurso realizado pelo ministro da propaganda do regime nazista, Joseph Goebbels. Um ano depois de sua demissão, ele classificou o episódio como um "engano terrível".

Outro caso que repercutiu bastante ocorreu quando o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, realizou um gesto associado a supremacistas brancos durante discurso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Na ocasião, ele reproduziu com os dedos um símbolo que, nos Estados Unidos, se refere às letras W e P, em alusão a "White Power" (Poder Branco). Martins alegou que estava ajustando seu paletó.

Também são citados discursos feitos pelos ministros Paulo Guedes, Damares Alves, Milton Ribeiro e Marcos Pontes; pelo secretário especial de Cultura, Mário Frias; pelo ex-ministro Abraham Weintraub; pelos deputados Arthur Lira, Eduardo Bolsonaro, Rodrigo Amorim, Daniel Silveira e Bia Kicis, entre outros; e pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Única responsabilização

Segundo o levantamento, a única autoridade responsabilizada por seu discurso foi o vereador Jonathas Gomes de Azevedo (PROS-BA), do município de Mucuri. Em agosto do ano passado, o parlamentar atacou o deputado estadual Carlos Robson Rodrigues da Silva (PP), o "Robinho". Azevedo chamou o político de "canalha", "bandido", "imoral", "picareta" e "desavergonhado" em suas redes sociais.

O caso foi enquadrado com injúria e difamação. O autor, no entanto, enfrentava acusações de racismo por chamar o prefeito de Mucuri, Roberto Carlos Figueiredo Costa, de "neguinho". Por decisão judicial, o vereador foi obrigado a retirar todas suas postagens ofensivas sob pena de multa de R$ 1 mil por dia, além do pagamento de R$ 20 mil reais a título de indenização por danos morais.

Idealizado em 2020, o monitoramento levou em conta cinco tipos de discursos: reforço de estereótipos racistas, incitação à restrição de direitos, promoção da supremacia branca, negação do racismo e justificação ou negação da escravidão e do genocídio. A pesquisa conclui que a baixa apuração e responsabilização dos fatos tem motivado a continuidade de práticas racistas nos discursos das autoridades públicas brasileiras.

—Esses números representam práticas constantes de governos autoritários, racistas e excludentes que usam as instituições públicas para manifestar suas patologias, tipo racismo, homofobia, entre outras. Não podemos mais permitir que tais práticas passem e fiquem impunes — disse a pesquisadora e co-fundadora da Conaq, Givânia Silva.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/autoridades-publicas-proferiram-ao-menos-94-discursos-racistas-durante-governo-bolsonaro-diz-estudo-25443295


O Supremo Tribunal Federal e a proteção do meio ambiente no Brasil

Ana Maria de Oliveira Nusdeo / O Estado de S. Pauo

Os tribunais tiveram profunda importância na evolução da proteção ambiental no Brasil desde que a Constituição consagrou o direito ao meio ambiente equilibrado em 1988, sedimentando teses e conferindo-lhe efetividade ao determinar o cumprimento das normas ambientais. Os ataques e  desmontes sofridos a partir de 2019, tão noticiados, mas fracamente reprimidos, puseram o papel dos tribunais em outro patamar. Agora em 30 de março, estão na pauta do STF sete ações em matéria ambiental que, em linhas gerais, questionam se diferentes medidas de enfraquecimento ambiental violam o direito ao meio ambiente estabelecido pela Constituição (Artigo 225).

Na marcha da boiada, tornou-se clara a promoção de uma política antiambiental no governo Bolsonaro, que se desdobra em cinco linhas de atuação,  como aponta o Professor Conrado Hubner Mendes (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/04/bolsonaro-convida-biden-para-desmatar.shtml?origin=folha). As ações em questão tentam dar respostas às investidas do governo.

A primeira dessas linhas de atuação é a massiva edição de normas infralegais (resoluções, portarias, etc ) que flexibilizam e enfraquecem os controles ambientais. A Ação direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6808 questiona a Medida Provisória que permite a concessão automática de licença ambiental de atividades de risco médio. Já a ADI 6148 impugna a Resolução 491/2018, que estabelece padrões insuficientes para o controle da poluição do ar.

Em segundo lugar, tem-se a evisceração dos órgãos ambientais, com a forte redução de sua capacidade de atuação (remoção de funcionários; diminuição e não execução de orçamento). Várias das ações em questão direcionam-se a esse problema. A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59  pede a reativação do Fundo Amazônia, enquanto a ADO 54 questiona a  omissão do governo federal no combate ao desmatamento e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 demanda a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Ainda nesse campo, a ADPF 651 impugna o decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA).

A terceira é a militarização das funções da administração civil especializada, com operações militares inefetivas e custosas substituindo operações pelos órgãos ambientais legalmente competentes para a função. Trata-se aí das GLOs realizadas com alto custo e baixos resultados, objeto da ADPF 735, que contesta a Operação Verde Brasil 2 e o uso das Forças Armadas no combate a ilícitos ambientais

Em quarto lugar, o professor se refere a um multifacetado programa de desinformação, com o esvaziamento de órgãos públicos de produção de conhecimento, como o INPE, o ICMBIO, o IBGE, ao mesmo tempo em que informações falsas são disseminadas.

Finalmente, o há o estímulo à delinquência ambiental, acenando-se com a não aplicação da legislação. E, graças à audácia da primeira estratégia, a aplicação de multas ambientais hoje é travada por um procedimento de audiências prévias que não andam, acarretando a possibilidade de prescrição. E, quando andam, a nova regulamentação concede generosos descontos aos infratores.

Se, em tese, algumas dessas ações se dão dentro de um âmbito formal de atribuições do Poder Executivo, nota-se claramente serem articuladas para o desmonte da política e produção dos efeitos contrários às finalidades da legislação e da Constituição.

Se a estratégia governamental acima descrita por vezes é francamente ilegal e abaixo do nível de dignidade dos cargos públicos (caso da disseminação deliberada de informações falsas e incitação a práticas ilícitas), a resposta possível da Corte Constitucional brasileira tem a possibilidade de contrapor-lhes obstáculo prático, com a declaração de inconstitucionalidade da atuação que descrevem, a emissão de determinações de obrigações de fazer, no sentido de retomar atuação protetiva do meio ambiente ou declarar a ilegalidade de alterações regulamentares promovidas. Além de respostas específicas aos diferentes pedidos, o STF terá a oportunidade de adensar o debate jurídico acerca dos temas colocados nas ações em julgamento.

Algumas delas têm como objeto problemas inseridos no contexto do tema das mudanças climáticas, uma vez que o desmatamento da Amazônia, para além do ponto de não retorno nas mudanças do ecossitema, é uma contribuição dramática à uma mudança deletéria das condições do clima. Da mesma forma, também o é o aumento da poluição atmosférica, combinando os danos decorrentes dos poluentes aos danos climáticos, aumentando os impactos nocivos à saúde.

Essas ações judiciais colocam o Brasil no palco de um movimento  – a litigância climática – que eclodiu em vários países do globo, relacionado a um conjunto de ações judiciais e administrativas envolvendo questões relacionadas ao tema das mudanças climáticas. As demandas propostas, em vários países, desafiam os governos (e até as empresas) ao aumento da ambição nas suas políticas ambientais. Aqui no Brasil, grande parte do esforço investido na litigância busca manter a legislação existente.

Digno de nota que todas foram propostas por partidos políticos e organizações não governamentais. Embora o acesso à Justiça e exercício desse direito pela sociedade seja positivo, reflete também a omissão no âmbito do Ministério Público Federal, carro chefe na missão de proteger a Constituição (Artigo 129, II da Constituição Federal).

Sob o ponto de vista do direito constitucional e da relação institucional entre os poderes, a oportunidade aberta pelo STF não é menos importante. A questão jurídica central por trás de boa parte dos julgamentos que serão realizados é a omissão inconstitucional do dever do Poder Público de proteção ao meio ambiente. Se o tema da omissão inconstitucional já foi enfrentado outras vezes, referia-se a situações nas quais certos direitos não receberam suficiente prioridade nas políticas públicas, num cenário de escassez orçamentária. Daí o surgimento de teses, como a reserva do possível, que buscaram conciliar a implementação dos direitos constitucionais em questão e os custos das providências exigidas. No caso das ações ora em pauta, a omissão se dá em outros termos, e se relacionam a um projeto contrário à política e à efetivação dos direitos constitucionais. Por certo, a declaração de sua inconstitucionalidade fortalecerá a Constituição e os direitos lá colocados, sem que o Judiciário desborde os limites de seu poder. A propósito pode-se tomar empresada a frase celebrizada por Michelle Obama: “They go low, we go high”.

*Ana Maria de Oliveira Nusdeo, professora de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ex-presidente e diretora do Instituto o Direito por um Planeta Verde

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-supremo-tribunal-federal-e-protecao-do-meio-ambiente-no-brasil/


Lei de Defesa do Estado Democrático ainda não gerou inquéritos na PF

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

23 de março de 2022 | 05h00

Seis meses depois da sanção e cem dias após a entrada em vigor da nova Lei de Defesa do Estado Democrático, a Polícia Federal não abriu nenhum inquérito, nem indiciou ou efetuou prisões em razão dos delitos descritos na norma que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional (LSN). A nova legislação prevê como crime, por exemplo, a tentativa de se abolir o estado de direito por meio de grave ameaça ou violência. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), o uso da LSN pela Polícia Federal havia crescido 285% em relação ao mesmo período das gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). A maioria dos casos era ligada a episódios de críticas a Bolsonaro. A antiga LSN considerava como um delito contra a segurança nacional caluniar o presidente da República.

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O então ministro da Justiça André Mendonça, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi o responsável em 2020 por pedir a abertura de inquérito contra o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, que fez publicar em Palmas (TO) um outdoor com a imagem de Bolsonaro e as seguintes frases: “Cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já”. 

O Ministério Público Federal arquivou o inquérito e a 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade conceder habeas corpus para trancar a investigação. Em seu voto, o ministro Ribeiro Dantas escreveu: “O Direito Penal é uma importante ferramenta conferida à sociedade. Não deve servir jamais de mordaça, nem tampouco instrumento de perseguições políticas aos que pensam diversamente do governo eleito.”

“A PF não abriu mais inquéritos porque eles eram baseados na lei antiga, que previa o dispositivo sobre eventual desrespeito à figura do presidente. Assim como dispositivos usados para abrir o inquérito dos atos antidemocráticos no Supremo. A nova lei não tem nada disso”, disse a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.

Defensores do governo que foram alvo da LSN também alegavam ser vítimas de cerceamento de opinião, como foi o caso do deputado federal Daniel Silveira (União-RJ), preso com base no inquérito aberto por decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes – que mira os atos antidemocráticos, divulgação de fake news, e ameaças a membros da Corte.

Para Floriano de Azevedo Marques, professor de Direito Público da Universidade de São Paulo (USP), a nova lei trouxe mecanismos para tipificar condutas que ameaçam o estado democrático ao mesmo tempo em que determinou não constituir crime a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais. 

“São ótimos instrumentos se tivéssemos no Poder Executivo um governo comprometido com as instituições democráticas.” Para ele, o problema começa quando o governo é um dos “principais fomentadores do discurso antidemocrático”. “Não será a PF que vai abrir inquérito contra o governo por apoiar atos antidemocráticos.” A última manifestação de Bolsonaro contra o STF ocorreu em 7 de setembro de 2021, pouco após a sanção da lei, em 1.º de setembro – ela entrou em vigor no dia 30 de novembro, 90 dias após a sanção.

Para Raísa Cetra, coordenadora de programa espaço cívico da ONG Artigo 19, a revogação da antiga LSN foi um ponto positivo. “Mas os problemas ligados à liberdade de expressão não acabaram.” Ela cita os casos de atentado às manifestações culturais e artísticas. 

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lei-de-defesa-do-estado-democratico-ainda-nao-gerou-inqueritos-na-pf,70004016883


Marco Aurélio Nogueira: Edgar Morin - Uma Ucrânia neutra e federalizada

Marco Aurélio Nogueira / O Estado de S. Paulo

A invasão da Ucrânia pela Rússia nos últimos dias de fevereiro evoluiu e se converteu em guerra. Mortes já são expressivas, o clima é de tensão e seus efeitos alcançam o conjunto dos países, dada a interdependência do mundo globalizado. Sanções econômicas empreendidas pelas potências ocidentais coincidem com notícias de ataques russos a alvos civis. Encontros diplomáticos entre russos e ucranianos não tiveram resultados até agora. A resistência ucraniana parece ter surpreendido Moscou, que projetava uma guerra rápida.

Enquanto se buscam negociações que suspendam os ataques e protejam os que desejam sair da Ucrânia, análises e prospecções continuam a ser feitas com intensidade. Intelectuais e especialistas procuram compreender as razões do conflito e as possibilidades que se abrem para sua superação.

Em artigo divulgado na França e publicado no Brasil na página da Unisinos, Edgar Morin, um dos mais ativos, importantes e prestigiosos pensadores da contemporaneidade, faz uma detalhada reconstrução dos fatos que estão na base do conflito. Analisando o quadro histórico mais geral em que nasceram e se desenvolveram os atritos, Morin considera tanto o impulso de Putin no sentido de recuperar as bases territoriais da Grande Rússia, quanto a insistência da OTAN em manter um cerco territorial que dificultasse ou inviabilizasse as pretensões de Putin e, com isso, deixasse a Rússia sob controle do Ocidente.

O pensador francês também procura enxergar as frestas por onde seria possível fazer avançar “a guerra contra a guerra”. Avalia que “estamos à beira de um abismo, mergulhados na total incerteza do amanhã”. O problema ucraniano, para ele, além de trágico e perturbador, comporta “múltiplas implicações entrelaçadas e outras tantas totalmente desconhecidas”.

A Ucrânia, a rigor, viveu em tensão permanente, oscilando entre divisões, independência e integração. Como lembra Morin, “no final do século 18, foi dividida entre a Polônia, o Império russo e o Império austríaco. Tornou-se independente durante as guerras posteriores à Revolução de 1917, mas foi vencida em 1920 e integrada à União Soviética. Seu campesinato sofreu muito cruelmente os efeitos da imposição dos colcozes e da grande fome de 1931”. Os ucranianos tiveram por um momento a ilusão de serem libertados pela Wehrmatch, as forças armadas da Alemanha Nazista, embora tenham participado ativamente da resistência ao nazismo. Mais tarde, nos anos da decomposição da URSS, a Ucrânia e a Bielorrússia se tornaram independentes mediante um acordo com a Rússia, então presidida por Boris Iéltsin.

Morin: “A situação da Ucrânia agravou-se paralelamente à deterioração das relações entre a Rússia e os Estados Unidos. A Ucrânia não é apenas um enclave geopolítico importante para a Rússia e a América: ela é um imenso alvo da cobiça econômica. É a principal reserva europeia de urânio, a segunda em titânio, manganês, ferro, mercúrio. Tem a maior superfície de terras aráveis da Europa, 25% da extremamente fértil terra preta do planeta, produz e exporta cevada, milho e outros produtos agrícolas”.

Entre 2013 e 2014, diversas manifestações explodiram a partir de Kiev, sendo violentamente reprimidas pelo governo pró-russo de Viktor Yanukovych. Foi a chamada “Revolução da Dignidade”, de onde emergiu a Ucrânia dos dias de hoje, governada por Volodymyr Zelensky desde 2020. Em 2017, a Ucrânia quis ingressar na União Europeia. Como resposta, Vladimir Putin anexou a Crimeia. Estimulou o levante e depois a autonomia da região russófona do Donbas, a sudeste da Ucrânia. “Na verdade, uma guerra tinha começado em Donbas, a despeito dos acordos de Minsk, e nunca mais parou. Desde 2014, o infernal processo das retroações conflituais se agravou e o pior aconteceu em março de 2022”.

A guerra russa-ucraniana mostra a força da geopolítica nas relações internacionais e sugere, com clareza, que a política e a diplomacia estão perdendo força como meios de superação de conflitos. Uma globalização sem política, em um sistema multipolar imperfeito, põe em xeque o que pode haver de positivo na interdependência. Um cenário que exige respostas corajosas, que sobreponham o bem-estar dos povos às razões econômicas, monetárias e de segurança, assim como à ênfase obsessiva no controle territorial.

O artigo de Morin nos ajuda a entender o atual estado do mundo. Seguem, abaixo, excertos particularmente relevantes do texto, cuja tradução foi feita por Edgard de Assis Carvalho e revisada por Fagner França.


Edgar Morin, À beira do abismo

A engrenagem arrogante

Esse processo foi provocado ao mesmo tempo pela crescente ambição de Putin de integrar a parte eslava do Império em seu território e pela concomitante ampliação da área de influência da OTAN em torno da Rússia. O processo também foi amplamente determinado pelos conflitos de interesses que se intensificaram entre as duas superpotências após o período de aliança Bush-Putin de 2001.

Houve a reconstrução da Rússia como superpotência militar, estabelecendo suas zonas de influência na Síria e na África, a sangrenta reintegração da Chechênia por duas guerras (1994-1996 e 1999-2001). Ocorreu também a intervenção militar na Geórgia (2008), depois a pressão crescente sobre a Ucrânia. Houve simultaneamente, sem aprovação da ONU, uma segunda invasão na guerra do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, algo catastrófico para todo o Oriente Médio, seguida de guerras internas pelo menos até 2009, a invasão da Líbia em 2011. Por fim, os Estados Unidos se envolveram numa guerra no Afeganistão de 2001 a 2021.

Ainda que em 1991, o presidente americano houvesse prometido verbalmente a Gorbatchov que a OTAN não seria ampliada pela inclusão das antigas democracias populares, a Organização integrou em 1999, a pedido, a Polônia, a República Tcheca, a Hungria, depois as repúblicas bálticas seguidas pela Romênia, pela Eslovênia (2004), pela Albânia e pela Croácia (2004), criando de fato um cerco em torno da Rússia, com duas brechas constituídas pela Geórgia e pela Ucrânia.

Esse cerco faz lembrar os tempos do Kremlin, o isolamento da URSS pelos países capitalistas entre as duas Guerras Mundiais e o confinamento da Guerra Fria.  De modo mais subjetivo, daí decorre a psicologia obsessiva de Putin e o endurecimento de seu regime autoritário.  Sob pretexto da guerra contra o Afeganistão, os Estados Unidos instalaram bases militares nas ex-repúblicas soviéticas do sul, no Uzbequistão, no Tajiquistão e no Quirguistão, fechando de fato o cerco na Sibéria.

Não poderíamos encobrir a crescente oposição entre duas superpotências para ampliar ou salvaguardar sua zona de influência, nem o cerco da OTAN. O acontecimento significativo é que, desde a retirada do Afeganistão, os Estados Unidos estão doravante empenhados em evitar qualquer guerra longínqua e o governo ucraniano aspira ser protegido pela União Europeia e pela OTAN.

Putin sente que aquilo que é tolerado pelos EUA, principalmente as ingerências militares nos países soberanos, para a Rússia é algo condenado. Não admitirá que a Ucrânia passe para o Oeste. Putin sabe que os Estados Unidos não intervirão militarmente se ele invadir a Ucrânia. Talvez tenha pensado em uma invasão rápida e já organizou reservas em caso de sanções econômicas, cujo alcance no longo prazo ele subestima, mas talvez imagine mesmo que tudo será resolvido no curto prazo. Sem pretender psicologizar, posso imaginar que esse espírito autoritário, para quem as democracias ocidentais são decadentes, que cada vez mais endurece seu regime policial-militar na Rússia, acreditou em 2001, juntamente com Bush, que os Estados Unidos tratariam dignamente seu grande país. Ele tende a ocultar o fato de que suas guerras na Chechênia, suas intervenções na Geórgia e, finalmente, na Ucrânia em 2014 puseram os Estados Unidos e a Europa em estado de alerta. Inicialmente prudente e ardiloso, Putin tornou-se audacioso em 2014 e, doravante, é impelido por uma terrível raiva.

Quando as tropas russas se concentraram na fronteira da Ucrânia, em 1º de março de 2022, Joe Biden fez um discurso de tom intransigente, no qual se encontra uma pequena frase essencial: “nós não faremos a guerra”. Mesmo sendo legítima, desequilibrou os Estados Unidos na correlação de forças. Nenhum povo, nenhum governo na Europa considerou fazer a guerra na Ucrânia invadida, apesar dos constantes apelos do presidente Zelenski e das inúmeras tentativas dnegociação de Macron com Putin.

A dificuldade de fazer a guerra à guerra

A heroica resistência do presidente Zelenski, de seu governo e do povo ucraniano surpreendeu Putin e provocou nossa admiração. Fez com que Putin abandonasse a mentira da desnazificação e passasse agora a falar de nacionalistas ucranianos.  Sem dúvida, a resistência contribuiu para unificar a Ucrânia democrática e nacional.

Além disso, pelo menos por um tempo, a guerra de Putin unifica a Europa, em sua reprovação e reação. O Ocidente tenta fazer de tudo, exceto compreender o que constituiria a essência da própria guerra. Uma guerra como esta seria uma catástrofe generalizada que mergulharia a Ucrânia, a Europa e a América numa terrificante nova Guerra Mundial. Em decorrência disso, efetiva-se uma reação apenas econômica de sanções múltiplas e generalizadas (pessoalmente, sou contrário a sanções que atinjam a cultura, a música, o teatro, as artes); depois a reação se amplia por uma ajuda econômica, pelo envio de material militar à Ucrânia, pela organização de um centro de acolhimento para refugiados. E também pela formação de uma legião de voluntários para combater na Ucrânia. Um dos aspectos da tragédia é que não podemos fazer uso da fraqueza nem da força separadamente e que estamos obrigados a navegar entre as duas de maneira incerta.

Dito isso, lembremos que as sanções também atingem os que as executam. A Europa corre o risco de ter falta de gás e outros produtos. Pode até ser que a guerra econômica seja eficaz no longo prazo, mas até lá a Ucrânia terá sido absorvida. A guerra poderia ter efeitos mais amplos na Rússia, empobrecer a população, provocar uma forte oposição que poderia reforçar ou reverter o poder autoritário de Putin.

Qual é e onde se encontra a fronteira entre a guerra econômica, a ajuda armamentista, a intervenção de voluntários e a própria guerra? Os bombardeios, as ruínas, os mortos que, longe de nós, atingiram a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, batem às nossas portas.

Aqui irrompe a ameaça tantas vezes repetida de Putin do uso de arma implacável contra os que ameaçassem a Rússia. “Vocês seriam todos bombardeados”. Num excesso de raiva, seria ele capaz de passar à ação? De qualquer forma, o acidente de uma guerra que ultrapassaria em horror as duas precedentes Guerras Mundiais não constitui uma impossibilidade.

Até o momento, Kiev não sucumbiu. Macron acaba de fazer um novo e valoroso esforço com Putin, sem resultado. Tudo é incerto, tudo é perigoso. A solução de compromisso aceitável por todos seria uma Ucrânia neutra e federalizada, tendo em vista sua diversidade étnica e religiosa. Essa diversidade é atualmente inacessível.

Uma regulamentação pacífica da guerra permitiria negociações mais amplas entre a Rússia, os Estados Unidos, a Europa. Não sei se a unidade adquirida durante a crise pela União Europeia se manterá; haverá um elemento novo: o rearmamento alemão, que dará à Alemanha uma hegemonia que não será mais unicamente econômica.  

     Na expectativa de uma hipotética solução, o perigo permanente continua. Como encontrar a via entre a fraqueza culpável e a intervenção irresponsável? De qualquer maneira, como vimos com muita frequência, as intervenções caminham no sentido inverso das intenções e das decisões, tanto no Leste quanto no Oeste.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/edgar-morin-uma-ucrania-neutra-e-federalizada-seria-uma-solucao-aceitavel-por-todos/


Comissão aprova anistia a siglas que não destinaram cota a mulheres e negros

Raphael Felice / Correio Braziliense

Em comissão especial, a Câmara dos Deputados aprovou — por 19 votos favoráveis e 2 contrários — o texto-base do relatório da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) em favor de anistiar partidos que descumpriram a cota mínima de recursos para negros e mulheres nas últimas eleições.

Agora, o colegiado analisará destaques sobre a matéria. Após esta etapa o texto irá ao Plenário da Câmara. Por se tratar de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), precisará de 308 votos favoráveis para ser aprovada.

De acordo com o texto, nenhuma sanção será aplicada aos partidos que não cumpriram essa cota mínima para negros e mulheres. A proposta inicial era destinar, no mínimo, 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidatas mulheres.

A proposta foi criticada por deputadas federais da oposição por entenderem que existe um movimento para “flexibilizar conquistas das mulheres”, como disse a deputada federal Fernanda Melchionna (Psol-RS).

“A maioria dos partidos virão a favor da PEC somente para anistiar. [...] É preciso ficar claro que a cada passo que a gente dá existe um movimento para flexibilizar essas conquistas, como neste caso, o não pagamento das multas. Eu tenho certeza que tem partidos com multas milionárias no TSE por não cumprir cotas de mulheres, negras e negros”, disse.

A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) também questiona o baixo percentual de parlamentares mulheres e diz que há toda uma estrutura que puxa a participação da mulher na política para baixo.

“Precisamos fazer avançar toda a legislação para fortalecer a participação da mulher na política. Não é possível ficar com apenas 15% de participação feminina dentro do congresso nacional. Há toda uma estrutura que puxa como âncora, para baixo, que resulta nessa situação dentro dos partidos e na sociedade”.

Outro ponto detalhado no texto da PEC trata da obrigatoriedade dos partidos injetarem pelo menos 5% do fundo partidário em programas de incentivo da participação política das mulheres.

“Nós estamos trabalhando junto ao TSE para que estes recursos possam ser utilizados na pré-campanha. Esses recursos não vão ser completamente perdidos. Estamos tratando de algo que não aconteceu, mas estes recursos vão continuar sendo das mulheres, estão acumulados e só podem ser gastos nessa finalidade. Não é uma questão de estarmos solapando das mulheres deste pequeno pedaço. Não podem ser gastos, mas serão”, disse a Margarete, indicando ainda que a pré-campanha é um fator de desequilíbrio nas eleições.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4995168-comissao-aprova-anistia-a-siglas-que-nao-destinaram-cota-a-mulheres-e-negros.html


YouTube decide excluir vídeos com fake news sobre urna eletrônica

YouTube anunciou nesta terça-feira, 22, uma nova política para a redução de disseminação de informações enganosas sobre as eleições no Brasil. As regras permitem a exclusão de vídeos antigos que contenham alegações falsas de fraude eleitoral sobre o pleito de 2018. A decisão deve ter impacto direto sobre publicações do presidente Jair Bolsonaro (PL).  

A plataforma de vídeos, que pertence ao Google, destacou que as ações “se aplicam igualmente a todos os criadores de conteúdo, quaisquer que sejam as suas opiniões políticas”. Ou seja, tanto o presidente, que já sustentou a ocorrência de violação das urnas eletrônicas em 2014 e 2018, quanto quaisquer outros políticos podem ter conteúdos removidos.

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O YouTube entende por “alegações falsas” todo conteúdo que possa levar eleitores a desistirem de ir às urnas, como afirmações de que os equipamentos tenham sido  hackeados, adulterando votos.

Alegações falsas sobre a inelegibilidade de candidatos ou políticos em exercício e conteúdos que incitem o público a interferir em processos democráticos também serão removidos. E conteúdos tomados como "duvidosos" terão a circulação reduzida para menos de 0,5% das recomendações. 

A empresa também anunciou que incluirá painéis informativos que levam o usuário a “fontes confiáveis” sobre o tema. “Os painéis de informações já foram usados em temas desde a chegada do homem à Lua até a Covid-19 e nas próximas semanas, vão passar a incluir a urna eletrônica brasileira”, escreveu a empresa.

A política de combate à desinformação no período eleitoral já foi aplicada durante a corrida presidencial dos EUA em 2020, quando dezenas de pessoas invadiram o Capitólio em um ato pró-Trump para suspender a confirmação do presidente Joe Biden no Congresso.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,youtube-fake-news-urna-eletronica-bolsonaro,70004016471


Ministro fica sob pressão e tenta minimizar pedido de Bolsonaro sobre pastores

A pressão sobre o ministro da Educação, Milton Ribeiro, atingiu grau crítico nesta terça-feira (22) após a revelação pela Folha do áudio em que ele afirma priorizar, a pedido de Jair Bolsonaro (PL), a liberação de verbas para prefeituras negociadas por dois pastores sem cargos oficiais no governo.

Enquanto Ribeiro cancelou sua agenda em São Paulo e divulgou nota para minimizar a atuação do presidente da República no caso, integrantes da oposição acionaram órgãos de fiscalização, pediram a convocação do ministro e a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar os fatos.

O ministro da Educação é evangélico e pastor, mas até mesmo integrantes da bancada evangélica no Congresso cobraram explicações, e alguns deles cogitavam a substituição de Ribeiro do posto de comando na pasta.

Folha revelou na segunda (21) áudio em que Ribeiro afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.

Os dois religiosos têm negociado com municípios a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia. Os valores são provenientes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão controlado por políticos do centrão.

No áudio, gravado durante uma reunião no MEC, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para essas obras na presença de prefeitos, líderes do FNDE e dos dois religiosos.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.

A atuação dos pastores foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

No Senado e na Câmara, parlamentares críticos ao governo Bolsonaro afirmam que vão tentar aprovar a convocação do ministro nos próximos dias.

Pastores que negociam recursos do MEC em evento na sede da pasta com o presidente Bolsonaro, no dia 10 de fevereiro de 2020. Pastores Gilmar Santos e Arilton Moura estão à direita do ministro da Educação, Milton Ribeiro
Pastores que negociam recursos do MEC em evento na sede da pasta com o presidente Bolsonaro, no dia 10 de fevereiro de 2020. Pastores Gilmar Santos e Arilton Moura estão à direita do ministro da Educação, Milton Ribeiro - Reprodução

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, falou do episódio quando chegava ao Congresso nesta terça. Ele disse ter sido informado "que uma conversa tinha sido gravada, quando o ministro falava da participação de dois líderes religiosos e com relação à construção de igrejas".

Questionado sobre a avaliação que faz da gestão de Ribeiro, ele disse que quem tem que analisar a atuação do ministro é o presidente Jair Bolsonaro, afirmou que ainda não havia ouvido o áudio, mas que, sendo verdadeiro, o titular do MEC extrapolou de suas funções.

"Tenho aqui bancadas muito fortes, que sempre cobram posicionamento dos ministros com relação a assuntos que são pertinentes a sua pasta. Esse assunto eu penso que extrapola, se for o áudio como é, extrapola um pouco a atividade do ministro e da pasta vamos esperar para ver o que acontece", disse Lira.

Ainda na Câmara, a banca da educação protocolou um pedido para instalação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) para investigar possíveis "crimes comuns, crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa na liberação de verbas".

Integrante da bancada e com atuação na área, Tabata Amaral (PSB-SP) afirmou nas redes sociais que a pasta abriga corrupção, improbidade e tráfico de influências.

"O MEC mais incompetente da história é também antro de corrupção, improbidade administrativa e tráfico de influências. São escandalosos os áudios em que o próprio ministro mostra que o objetivo dele nunca foi a educação. Vamos cobrar providências do PGR. Mais um ministro vai cair!", disse.

A parlamentar, o também deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES), o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, entraram com representação na PGR por improbidade administrativa contra o ministro.

A bancada do PSOL na Câmara atacou a fala de Ribeiro no áudio e protocolou representação no Tribunal de Contas da União contra o ministro, Bolsonaro e os dois pastores.

O presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que já pautou para a sessão da próxima quinta-feira (24) a votação de um requerimento de convocação do ministro.

O senador criticou duramente o conteúdo do áudio. "Se isso não for tráfico de influência, eu acho que não existe tráfico de influência", afirmou.

Como mostrou a colunista Mônica Bergamo, da Folha, logo após a divulgação do áudio, líderes evangélicos começaram a debater uma possível saída de Ribeiro enquanto aguardavam explicações do ministro.

Dizendo-se indignados por mal conhecerem os pastores, alguns líderes do segmento religioso que defendem o governo de Jair Bolsonaro já pregavam até a troca de comando no MEC. Mas afirmavam querer dar um tempo para que Ribeiro apresentasse seus argumentos.

O presidente da bancada, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é pró-Bolsonaro, já enviou o recado diretamente a Ribeiro. Parlamentares pediam que ele convocasse uma entrevista coletiva para esclarecer os fatos.

Isso chegou a ser debatido internamente pela equipe do ministro, mas foi descartado.

Há três homens na foto, de terno: o ministro está à esquerda, de olhos fechados e cabeça inclinada; o outro segura fala ao microfone e o terceiro aparece ao fundo
Ministro da Educação, Milton Ribeiro, com os pastores Arilton Moura (ao fundo) e Gilmar Santos em culto em Goiânia - Reprodução/Redes sociais

Ribeiro, no meio da tarde, se manifestou em uma nota divulgada por sua assessoria. Ele negou ter determinado alocação de recursos para favorecer qualquer município e tentou minimizar a atuação de Bolsonaro.

No áudio, o ministro relata ter sido do presidente o pedido para privilegiar repasses a municípios indicados pelos dois pastores.

"O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem", diz a nota do ministro.

Segundo Ribeiro, a alocação de recursos segue a legislação e os critérios técnicos do FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação). "Não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado", completa a nota.

A nota publicada pelo ministro foi elogiada por aliados de Bolsonaro, embora tenha havido a avaliação que ele demorou a divulgar os esclarecimentos.

Um integrante do Palácio do Planalto relatou à Folha que Bolsonaro defendeu a seus aliados que Ribeiro esclareça as denúncias, mas descartou uma possível demissão.

Nesse cenário, integrantes da ala ideológica minimizaram os pedidos para demissão de Ribeiro e atrelavam ao centrão as investidas contra Ribeiro como tentativa de emplacarem um nome próprio no MEC.

O segmento evangélico é uma das bases de apoio político de Bolsonaro, que, atendendo ao pleito de líderes religiosos, indicou ao STF (Supremo Tribunal Federal) o ministro André Mendonça, que ele chamou de "terrivelmente evangélico".

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/ministro-fica-sob-pressao-e-tenta-minimizar-pedido-de-bolsonaro-sobre-pastores.shtml


Centrão se junta à ofensiva contra Milton Ribeiro e pede demissão do ministro

Taísa Medeiros e Michelle Portela / Correio Braziliense

As denúncias de um gabinete paralelo de pastores com atuação no Ministério da Educação fizeram o titular da pasta, Milton Ribeiro, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) virarem alvo de pedidos de investigação, protocolados por parlamentares, no Supremo Tribunal Federal (STF), na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Tribunal de Contas da União (TCU). Até mesmo o Centrão pressiona pela saída do ministro.

As ofensivas foram deflagradas após a divulgação de um áudio no qual Ribeiro revela que, por ordem de Bolsonaro, dá atendimento preferencial a pastores na liberação de verbas para prefeituras. Nesse gabinete paralelo, os líderes evangélicos Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura intermediavam diretamente com o ministro a destinação de recursos. Os dois religiosos não têm vínculo com a pasta nem com o setor da Educação.

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos)", afirmou Ribeiro, que é pastor evangélico, em reunião com dirigentes municipais dentro do ministério. "A minha prioridade é atender, primeiro, os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", acrescentou. O áudio foi divulgado pela Folha de S. Paulo. Na semana passada, o Estadão já havia revelado a existência do gabinete paralelo de pastores com atuação no MEC.

No Congresso, até mesmo aliados do governo pedem a apuração do caso e cobram a saída de Ribeiro. O PL, o Republicanos e o PP, partidos do Centrão, estão de olho na vaga. A intenção agora, às vésperas das eleições, é que o ministro seja substituído por um político evangélico ligado ao grupo.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou que Ribeiro não chegou ao governo pelas mãos dos evangélicos. O parlamentar demonstrou irritação com o gabinete paralelo comandado por pastores e disse que eles não têm ligação com os deputados do seguimento. "Quais pastores? Aqueles dois pastores Zé Ruela? Não conheço, nunca vi, só o ministro pode explicar", afirmou.

Ontem, parlamentares acionaram órgãos de controle. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou notícia-crime no STF pedindo a investigação de Ribeiro por eventual "crime de advocacia administrativa". Já o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), os deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha (PSD-RJ), entraram com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro por improbidade administrativa. "Não podemos tratar a corrupção e o tráfico de influência com normalidade", escreveu Vieira no Twitter.

A bancada do PSol na Câmara protocolou uma representação no TCU e no Ministério Público Federal (MPF) contra Bolsonaro, Ribeiro e os dois líderes evangélicos.

CPMI

O presidente da Frente Parlamentar Mista pela Educação, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), protocolou requerimento para a criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) destinada a investigar crimes comuns, de responsabilidade e de improbidade administrativa na liberação de verbas pelo MEC.

O objetivo é investigar eventual ocorrência dos crimes de tráfico de influência, emprego irregular de verbas públicas, advocacia administrativa, corrupção ativa e passiva, usurpação de função pública e crimes de responsabilidade.

Ribeiro também é alvo de requerimentos para que preste esclarecimentos na Câmara.

(Com Agência Estado)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4995209-centrao-se-junta-a-ofensiva-contra-milton-ribeiro-e-pede-demissao-do-ministro.html


Luiz Carlos Azedo: Envolvimento de Lula na Lava-Jato virou calúnia

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Para nove em cada 10 marqueteiros, as pesquisas de opinião estão mostrando que a disputa eleitoral entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera os levantamentos, e o presidente Jair Bolsonaro, em recuperação, tende a se decidir no confronto de rejeições. É aí que a decisão de ontem, por 4 a 1, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contra o ex-procurador federal Deltan Dallagnol, pode transformar a Lava-Jato num ativo da campanha de Lula contra seus desafetos, justamente o tema que é a sua maior vulnerabilidade para manter uma rejeição menor do que a de Bolsonaro.

O ex-chefe da Operação Lava-Jato foi condenado a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por danos morais, avaliados em R$ 75 mil, mais juros e correção monetária, o que deve superar os R$ 100 mil, conforme o relatório do ministro Luís Felipe Salomão. A razão do pedido de indenização foi a entrevista coletiva da Lava-Jato na qual o Ministério Público acusou o petista de corrupção e lavagem de dinheiro, no famoso caso do tríplex de Guarujá (SP). Lula chegou a ser condenado pelo então juiz federal Sergio Moro, porém a sentença foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor da indenização os ministros Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu dos colegas.

Naquela entrevista, Dallagnol recorreu ao PowerPoint para acusar o ex-presidente Lula, cujo nome aparecia no centro da tela, ao lado das expressões “petrolão + propinocracia”, “governabilidade corrompida”, “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão” e “enriquecimento ilícito”, entre outras. A Corte aceitou o argumento da defesa de Lula de que houve abuso de autoridade, ofensas à honra e à reputação. O caso havia sido rejeitado em primeira e segunda instâncias, mas foi acolhido pelo ministro Salomão: “Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o que foi objeto da denúncia nem parece compatível com a seriedade que se exige da apuração desses fatos”, afirmou.

Dallagnol ainda pode recorrer ao próprio tribunal, mas a decisão já serve de advertência para os desafetos de Lula, que podem também ser processados e obrigados a indenizar o ex-presidente da República. O advogado Márcio de Andrade, responsável pela defesa do ex-procurador, recorrerá da decisão. Argumenta que a entrevista foi concedida de acordo com o exercício regular do cargo. Segundo ele, a Corregedoria da Procuradoria da República e o Conselho Nacional do Ministério Público “concluíram de forma uníssona: não houve excesso e não houve sanção administrativa”.

Dificilmente o STJ reexaminará o caso antes das eleições, o que fará com que o tema da Lava-Jato fique fora da agenda de ataques diretos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por parte dos adversários. Mesmo assim, o petista não estará livre de desgastes, pois a Lava-Jato continua sendo uma das principais variáveis de voto nas eleições. Entretanto, as acusações contra o petista na propaganda eleitoral estarão interditadas, porque os programas e peças de propaganda poderão ser retirados do ar, e os adversários, penalizados, com direito de resposta e perda de tempo de tevê e rádio, se o acusarem de corrupção.

Tiro no pé
O sincericídio do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que admitiu o aparelhamento da pasta para favorecer pastores evangélicos, durante reunião com prefeitos, é a mais nova crise no governo criada por combustão espontânea, ou seja, sem que nenhuma ação possa ser atribuída à oposição. Segundo áudio obtido pelo jornal Folha de S. Paulo, o ministro mantinha uma espécie de gabinete paralelo, no qual dois pastores controlam as verbas e a agenda da pasta, supostamente a pedido do presidente Jair Bolsonaro.

Ribeiro admitiu o conteúdo do áudio, mas negou que a orientação partisse de Bolsonaro. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, embora não tenham cargos no ministério, eram responsáveis pela destinação de recursos a pedido das igrejas evangélicas. Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb), à qual Arilton Moura também integra.

O Ministério da Educação é tratado por Bolsonaro como uma pasta estratégica do ponto de vista ideológico, mas sempre foi objeto de disputas políticas dentro do próprio governo, porque os setores de extrema-direita que apoiam o presidente da República sempre viram a área educacional como um instrumento de combate ao chamado “marxismo cultural”. Com a crise, que pode resultar na demissão de Ribeiro, o Ministério da Educação está sendo cobiçado pelo Centrão, que se aproveita da ofensiva da oposição contra o ministro.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-envolvimento-de-lula-na-lava-jato-virou-calunia/