Day: janeiro 13, 2022

Ricardo Marinho: Histórias que precisamos contar

Cem anos atrás, no próximo 25 de março só que de 1922, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) nascia em Niterói, cidade recentemente relançada para o mundo cinematograficamente pelo filme Minha Mãe É uma Peça e suas duas sequências pelo saudoso Paulo Gustavo (1978-2021). Por ocasião do centenário, a Fundação Astrojildo Pereira propõe uma série de atividades, e uma delas é o belíssimo livro de Fausto Mato Grosso sobre a história cotidiana do PCB em Mato Grosso do Sul.

Este livro fala simultaneamente de um passado distante e recente. Tão longe e tão perto no tempo, e nem mesmo (pelo menos para um leitor brasileiro) no espaço: as crônicas que compõem o livro e a realidade a que se referem - o PCB, como um partido de cultura política que chegou às massas fugazmente - pertencem a um mundo definido. Nesse ínterim, esse passado distante foi-se distanciando ainda mais do recente, com uma velocidade surpreendente. Embora a inércia linguística tenha preservado a expressão partidos políticos, a participação política foi assumindo fisionomia completamente diferente em uma sociedade dominada pela lógica do mercado, agora acentuada pela pandemia. Esta participação, ligada, sobretudo, à internet, é essencialmente estranha às partes: uma instituição que se transformou e sangrou até à morte, e não só no Brasil.

Na apresentação de seu livro, Fausto Mato Grosso analisa com lucidez essas distâncias. Mas seu olhar retrospectivo leva a um convite para seguir em frente, inclusive em termos de pesquisa, apontando para possíveis fundos de arquivos privados inexplorados para a história do PCB, não apenas seus, mas da magnífica presença autoral da camaradaria com quem escreve o livro. Não há dúvida sobre a importância desta contribuição.

Uma obra sobre história cotidiana do PCB em Mato Grosso do Sul lança um desafio original à historiografia, convidando-a a ir além das visões anteriores sobre a história do PCB. Este desafio que exige respostas também se dirige a um leque muito mais amplo de leitores, porque aborda a complexa relação entre crônica e memória, através de uma vivência específica, colocando uma questão muito geral e clássica em debate: o que é uma fonte histórica?

Uma fonte (qualquer fonte) pode ser comparada, reformulando conhecida metáfora da folha de papel usada pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913). Para apreender a dimensão referencial da fonte, devemos nos perguntar por meio da elaboração de uma série de questões, de como as faces da fonte são construídas: uma questão que muitos, silenciosamente, evitam fazer. Quando Fausto e a camaradagem se veem diante de seus arquivos inexplorados e começam a escrever crônicas também autobiográficas que os militantes comunistas sul-mato-grossenses do pós-1964 se perguntam: como surgiram essas histórias? Em quais contextos? Que relações de poder as condicionam?

Dessas perguntas, decifradas pelos olhares aguçados de Fausto e da camaradaria, emerge a dimensão referencial das crônicas, pois as vivências militantes ali expressas dão uma ideia da riqueza dos seus arquivos que nenhuma historiografia poderá ignorar. Esperamos que ela se sinta tentado a desenvolver essa temática, inclusive numa perspectiva comparada. Aliás, este é um tópico que se tornou mais relevante do que nunca pela obsessão preditiva gerada pela pandemia.

A camaradagem e Fausto sob vários aspectos realizam confissão pública da luta em favor da democracia e de como derrotar politicamente a ditadura em vigor entre 1964 e 1985. Esse exercício é homólogo a tradição jesuíta tão profundamente arraigada entre nós como ilustra o português Simão Rodrigues (1510-1579), pois o termo militante, e seus equivalentes em muitas línguas, remontam a Alessandro Farnese (1468-1549) e sua bula pontifícia Regimini militantis ecclesiae (1540), que sancionou a aprovação da Companhia de Jesus, mas, na experiência desta, a analogia com a prática da autobiografia exigida de novos adeptos justifica uma raiz comum na conformação brasileira como mostrou José Eisenberg.

Esse diálogo aparentemente inusitado, que nos projeta em dois passados distintos, em sua intrincada relação histórica desde a colônia Brasil, produz direções variadas de orientação e/ou desorientação. Quem lê Histórias que Ninguém Iria Contar, por vezes, terá a impressão de estar mergulhado num livro de ficção (também científica): uma experiência que nos ajudará a olhar com novos olhos a circunstância enigmática em que vivemos. Mas também terá claro o poema do Ferreira Gullar (1930-2016) de que para versar a história do povo brasileiro tem que falar do PCB.

*Ricardo Marinho é professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Lula na Presidência é 'recondução do criminoso à cena do crime'

Marianna Holanda / Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta quarta-feira (12) que eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) significaria "reconduzir criminoso à cena do crime", e que projeto de poder dos adversários seria "roubar a liberdade".

"Querem reconduzir à cena do crime o criminoso, juntamente com Geraldo Alckmin? É isso que queremos para o nosso Brasil?", questionou Bolsonaro, dizendo que chega a três anos de governo, com dois "em mar revolto", por conta da pandemia.

O chefe do Executivo cita a virtual aliança entre ex-tucano e petista, sem mencionar Lula diretamente.

A declaração ocorreu durante evento de lançamento de linhas de crédito para Aquicultura e Pesca no Palácio do Planalto.

Bolsonaro está pressionado por chegar ao ano de sua reeleição ainda em cenário de pandemia, com rejeição alta e economia patinando.

Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro mostra que, num cenário de primeiro turno, o ex-presidente tem 48% de intenção de votos no 1º turno, seguido de Bolsonaro (22%), Sergio Moro (9%) e Ciro Gomes (7%).

O presidente disse não ter provas, mas voltou a falar que o ex-presidente está oferecendo ministérios em troca de apoios. "Não tenho provas, mas vou falar. Como é que aquele cidadão está conseguindo apoios, apesar de uma vida pregressa imunda? Já loteando ministérios."

Em entrevista recente, Bolsonaro disse que o comando da Caixa Econômica estaria em negociação pelo adversário e líder nas pesquisas.

Ainda que demonstre incômodo com suposto loteamento de ministérios, o presidente teve de abrigar aliados na Esplanada no último ano para contornar crise política.

Com mais de cem pedidos de impeachment no Congresso, o presidente se aliou a partidos do centrão que outrora foram seu principal alvo: PL, PP e Republicanos.

No final do ano passado, escolheu para concorrer à reeleição o partido de Valdemar Costa Neto, ex-aliado de Lula, condenado e preso no mensalão.

"A maioria de vocês que trabalham comigo poderiam estar muito bem aí fora, mas estão aqui dando sua cota de sacrifício, ajudando esse Brasil aqui realmente vencer a crise que se encontra no momento e fazendo com que não volte para a mão de bandidos, canalhas, que ocupavam esse espaço aqui para assaltar o país, por um projeto de poder, cujo ato final seria roubar nossa liberdade", disse ainda o presidente.

Mais cedo, em entrevista ao site Gazeta do Brasil, Bolsonaro acusou os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de ameaçar e cassar "liberdade democráticas" com o objetivo, segundo Bolsonaro, de beneficiar a candidatura de Lula.

"Quem esses dois pensam que são? Que vão tomar medidas drásticas dessa forma, ameaçando, cassando liberdades democráticas nossas, a liberdade de expressão porque eles não querem assim, porque eles têm um candidato. Os dois, sabemos, são defensores do Lula, querem o Lula presidente", declarou.

As falas do presidente em ataque ao seu adversário também ocorrem no momento em que o ex-presidente apareceu na sua frente, termos de popularidade digital, ao final de 2021, segundo o IPD (Índice de Popularidade Digital), medido pela consultoria Quaest.


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Entretanto, na maior parte do ano passado, Bolsonaro liderou o índice de redes sociais, principal arena de embate político do presidente.

Nos primeiros dias de 2022, ele perdeu pontos nas redes com as folgas em Santa Catarina, mas recuperou posições a partir da internação hospitalar em São Paulo.

Durante o evento do Palácio do Planalto nesta quarta-feira, Bolsonaro também negou ter brigado com o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, e disse apenas ter questionado o almirante sobre "um assunto".

"Não briguei com o presidente da Anvisa, questionei sobre um assunto que era, que tinha que ser questionado, só eu e ele, mais ninguém. De repente, está na imprensa essa questão", disse.

"Como eu tenho tido conversas as vezes ríspidas com os ministros e fica entre nós dois num campo, onde tem liberdade também de colocar o seu ponto de vista, para nós buscarmos o melhor para o nosso Brasil", completou.

Bolsonaro não citou o questionamento, mas ele tem tido embate público com a agência por conta da vacinação infantil. Crítico à imunização (ele próprio diz não ter se vacinado), Bolsonaro já chegou a dizer que divulgaria os nomes dos técnicos que aprovaram a medida.

As ameaças aos técnicos e diretores da Anvisa foram tantas, que a Polícia Federal passou a investigá-las.

Mais recentemente, o presidente sugeriu ainda que a agência teria interesses escusos na aprovação do imunizante da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos.

"E você vai vacinar teu filho contra algo que o jovem por si só uma vez pegando o vírus, a possibilidade de ele morrer é quase zero? O que que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida? É pela saúde? Se fosse, estariam preocupados com outras doenças no Brasil e não estão", disse no último dia 6.

A declaração do presidente levou a uma reação do presidente da Anvisa, que divulgou uma carta, em tom de desabafo, rebatendo as insinuações. Ele cobrou de Bolsonaro a determinação de investigação, caso tenha informações a esse respeito, ou retratação.

"Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, senhor presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa. Aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar", escreveu o diretor-presidente da agência.

Depois de dois dias em silêncio, Bolsonaro disse, na segunda-feira (10) ter sido pego de surpresa com o que chamou de "carta agressiva". Ele ainda disse que, se tivesse convivido com o almirante, talvez não o tivesse indicado o para o cargo.

"Me surpreendi com a carta dele, carta agressiva, não tinha motivo para aquilo. Eu falei: 'o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?' Ninguém acusou ninguém de corrupto. Por enquanto, não tenho o que fazer no tocante a isso aí", comentou o presidente em entrevista à TV Jovem Pan.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/bolsonaro-diz-que-lula-na-presidencia-e-reconducao-do-criminoso-a-cena-do-crime.shtml


Presidenciáveis começam a apresentar planos para a economia

Gustavo Schmitt e Bianca Gomes / O Globo

SÃO PAULO — Enquanto o desemprego atinge cerca de 13 milhões de pessoas, a fome volta a assolar o país e a inflação registra a maior alta desde 2015, os principais pré-candidatos à Presidência adiantam a discussão sobre seus planos econômicos e já começam a dar publicidade a propostas que serão delineadas durante a campanha.

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Tema crucial nas disputas pelo Palácio do Planalto, a economia tende a ganhar ainda mais importância no pleito deste ano, justamente em função do impacto que a deterioração no cenário tem sobre a “vida real” do eleitorado — 65% avaliam que o quadro piorou nos últimos meses, segundo pesquisa Datafolha de dezembro.

Em meio a críticas à gestão das contas públicas no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), as equipes econômicas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Sergio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) formulam mudanças em regras trabalhistas, cobrança de impostos e precificação da gasolina, além de elaborar lista de privatizações e alterações em medidas fiscais. A antecipação da apresentação de projetos, inclusive, tem potencial de movimentar a formação de alianças — o ex-governador Geraldo Alckmin, cotado para a chapa de Lula, demonstrou interesse em esquadrinhar parte dos planos do PT antes de consolidar a decisão.

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— Lula e Ciro defendem que o Estado é necessário para fomentar o crescimento econômico. Por isso, tratam de temas como investimento público e acesso da população ao consumo. Já Doria e Moro convergem em uma agenda que preza pela liberdade econômica e Estado enxuto, a partir da defesa de pautas como privatizações e reformas. Bolsonaro tem um projeto econômico menos claro. Defensor de uma agenda liberal em 2018, ele chega às eleições distante das reformas e com a flexibilização do teto de gastos — resume a economista Vivian Almeida, do Ibmec-RJ.

Instaurado em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), para tentar garantir o equilíbrio das contas públicas, o teto de gastos limita o crescimento das despesas do governo à inflação e já é um dos principais pontos de discordância entre os pré-candidatos.

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Bolsonaro furou o teto ao patrocinar a PEC dos Precatórios para turbinar o programa de transferência de renda Auxílio Brasil. No PT, o ex-ministro Nelson Barbosa defende trocar o mecanismo por uma nova âncora fiscal, que limite o gasto do governo em cada início de mandato e que seja atrelado ao Produto Interno Bruto (PIB). Ao lado de economistas da Unicamp e dos ex-ministros Aloizio Mercadante e Guido Mantega, Barbosa integra o grupo de conselheiros de Lula.

A proposta dele é semelhante à de Mauro Benevides, um dos assessores econômicos de Ciro, também aconselhado por Nelson Marconi. Além de limitar o crescimento das despesas, Benevides sugere que, para aumentar os investimentos públicos, esses gastos seriam corrigidos com base na expansão real da arrecadação federal. O economista Affonso Celso Pastore, que assessora Moro, defende a substituição do teto de gastos por um novo arcabouço fiscal que obrigue obediência às limitações orçamentárias, mas sem detalhar como seria. Ex-secretário da Receita de Bolsonaro, Marcos Cintra é outro economista que ajuda o ex-juiz.

Com cerca de 13 milhões de desempregados no país, principais pré-candidatos à Presidência adiantam a discussão sobre seus planos econômicos e já começam a dar publicidade a propostas que serão delineadas durante a campanha. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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Já Doria se contrapõe de forma mais enfática à mudança. O porta-voz de seu programa econômico é o secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, um dos formuladores das reformas de Temer. Em documento divulgado anteontem, o tucano propõe rever emendas parlamentares, eliminar sobreposições entre FGTS e seguro-desemprego e auditar benefícios previdenciários para manter o teto até 2026, quando é prevista uma revisão por lei. O texto, com linhas gerais para a economia, é assinado por Meirelles, Ana Carla Abrão, Zeina Latif e Vanessa Rahal Canado.

Ainda que sejam adversários políticos, Doria e Bolsonaro concordam em outro ponto que tem movimentado as campanhas: a reforma trabalhista. Embora defenda o texto atual, também aprovado por Temer, Doria sugere que é necessário criar medidas de proteção de empregados de aplicativos — a categoria ganhou ainda a atenção de Lula, que defende mais direitos ao grupo, e de Bolsonaro, que sancionou um projeto com medidas de socorro na pandemia.

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Na semana passada, políticos de centro e setores do mercado criticaram a proposta do PT de revogar a reforma. Nos últimos dias, interlocutores do partido têm falado em revisar apenas trechos do texto, propondo o fim dos contratos de trabalho intermitentes e a volta da contribuição sindical obrigatória.

Moro atacou a proposta e disse que o PT quer “tirar do salário do trabalhador para repassar aos sindicatos amigos”. A equipe de Ciro defende a revogação da reforma trabalhista.

A discussão sobre privatização também já diferencia os pré-candidatos. O ministro Paulo Guedes, que, embora ainda não tenha confirmado que atuará na campanha, é o responsável pela economia do governo, não conseguiu entregar uma agenda de privatizações tão extensa quanto a prometida na campanha. Além de leilões de rodovias e aeroportos, o governo espera vender a Eletrobras no primeiro trimestre.

“Pragmatismo do voto”

Doria e Moro são favoráveis à privatização de estatais — o tucano é mais incisivo sobre a Petrobras, enquanto o ex-ministro defende que sejam feitos estudos. O governador ainda inclui nesse rol o Banco do Brasil, agenda oposta à do PT, por exemplo. Na semana passada, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, comemorou a notícia sobre a revogação da privatização de empresas de energia da Argentina. Já Ciro acredita que apenas estatais deficitárias e não estratégicas devem ser vendidas. Seus economistas citam 86 companhias, como a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada para desenhar o trem-bala entre São Paulo e Rio em 2012.

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— O cidadão comum sente a inflação nas compras mensais do supermercado, no posto de gasolina, nas contas de luz e de gás. Fora o aumento expressivo do desemprego — diz a cientista política Gabriela Lotta, professora da FGV-SP. — Essas preocupações pesam muito no pragmatismo do voto. Muito mais do que as pautas econômicas que não têm materialidade direta em sua vida, como teto do gastos ou autonomia do Banco Central.

Debate Econômico

Pré-candidatos já começam a mostrar caminhos que seus programas econômicos devem seguir ao longo da campanha presidencial.

O ex-presidente Lula (PT) Foto: Editoria de Arte
O ex-presidente Lula (PT) Foto: Editoria de Arte

Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Economistas
Participam dos debates o PT os ex-ministros Guido Mantega, Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante, além do ex-presidente do Ipea Marcio Pochmann e de economistas ligados a Unicamp, como Guilherme Mello e Pedro Rossi.

Propostas
O partido discute revogar ou revisar a reforma trabalhista e o teto de gastos; é contra privatização de empresas estatais; defende o fim da paridade de preços do petróleo com o mercado internacional e propõe aumentar o imposto para o grupo 1% mais rico.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) Foto: Editoria de Arte
O presidente Jair Bolsonaro (PL) Foto: Editoria de Arte

Jair Bolsonaro (PL)

Economista
Paulo Guedes é o ministro da Economia e continua sendo a principal voz na área.

Propostas
Aprovou a PEC dos Precatórios, que permite furar o teto de gastos; não conseguiu entregar todas as privatizações prometidas, mas ainda aposta na venda da Eletrobras; prevê gastos públicos para viabilizar o Auxílio Brasil em ano eleitoral.

O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) Foto: Editoria de Arte
O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) Foto: Editoria de Arte

Sérgio Moro (Podemos)

Economista
É aconselhado por Affonso Celso Pastore, presidente do Banco Central de 1983 a 1985. Marcos Cintra, ex-secretário da Receita de Bolsonaro, também integra a equipe.

Propostas
Ainda estuda um novo modelo para o teto de gastos e para a proposta de privatizar a Petrobras; defende menor participação do estado em investimento em infraestrutura que deve ser liderado pelo setor privado, e maior presença nas áreas como saúde e educação; fala em agenda de reformas como a tributária

O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) Foto: Editoria de Arte
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) Foto: Editoria de Arte

Ciro Gomes (PDT)

Economista
Professor da FGV, Nelson Marconi, que coordenou o programa econômico em 2018, continua sendo ouvido, ao lado do deputado licenciado Mauro Benevides (PDT-CE).PUBLICIDADE

Propostas
Defende tirar investimentos públicos do teto de gastos; reduzir nos subsídios tributários e a taxar dividendos; mudar a política de preços da Petrobras, tirando a paridade internacional; é a favor da privatização das estatais deficitárias e não-estratégicas.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) Foto: Editoria de Arte
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) Foto: Editoria de Arte

João Doria (PSDB)

Economista
O secretário estadual da Fazenda, Henrique Meirelles, é o porta-voz do comitê econômico, formado também pelas economistas Ana Carla Abrão, Zeina Latif e Vanessa Rahal Canado.

Propostas
Defende o teto de gastos e a manutenção da reforma trabalhista, abrindo caminho para discutir regras para trabalhadores de aplicativos; é a favor da privatização de estatais, como a Petrobras, e de um banco público, caso do Banco do Brasil.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/presidenciaveis-comecam-apresentar-planos-para-economia-conheca-as-principais-propostas-1-25351840


Míriam Leitão: Sem medo de Lula na economia

Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias) / O Globo

Um ex-ministro liberal com passagem por várias administrações federais é taxativo: não há motivo para receios sobre a condução da economia em um eventual governo Lula. A visão é de que o ex-presidente tem uma compreensão prática sobre o tema e aprendeu que o maior prejudicado pelas crises fiscais é o próprio trabalhador, na ponta. “Lula sabe mais de economia do que muitos economistas. Se há descontrole fiscal, o dólar sobe, a inflação sobe, e o trabalhador perde. Isso é muito claro na cabeça dele”, afirmou o economista, que participou direta ou indiretamente de todos os governos do país nos últimos 15 anos, até a transição para Bolsonaro.

Ontem, pesquisa eleitoral da Genial/Quaest mostrou novamente Lula isolado na frente, vencendo em todos os cenários. No mercado financeiro, há uma busca por interlocutores que consigam decifrar o mistério da agenda econômica do candidato petista, que até agora deu poucos sinais dos caminhos que pretende seguir. Esse economista acredita que, se por um lado a pauta de privatizações deve sofrer um baque, por outro, o país ganhará com a estabilidade institucional, com reflexo sobre o dólar e os investimentos.

— O mercado já está vendo que é muito melhor ter um presidente que gaste um pouco mais com o social, mas sem perder o controle da política fiscal, do que um presidente que pode criar uma crise de grandes proporções a qualquer momento. O gasto a mais pode ter previsibilidade, a instabilidade institucional é um risco incalculável — afirmou.

Ainda assim, ele explica que há uma mudança de gerações dentro do PT que deixou o partido mais radicalizado. Por isso, acredita que caberá ao próprio Lula ter o controle da agenda política e econômica, para buscar as alianças e composições que viabilizem o seu governo. Esse economista, que participou dos governos Lula, Dilma e Temer, entende que o BNDES teria o papel reforçado nos investimentos, mas sem voltar à política dos campeões nacionais.

— Não vejo os campeões nacionais voltando. Houve um grande aprendizado sobre isso no PT. E também há um ressentimento muito grande dentro do partido sobre a participação dos grandes grupos no processo de impeachment. O foco seriam as pequenas empresas — disse.

Entre os possíveis nomes para o Ministério da Economia, a aposta é no ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, mesmo que hoje ele esteja ao lado do governador João Dória. Além dele, Lula teria proximidade com o ex-diretor-executivo do Banco Mundial Otaviano Canuto. Ainda que seja um outro nome, a convicção dessa fonte é de que nada parecido com o descontrole fiscal do primeiro mandato de Dilma aconteceria em um terceiro governo Lula.

Contas em atraso

Pesquisa da CNI com o Instituto FSB mostrou que quase a metade dos brasileiros que contraíram dívidas em 2021 estão inadimplentes. Em 12 meses até novembro, 44% dos endividados tinham parcela em atraso, contra 46% que estavam em dia (veja o gráfico). Os outros 10% que contraíram dívidas já haviam quitado o financiamento. A inadimplência é maior entre jovens de 16 a 24 anos (58%) e pessoas com renda de até um salário mínimo (56%). A pesquisa ouviu 2.016 pessoas em todos os estados.

Dilema na conta de luz

Com o aumento do nível de água dos reservatórios, começou a pressão para a redução da bandeira tarifária, hoje sob regime de escassez hídrica. O Conacen enviou ofício à Aneel pedindo a redução imediata da bandeira. A medida também agrada ao presidente Bolsonaro, que está carente de boas notícias na economia. O problema é que a bandeira extra está cobrindo o déficit das distribuidoras, que será pago pelos consumidores. Se houver a redução, o empréstimo autorizado por Bolsonaro para cobrir o rombo será maior e pago com acréscimo de juros. O alívio agora custará mais caro depois.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/sem-medo-de-lula-na-economia.html


Ômicron não é bem-vinda, diz OMS após fala de Bolsonaro

DW Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) refutou declarações do presidente Jair Bolsonaro que minimizaram os impactos da nova variante ômicron do coronavírus e sugeriram que ela seria "bem-vinda".

"Não é hora de declarar que esse é um vírus bem-vindo. Nenhum vírus que mata pessoas é bem-vindo. Especialmente quando essa mortalidade e esse sofrimento são evitáveis com o uso apropriado da vacinação", declarou o diretor-executivo do programa de emergências em saúde da OMS, Michael Ryan.

Ao ser questionado nesta quarta-feira (12/01) sobre as declarações do presidente brasileiro, feitas no mesmo dia, Ryan afirmou que embora a ômicron possa ser "menos grave como uma infecção viral num indivíduo, isso não significa que se trata de uma doença leve".

Há muitas pessoas mundo afora em hospitais, em UTIs, com dificuldade de respirar, o que "obviamente deixa muito claro que esta não é uma doença leve", acrescentou ele, em coletiva de imprensa em Genebra.

"É uma doença que pode ser prevenida por vacinas, é uma doença que pode ser evitada ao se adotar fortes precauções pessoais para evitar a infecção e ser vacinado", reforçou.

Bolsonaro fala em "vírus vacinal"

Bolsonaro fez as declarações sobre a variante do coronavírus numa entrevista dada ao site Gazeta Brasil. "A ômicron, que já espalhou pelo mundo todo, como as próprias pessoas que entendem de verdade dizem: que ela tem uma capacidade de difundir muito grande, mas de letalidade muito pequena. Dizem até que seria um vírus vacinal”, disse o presidente.

"Segundo algumas pessoas estudiosas e sérias, e não vinculadas a farmacêuticas, dizem que a ômicron é bem-vinda e pode sim sinalizar o fim da pandemia", acrescentou

Bolsonaro afirmou ainda que a variante não tem causado mortes e que o óbito de um homem em Goiás relacionado à ômicron, o primeiro em decorrência da variante confirmado no Brasil, seria de uma pessoa que já apresentava "problemas seríssimos". A vítima tinha 68 anos e sofria de doença pulmonar crônica e hipertensão arterial.

Dados indicam que a ômicron, reportada pela primeira vez à OMS no fim de novembro e altamente transmissível, já é a variante do coronavírus dominante no mundo e no Brasil. Segundo números divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) nesta quarta, o país registrou mais de 87 mil novas infecções pelo coronavírus em 24 horas, mais do que o triplo das 27 mil computadas uma semana antes.

Na entrevista concedida ao Gazeta Brasil, Bolsonaro também voltou a questionar a eficácia das vacinas contra a covid-19, afirmando que pediu que o Ministério da Saúde divulgue casos de efeitos colaterais.

Bolsonaro vem minimizando a gravidade da covid-19, a qual chamou de "gripezinha", desde o início da pandemia. Ele também promoveu medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença e fez repetidos ataques aos imunizantes.

CPI da Pandemia revelou que o governo federal ignorou uma série de e-mails da farmacêutica Pfizer com ofertas de sua vacina e acusou o presidente de uma série de crimes no âmbito da emergência sanitária.

Alertas da OMS

A OMS já fez uma série de alertas sobre os possíveis impactos da variante ômicron, apontando que ela pode sobrecarregar sistemas de saúde mundo afora.

Em seu relatório epidemiológico semanal divulgado nesta terça-feira, a organização destaca haver cada vez mais evidências de que a variante ômicron é capaz de "escapar à imunidade", pois há transmissão mesmo entre os vacinados e pessoas que já tiveram a doença.

Embora haja "evidências crescentes" de que a ômicron é menos grave do que variantes anteriores do coronavírus, a organização destacou que os riscos à saúde apresentados pela ômicron continuam sendo muito altos, pois ela pode levar a um aumento de hospitalizações e mortes em populações vulneráveis.

A OMS alertou que mais da metade da população da Europa poderá ter contraído a variante nos próximos dois meses se os números de infecções continuarem nas taxas atuais.  

Também o imunologista Anthony Fauci, o principal assessor do governo dos EUA em relação à pandemia, prevê que, mais cedo ou mais tarde, a ômicron, "com seu grau de eficiência de transmissibilidade sem precedentes", infecte quase todas as pessoas.

Ele destacou, no entanto, que a doença será "menos grave" graças às vacinas e às doses de reforço. "Praticamente todos vão acabar expostos e, provavelmente, serão infectados, mas se forem vacinados e receberem os reforços, as chances de ficarem doentes são muito, muito baixas", disse.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/%C3%B4micron-n%C3%A3o-%C3%A9-bem-vinda-diz-oms-ap%C3%B3s-fala-de-bolsonaro/a-60408111


Cerrado perdeu 8,5 mil km² de vegetação, maior desmatamento desde 2016

Manoela Alcântara / Metrópoles

Cerrado brasileiro perdeu 8.531,44 km² de vegetação nativa entre agosto de 2020 e julho do ano passado. Dados do Prodes Cerrado, divulgados no último dia de 2021, mostram que esta é a maior área devastada desde 2016.

O crescimento em relação ao período anterior, registrado em 2020, foi de 7,9%, o que consolida o aumento da destruição do segundo maior bioma brasileiro. Os estados com maior quilometragem de devastação foram: Maranhão (2.281,72 km²), Tocantins (1.710,55 km²), Bahia (925,11 km²) e Goiás (920,45 km²).

Na quarta posição, está o Piauí, estado que também faz parte da região chamada de Matopiba – áreas majoritariamente de Cerrado, que constituem a mais recente fronteira agrícola do país. De acordo com a pesquisa, os dados evidenciam a relação entre o avanço da produção de commodities e a destruição ambiental.

Soja
O Cerrado se estende por 2 milhões km² na área que abrange Brasil, Paraguai e Bolívia. Por ser um platô com solos profundos, o bioma alimenta oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, e irriga 40% do território nacional.

De acordo com o monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a destruição ambiental no bioma, aliada ao desmatamento da Amazônia, reduz a vazão de águas para as bacias hidrográficas. O Cerrado responde por mais de 90% da vazão da Bacia do São Francisco e por quase 50% de toda a vazão da bacia do Rio Paraná, que abastece a hidrelétrica de Itaipu.


Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
Caatinga brasileira
Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
arara_caninde_2506219981
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Caatinga
Logo guará, animal típico do Cerrado
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Técnico do Ibama realiza fiscalização em área do Cerrado brasileiro - fotos públicas
Programa Quelônios da Amazônia (PQA), inserido no Cerrado, mantém sobrevivência artaruga-da-amazônia e o tracajá - fotos públicas
ncêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
Maracujá plantado no Cerrado - Foto Tony Winston - Agência Brasilia
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Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil 1
Cerrado desmatado Foto Marcelo Camargo Ag Brasil
Desmatamento no Cerrado brasileiro fotos públicas
Desmatamento no Cerrado em Goiás Foto Marcelo Camargo Agência Brasil
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil) 1
Incêndio destrói cerrado na região do Lago Oeste, no Distrito Federal (Fabio Rodrigues Pozzebom Agência Brasil)
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Aproximadamente 50% da produção brasileira de soja está concentrada no bioma. São mais de 18 milhões de hectares ocupados com uma única espécie nessa savana.

Segundo dados do MapBiomas, a área de agricultura no Cerrado cresceu 460% nos últimos 36 anos e já ocupa 23 milhões de hectares — extensão maior que o estado do Paraná. As terras que um dia foram cobertas por campos nativos concentram, aproximadamente, metade da produção nacional de soja e cana, além da maior parte da manufatura de algodão.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/cerrado-perdeu-85-mil-km%c2%b2-de-vegetacao-maior-desmatamento-desde-2016


Luiz Sérgio Henriques: Por uma cultura democrática

O conjunto de artigos e ensaios aqui proposto (AGGIO. Alberto, Uma nova cultura política, FAP: 2008), mesmo tendo nascido em ocasiões diferentes e sob estímulos igualmente variados, guarda em si uma coerência e uma obstinação fascinantes: a ideia de que, a partir de sólidas convicções de esquerda, que por isso mesmo dispensam maiores preocupações com a ortodoxia e não receiam “contaminações” com outras tradições políticas e teóricas, é possível dar uma contribuição positiva para a construção, entre nós, de uma cultura cívica democrática.

Vivemos um tempo particularmente opaco, em que a construção ou a reconstrução dos conceitos só pode ser feita através do velho, e modesto, método de tentativa e erro. Sabe-se, com toda a evidência, que há placas tectônicas em movimento, com a construção acelerada de uma economia-mundo e a emergência tumultuosa de um “comunismo dos capitalistas”, os quais, mesmo sendo realidades poderosas, não cancelam tradicionais rivalidades entre Estados-nação e inteiras regiões. Sabe-se, ainda, que estão em crise, provavelmente terminal, as ideologias que acompanharam, há apenas quinze ou vinte anos, este processo mais recente de mundialização e globalização. Refiro-me, por exemplo, às concepções do “fim da história”, do predomínio absoluto dos mercados e de uma versão bastante débil de democracia, no mais das vezes reduzida a alguns procedimentos formais e empacotada for export em ponta de baioneta.

Dado o tamanho do desafio, o autor deste livro convida-nos a nos desfazermos do heroísmo que assinala a identidade da velha intelligentsia, como primeiro passo para conectar democracia e esquerda e assim enfrentar, minimizando os riscos de regressão civilizatória, o que se pode chamar, sem nenhum medo de exagero, de abalos sísmicos que por certo se aproximam. Convida-nos também a nos perguntarmos seriamente se a utopia democrática – por definição pluralista e fundada na liberdade de cada um e de todos – não seria uma resposta adequada ao perigoso abismo que se abre com a crise das ideologias acima mencionada, além de ser, com toda a certeza, o ingrediente absolutamente necessário para afastar os riscos do “organicismo” que povoou a imaginação – e a prática – de socialistas e comunistas no século passado.

E, ao fazer este movimento, o autor não abre mão de um ponto de vista crítico sobre o mundo, o qual continua a ser visto tal como efetivamente é, a saber, um mundo atravessado “por terríveis injustiças e por uma influência desmedida dos interesses privados das classes socialmente dominantes em relação às esferas públicas de decisão”. O autor não abre mão, em suma, de uma visão penetrante sobre as novas e velhas desigualdades que se sobrepuseram e entrelaçaram nestes anos mais recentes, e de modo desafiadoramente intrincado.

A democracia não é apenas um conjunto – sem dúvida, necessário e irrecusável – de regras e procedimentos; é também um ideal de sociedade e de convivência, um modo de se relacionar com o ambiente e seus limites – em outras palavras, um valor universal. Ao considerá-la com todo o rigor possível, homens e mulheres de esquerda não “cedem” nem “capitulam”, e muito menos adotam uma posição defensiva, destituída de potencialidade (auto)transformadora.

Muito pelo contrário. Em países democráticos – como, evidentemente, é o caso do Brasil –, a necessária ação transformadora não pode se esquivar dos correspondentes princípios de legitimação nem pode se inspirar num subversivismo elementar, incapaz de dirigir o conjunto da sociedade e de dar respostas progressivamente consensuais aos problemas de todos. Em países desse tipo, onde não mais se luta abertamente contra a tirania, ensina-nos o autor que “a soberania já não pode ser amputada”, assim como, por outro lado, “não pode mais ser ampliada apenas do ponto de vista normativo”. E a conclusão a que chega é da maior importância: “A sua transformação ou radicalização pode resultar, inclusive, na emergência de um novo tipo histórico de democracia que contemple a possibilidade de superação das desigualdades sociais e a expansão do arco das liberdades, aprofundando o percurso da individualização aberta com o mundo da modernidade”. Uma conclusão parecida com recente afirmação de Habermas, para quem o apego sem ambigüidades aos valores do Estado de Direito é a condição ineliminável de um reformismo forte, que nos leva muito além do status quo.

Na verdade, o que este livro revela é o percurso singular do pensamento de um autor de esquerda fundamentalmente aberto a novas alianças intelectuais e políticas, como quando recupera o conceito, originalmente liberal-democrata, de cultura cívica e o testa em novas circunstâncias; um autor também aberto a dolorosos exames autocríticos, como quando analisa, sob vários ângulos, a experiência do Chile de Allende – este estadista luminoso – e  a paradoxal incapacidade manifestada pela sua Unidade Popular de decifrar o enigma que se propusera, o de avançar para o socialismo num regime de liberdades; ou, ainda, como quando analisa o processo mais recente da transição brasileira, cujos atores principais, a começar pelo PT, nem sempre, ou quase nunca, souberam fazer avançar ao mesmo tempo a democracia política e a democratização social e muitas vezes cederam à tentação de pôr um contra o outro estes dois termos incindíveis de todo programa moderno de mudança social.

Em relação à reflexão aqui empreendida, ocorre-me agora um paralelo talvez impressionista e um tanto arriscado. Certa feita, o poeta Drummond descreveu, com a beleza característica, sua particularíssima “procura da poesia” e a luta corporal com as palavras e os poemas ainda não escritos. Garante o poeta que cada palavra e cada poema, ainda em estado de dicionário, lhe perguntavam de modo terrível e até mesmo cortante: “Trouxeste a chave?”. Sem esta “chave do poema”, as palavras rolariam num rio difícil e, desamparadas de melodia e conceito, se transformariam em desprezo. Assim também, imagino, deve acontecer com a tentativa de apreender intelectualmente as coisas que se movem por trás das aparências. É certo que o autor deste livro não tem as respostas todas e é mais certo ainda que jamais teve a pretensão de dá-las de modo perfeito e acabado. No entanto, ao empunhar com firmeza a “questão democrática” nesta sua estimulante investigação, podemos licitamente supor que trouxe consigo a drummondiana chave.

(Publicado originalmente como Prefácio a Uma nova cultura política, de Alberto Aggio, editada pela Fundação Astrojildo Pereira, em 2008).

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/por-uma-cultura-politica-democratica/


Maria Hermínia Tavares: Motivos de otimismo no Brasil de Bolsonaro

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Por onde quer que se olhe, o dano causado pelo governo Bolsonaro é incalculável: na educação, na cultura, no meio ambiente, na ciência, na saúde, na gestão da economia.

Sem rumo nem compromisso com o país, o presidente é responsável pela destruição de capacidades estatais indispensáveis a qualquer gestão passavelmente funcional. Sem falar na inédita degradação da vida pública, na consagração da grosseria, do palavrão e da truculência como instrumento político.
Depois da enésima manifestação de indiferença à dor alheia, seja ela causada pela pandemia, seja pelas enchentes, mais um ano de mandato parece a proverbial eternidade.

Ainda assim, há motivos para cauteloso otimismo. Até aqui, bem feitas as contas, as instituições e as práticas da democracia se impuseram à gana autoritária do ex-capitão. O consociativo sistema democrático brasileiro, como o denominam os cientistas políticos, tem no seu DNA vigorosos freios e contrapesos aos recursos de poder do Executivo federal.

Postos à prova, têm se mostrado aptos a exercê-los: o Congresso tirou o fôlego das pretensões mais ameaçadoras do Planalto; o Supremo Tribunal Federal bloqueou outras; na Federação revigorada, governadores e prefeitos exerceram sua autonomia para cuidar das vítimas da pandemia e assegurar a vacinação dos cidadãos ainda sadios, a despeito da sabotagem empreendida pelo Ministério da Saúde, sob o comando do presidente.

Além disso, o obscurantismo que tomou de assalto diferentes órgãos federais não impediu que parcelas da sociedade organizada, em iniciativas sem precedentes, lançassem potentes feixes de luz sobre questões que distinguem a civilização da barbárie, como o combate ao racismo e a proteção do meio ambiente.

Em ambos os casos, a discussão transbordou dos nichos tradicionais dos movimentos negros e do ambientalismo militante para se transformar em causas vigorosamente abraçadas por empresas, pela mídia e por significativos contingentes da opinião pública. Nunca o racismo tinha sido exposto em toda a sua crueza, assim como as diversas formas de degradação ambiental.

Tem razão o professor Carlos Pereira (FGV-RJ) ao ressaltar dias atrás, no jornal O Estado de S. Paulo, que o aprendizado da sociedade e das instituições políticas —por experiência própria ou importada— é crucial para a capacidade de resistência aos intentos autoritários e à imposição de visões reacionárias de mundo.

Foram três anos de áspero aprendizado. O Brasil do retrógrado autoritarismo que Bolsonaro encarna é real e ameaçador, mas também minoritário. A democracia tem tudo para virar essa página.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/01/motivos-de-otimismo-no-brasil-de-bolsonaro.shtml


William Waack: Melhor um dentista

William Waack / O Estado de S. Paulo

É grande a preocupação com as escolhas que os candidatos em 2022 fazem de seus economistas. É uma ciência social capaz de alterar a realidade que ela estuda, mas essa escolha de nomes diz pouco como será o governo.

Dois erros são recorrentes quando se tenta “avaliar” o candidato a partir da escolha de seus economistas. O primeiro é esperar que políticos sigam os conselhos “técnicos” dos economistas. O segundo é acreditar que a ciência econômica tenha respostas para os problemas que cabe à política resolver.

Políticos tratam de fazer o eleitorado acreditar que é possível ter um bolo e comê-lo ao mesmo tempo. Tal como a política, porém, a economia é uma atividade de persuasão, e qualquer plano econômico precisa de legitimidade política – daí o fato generalizado de economistas se alinharem a políticos, e não o contrário (Paulo Guedes é apenas o mais recente exemplo disso).

Na relação entre economia e política, sempre submetida ao mais curto prazo eleitoral, economistas tendem a pronunciar baixinho as verdades inconvenientes e bem alto as certezas das quais não estão tão seguros assim. Avançou muito o conhecimento empírico em economia, mas continua fluida a fronteira entre “consenso profissional” e a simples conjectura, influenciada por crenças políticas.

Economistas adoram dizer que tudo seria diferente se os políticos fizessem as reformas necessárias. Para os políticos, se a reforma não é politicamente viável, então a análise econômica está equivocada. Fora o fato de que no Brasil conselhos bem fundamentados vindos da academia ou de consultorias perdem fácil para o poder de pressão de lobbies e a articulação corporativista.

A escolha dos economistas diz pouco sobre o que vai ser o próximo governo sobretudo por conta de uma questão abrangente, impossível de ser tratada com profundidade na gritaria de rede social. É o fato de que não há uma resposta certa para qual o limite de atuação entre mercado e Estado, pois isso depende de mudanças econômicas, tecnológicas e políticas que se alteram no tempo (basta considerar o papel da intervenção governamental por conta da pandemia).

Vivemos num mundo sem fórmula clara sobre como moldar decisões políticas sobre economia, em meio a enorme mistura de ideias – tanto estatistas quanto liberais – combinadas ao descontentamento e perda de confiança em instituições e sistemas políticos.

Vai depender mesmo é do político e da política. O sempre citado Keynes recomendava escolher economistas como se escolhe um dentista: alguém humilde e competente, que conserte erros e se dedique a mudanças modestas na vida das pessoas.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,melhor-um-dentista,70003949141


Organização internacional alerta para o risco das eleições no Brasil

Jorge Vasconcellos / Correio Braziliense

A organização internacional Human Rights Watch (HRW) lança, nesta quinta-feira (13/1), o Relatório Mundial de Direitos Humanos 2022, que resume a situação em mais de 100 países e destaca as ameaças às eleições de outubro no Brasil. No documento, a entidade faz um apelo para que "as instituições democráticas protejam os direitos ao voto e a liberdade de expressão de qualquer tentativa de subversão do sistema eleitoral ou de enfraquecimento do Estado democrático de Direito e das liberdades fundamentais pelo presidente Jair Bolsonaro".

Com 752 páginas, o relatório, elaborado com base em dados coletados no ano passado, também expõe o impacto de políticas do governo brasileiro na resposta à pandemia da covid-19, no desmatamento e nos direitos dos povos indígenas, das mulheres e das pessoas com deficiência, entre outros.

Em um dos trechos, a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu, destaca as situações de risco vividas pela democracia brasileira em 2021. “O presidente Bolsonaro tentou enfraquecer os pilares da democracia, atacando o judiciário e repetindo alegações infundadas de fraude eleitoral”, diz a diretora. “Com a proximidade das eleições presidenciais de outubro, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral, o Ministério Público Federal, o Congresso e outras instituições democráticas devem permanecer vigilantes e resistir a qualquer tentativa do Presidente Bolsonaro de negar aos brasileiros o direito de eleger seus líderes”, prossegue Maria Laura.

Em outra parte do documento, a organização afirma que "as eleições presidenciais e parlamentares testarão a força da democracia brasileira diante das ameaças do presidente Bolsonaro, um fervoroso defensor da brutal ditadura militar brasileira (1964-1985)”.

O documento acrescenta: "Em setembro, assistimos sua mais recente tentativa de intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF) – que supervisiona investigações sobre sua conduta. Ele fez afirmações falsas que parecem destinadas a minar o respeito pelos resultados das eleições democráticas. O STF rejeitou energicamente 'ameaças à sua independência ou intimidações', enquanto o Tribunal Superior Eleitoral refutou as alegações infundadas do presidente sobre fraude eleitoral".


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Perseguições
O documento da HRW relata, também, que o governo Bolsonaro buscou investigações criminais contra pelo menos 17 críticos, inclusive usando a Lei de Segurança Nacional da ditadura militar. "Embora muitos dos casos tenham sido arquivados, essas ações passam a mensagem de que criticar o presidente pode resultar em perseguição", diz o relatório. Além disso, a organização de direitos humanos lembra que o Congresso revogou a Lei de Segurança Nacional, mas não os dispositivos do Código Penal que punem com detenção os crimes contra a honra "e podem, da mesma forma, ser usadas para sufocar a liberdade de expressão".

Bloqueio
A Human Rights Watch destaca ainda, no relatório, que Bolsonaro também tem bloqueado veículos de imprensa, organizações da sociedade civil e outros usuários das suas contas nas redes sociais, espaços que ele utiliza para compartilhar informações ou discutir assuntos de interesse público.

Em outro ponto, a organização internacional cobra da Procuradoria-Geral da República (PGR) que examine o relatório final da CPI da Covid “com muita seriedade” e ofereça “denúncias quando as evidências justificarem”. O relatório cita que a comissão “revelou que a resposta desastrosa do governo à pandemia colocou em risco a saúde e a vida dos brasileiros, inclusive ao desconsiderar medidas científicas para conter o vírus e promover medicamentos sem eficácia comprovada”. A HRW destaca ainda “o fracasso nos âmbitos federal e local para prevenir a escassez de oxigênio que provavelmente resultou em mortes em Manaus”.

Violência
A organização internacional lembra que, em 2020, o Brasil atingiu o maior número de mortes decorrentes de intervenção policial desde que o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Cerca de 80 por cento das vítimas eram negras. “No Rio de Janeiro, a polícia desrespeitou uma ordem do STF que proibiu operações policiais em comunidades durante a pandemia, exceto em casos “absolutamente excepcionais”, diz a HRW, que acusa Bolsonaro de encorajar a violência policial e de defender projeto de lei para dificultar a responsabilização dos agentes de segurança por abusos.

Em outro trecho, a diretora Maria Laura Canineu acusa Bolsonaro de promover a degradação ambiental e o desrespeito aos direitos da população indígena. “Em resposta à grande indignação nacional e internacional, o governo Bolsonaro se comprometeu a proteger a floresta, mas os dados oficiais mostram que essas promessas são vazias”, diz a diretora. “O presidente Bolsonaro precisa mostrar resultados concretos na redução do desmatamento e no combate à impunidade por crimes ambientais e atos de violência contra defensores da floresta.”

Procurada pela reportagem, a Secretaria Especial de Comunicação Social do Governo Federal não deu retorno.

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4977146-organizacao-internacional-alerta-para-o-risco-das-eleicoes-no-brasil.html


Candidatos devem conciliar flexibilidade com sustentabilidade fiscal

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

O contraponto criado entre os que defendem a manutenção ou o fim do teto de gastos expressa uma falsa e inadequada dicotomia que ameaça pautar o debate da sucessão presidencial de 2022. A discussão não pode ficar sobre escolhas entre preto ou branco.

A regra que cria um limite atrelado à inflação para o crescimento da despesa do governo teve um efeito positivo sobre as expectativas do mercado há cinco anos, quando foi adotado como fórmula de sinalizar um compromisso com o equilíbrio fiscal, mas desde então tem se demonstrado inexequível e ineficiente do ponto de vista de seus objetivos. Estimulando uma nova onda de contabilidade criativa como sucessivas reportagens deste jornal vêm mostrando.

Curiosamente, fenômeno semelhante ocorreu com o regime de metas de superávit primário. Quando introduzido, em 1999, o modelo era visto como fórmula adequada para garantir a sustentabilidade fiscal, mas o seu caráter pró-cíclico aos poucos foi revelando sua inadequação para a estabilização macroeconômica e contribuiu para a proliferação de mecanismos criativos de driblar a regra fiscal.

Há uma década, os defeitos desse regime fizeram o Fundo Monetário Internacional recomendar aos países regras fiscais mais flexíveis, como as metas de resultado estrutural ajustadas ao ciclo econômico, a exemplo do modelo europeu.

No Brasil, esse modelo passou a ser defendido por uma equipe de pesquisadores do Ipea e por alguns dirigentes de bancos privados, como o então economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn.

No artigo Novas metas fiscais para o Brasil, publicado no Estadão em abril de 2012, Ilan escreveu: “Em time que está ganhando não se mexe. Mas o que não se mexe não muda. Logo, não evolui”. Já são quase 10 anos! Essa alternativa de reforma do nosso regime fiscal não vingou, sofrendo oposição dos mesmos polos que hoje polemizam sobre o teto de gastos.

Na prática, esse antagonismo é – no passado, como agora – um empecilho para avanços na direção de um arcabouço mais moderno.

Nesse contexto, seria saudável que os candidatos a presidente em 2022 abandonassem as falsas dicotomias que têm pautado o debate público das últimas décadas e estabelecessem um acordo mínimo em torno da necessária reforma do nosso regime fiscal, conciliando flexibilidade com sustentabilidade fiscal.

Com a campanha eleitoral esquentando, a coluna vai passar a trazer neste espaço também temas de reflexão da agenda econômica nas eleições deste ano.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-eleicao-presidencial-2022-debate-economico-responsabilidade-fiscal,70003949040


Cristovam Buarque: Plano C

Cristovam Buarque / Correio Braziliense

No artigo “Plano B”, neste jornal, Luiz Carlos Azedo, contesta a ideia de que Bolsonaro está fragilizado: sem votos e sem apoio militar. Seu artigo provoca imaginar um “Plano C”, para eleger Bolsonaro, graças ao voto nulo por rejeição ao PT.

Impossível prever, mas tudo indica que nenhum dos candidatos da “terceira via” vai ter votos para chegar ao segundo turno, seja porque não se unem, devido às divergências, seja por nenhum deles ter votação maior que Lula ou Bolsonaro.

 O primeiro turno terá uma campanha tão radicalizada no mantra “nem Lula nem Bolsonaro”, que muitos dos atuais candidatos a presidente serão levados a votar em Bolsonaro: coerência com os discursos contra Lula, porque são mais antipetismo que antifascismo, ou porque suas bases estão mais próximas do ex-capitão do que do ex-operário.

Nas três semanas entre os dois turnos, milícias estarão nas ruas, as tropas prontas nos quartéis e as mídias sociais repercutindo a fala dos candidatos para ampliar a rejeição a Lula.

O quadro está posto para este novo plano: o preconceito contra Lula, sem observar qualidades de seu governo, e a arrogância do PT, sem perceber que é difícil se eleger sozinho e impossível governar sozinho, são as ferramentas básicas do “Plano C”.

Em 1985, o PT representava o nem nem -  nem Tancredo, nem Maluf; sair  ou continuar na ditadura foi tratado como problema do Brasil, não do PT. Em 2022, já se considerando no segundo turno, parece trabalhar para a eleição entre “petistas puros” contra “bolsonaristas puros”, sem considerar o “resto dos brasileiros”.

Até mesmo tentativas de Lula para ampliar apoio e passar credibilidade são bombardeadas, como no caso de ter Alckmin como vice. Os petistas não parecem entender que esta eleição não é para o PT ganhar, mas para o PT salvar o Brasil do abismo atual.

Apesar da rejeição, Lula parece ser a melhor alternativa, pela força popular e pela experiência reconhecida de seu governo, mas pode ser uma alternativa ameaçada pela rejeição. Por isso, PT e Lula têm a obrigação de agir para reduzir a rejeição. Não devem ignorar os votos do “resto dos brasileiros”, achando que votarão em Lula, porque o outro lado é pior. O próprio PT não fez isso em 1985, no Colégio Eleitoral, nem em 1989. Em 2018, o PT tinha um ótimo candidato e perdeu pela rejeição. Desta vez, não tem esse direito.

O PT deve lembrar que Lula foi condenado por juízes sob suspeição, mas não deve continuar no negacionismo diante da corrupção e do aparelhamento que ocorreram em seus governos - as malas de dinheiro e as contas na Suíça são tão verdadeiras quanto a redondeza da Terra. Dar garantias de que o Estado não será aparelhado, e indicar as medidas anticorrupção que tomarão para barrar corrupção. Sinalizar que o governo não será prisioneiro do partido, nem este dos sindicatos de categorias que representam privilégios distantes do povo. Deixar de considerar golpistas os milhões que foram às ruas pedir o impeachment de um governo petista, dentro da Constituição, como o PT fez no caso do Collor e tentou com FHC. Entender que o Brasil está ficando para trás por falta de reformas e não por causa delas, especialmente uma reforma nacional na educação de base, mas também nas relações trabalhistas e na máquina do Estado. Garantir que compromissos assumidos legalmente com respaldo do Congresso serão mantidos. 

Entender que responsabilidade fiscal é necessária para credibilidade na economia e para impedir a inflação que rouba, sobretudo dos pobres, para financiar privilégios e ineficiências. Deve denunciar os equívocos da política econômica de Bolsonaro, mas não deve negar os erros graves do negacionismo que a partir de 2008 tratou a crise como uma “marolinha”, a “gripezinha” da economia. E definir uma política econômica sem populismo com responsabilidade fiscal. Entre 2003 e 2008, o governo Lula mostrou que isso é possível, agora é necessário.

Os que são contra o PT devem sair do “nem nem”, deixar de ver esta eleição como disputa apenas política entre Lula e Bolsonaro, mas sim como uma disputa histórica, como em 1989, entre um Brasil ou outro. E o PT não deve levar o Brasil a uma disputa entre seus negacionismos e os negacionismos de Bolsonaro. Para tirar o Brasil do abismo é preciso sair do “Nem Nem”, e do “Só Eu”.

Para tanto, o PT deve ter a grandeza de sair do seu ensimesmamento, e respeitar o “resto dos brasileiros” e o futuro do Brasil. Sem nostalgias por ideias obsoletas, reconhecendo as especificidades do Brasil mas também a realidade do mundo. Sobretudo, não aceitar fazer parte do “Plano C”.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2022/01/4976579-cristovam-buarque-plano-c.html