Day: maio 14, 2021

RPD || Entrevista Especial – Forças Armadas manterão fidelidade à Constituição, diz Santos Cruz

Por Caetano Araújo e André Amado  

O Brasil já se encontra no terceiro ano do governo Bolsonaro, a um ano e meio das eleições e em meio a uma CPI que pode ter desdobramento graves. Mas não se pode desviar a atenção do essencial, que é a vacinação da população, da recuperação da economia e o reforço das instituições do país, avalia o gerenal da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência da República do atual governo e entrevistado especial desta 31a edição da Revista Política Democrática Online.

“Se de fato estiverem ocorrendo tentativas de recorrer a medidas excepcionais, fora da cartilha democrática, fora da constituição, isso se deve à mais completa falta de noção institucional”, diz Santos Cruz, que também foi secretário nacional da Segurança Pública na gestão do presidente Michel Temer e comandou as missões da ONU no Haiti e na República Democrática do Congo. Para ele, no caso das Forças Armadas, por exemplo, “cujo apoio seria essencial em cenários desse tipo, não vejo a mínima condição de dar respaldo a qualquer proposta extrainstitucional”, completa.

Na entrevista à Revista Política Democrática Online, Santos Cruz também comenta sobre a questão da Amazônia e o meio ambiente, o papel do Brasil no cenário internacional, polícias militares, liberação de armas de fogo, segurança pública, cidadãos armados e o comunismo, o grande inimigo do bolsonarismo. “O problema nosso não é de comunismo. Infelizmente, estão usando isso daí para maniqueísmo. Hoje quem não é amigo é inimigo”, alerta.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista do general Carlos Alberto Santos Cruz.

Revista Política Democrática Online (RPD)Na situação de crise que vivemos, podemos considerar o comportamento do presidente da República como uma ameaça à democracia? 

General Carlos Alberto dos  Santos Cruz (SC): Antes de mais nada, é preciso contextualizar o momento brasileiro. Há alguns pontos que precisam ser focados. O primeiro deles é a pandemia, um trauma social, que já ceifou mais de 400 mil vidas. Todos nós conhecemos pessoas, famílias, conhecidos, parentes que se foram com a pandemia. Isso está afetando demais a sociedade brasileira. A vacinação é nossa saída, mas ela não está disponível em quantidade suficiente, o que causa enorme apreensão, tanto mais porque os cuidados que todos deveríamos seguir não estão sendo respeitados, por várias razões.  

O segundo ponto é a economia, que não passa por um bom momento. Mas o cidadão comum não está ligado nisso. Só os que têm alguma noção de economia sabem que nossa situação não é fácil nem boa. A vacina é a única maneira de restaurar a normalidade das atividades econômicas. Como, então, tratar da pandemia e da economia ao mesmo tempo?  

Os mais desassistidos estão sendo duramente afetados. Muitos de nós conseguimos passar bem de algum modo, mas as pessoas que perderam sua atividade econômica, que não têm rendimento garantido, são mais sacrificadas. É preciso destinar recursos federais para esse pessoal. Não adianta só jogar bilhões em emendas parlamentares. A prioridade é para quem está passando fome e outras necessidades.

“Um governo que carece de planejamento, de respeito institucional, pessoal e  funcional, tem efeitos graves para a sociedade, efeitos multiplicadores preocupantes”

Já estamos no terceiro ano de governo, a um ano e meio das eleições e em meio a uma CPI que pode ter desdobramento grave. Mas não se pode desviar a atenção do essencial, isto é, a vacina, a economia, a fome. Se de fato estiverem ocorrendo tentativas de recorrer a medidas excepcionais, fora da cartilha democrática, fora da constituição, isso se deve à mais completa falta de noção institucional. As instituições estão carentes de apoio, de planejamento. Por exemplo: o Ibama e o ICMBio, com responsabilidade de fiscalização do meio ambiente, são criticados por ineficiência. A solução tem sido mandar o Exército em apoio. O Exército pode ajudar temporariamente, mas o fundamental é reforçar a estrutura das instituições. Caso contrário, os problemas não estão sendo corrigidos. Outro exemplo: critica-se o STF. Mas o que o Executivo e o Legislativo têm feito para melhorar o Supremo? Quais propostas foram apresentadas para alterar as atribuições, estabelecer novos critérios de escolha, prazos dos mandatos? Não adianta atacar, propor melhorias milagrosas. O objetivo tem de ser aperfeiçoar as instituições e, assim, fortalecê-las.

Nossa democracia corre riscos? Corre alguns riscos, mas não no sistema e, sim, em pontos específicos. Por exemplo, não acredito que uma medida aventureira qualquer venha a ter resposta positiva. Não acredito, pois as instituições, embora fracas e carentes de aperfeiçoamento continuado, existem e não vão aceitar ações aventureiras por parte de governante. No caso das Forças Armadas, por exemplo, cujo apoio seria essencial em cenários desse tipo, não vejo a mínima condição de dar respaldo a qualquer proposta extrainstitucional. Outros riscos decorrem de atos fomentados por grupos de fanáticos. E o desfecho do fanatismo é sempre a violência. O fanatismo é de fato um risco, mas não o vejo capaz de contaminar a sociedade. 

RPDPode-se entender que a falta de planejamento, de respeito às instituições e de liderança nas altas esferas do governo tenham justificado sua decisão de deixar o Palácio do Planalto?  

SC: Não. Era início de governo. Alguns problemas já eram bem nítidos, mas não totalmente caracterizados. Eu fui dispensado da minha função pelo presidente da República, o que é uma prerrogativa daquela autoridade. Não tem nada de errado. Um governo que carece de planejamento, de respeito institucional, pessoal e  funcional, tem efeitos graves para a sociedade, efeitos multiplicadores preocupantes. Por exemplo, a conduta de fanáticos, de pequenos grupos de extremistas desqualificados, de baixíssimo nível, cujo linguajar expresso em redes sociais constrange repetir em entrevistas. Essa conduta tem influência e não contribui para conduzir o país a boas soluções.  

RPDExistiriam dois exércitos, duas Forças Armadas que se poderiam posicionar diferentemente em relação a um agravamento da situação conjuntural política brasileira?  

SC: Não vejo nenhuma possibilidade disso acontecer. As Forças Armadas têm dentro delas um sistema de liderança que abarca a todos os militares. Individualmente, todos são eleitores e podem votar em quem quiser. Não há problema nenhum. Mas, uma vez de uniforme e dentro da instituição, o militar segue o comando institucional. Isso é uma cultura. Fiquei 47 anos dentro do Exército e nunca vi discussões de caráter político. Zero discussões acerca de política. É cultural. Entrou no quartel acabou a discussão. Você pode ir discutindo no carro. Entrou no quartel, acabou!  

Os três comandantes que foram recentemente substituídos, por exemplo, deram poucas declarações sobre a saída. Tomaram posse três outros militares também excelentes. Manteve-se a mesma filosofia. Nada mudou. Nada. Pessoas da mesma cultura, da mesma geração de formação, todos contemporâneos 35, 40 anos dentro da mesma força. Não tem como você quebrar isso. Não adianta. Não será um aventureiro qualquer que vai pegar e quebrar um sistema desses.  

“Não é justo generalizar nem supor que os policiais possam ser arrastados para qualquer ação ilegal. Tanto quanto as Forças Armadas, isso não vai acontecer! Vejo as polícias militares com boa liderança”

RPDIncitação à violência por meio da internet, tentativa de disseminar o acesso a armas sem o controle devido, flerte com reivindicações corporativas da Polícia Militar, essa mistura explosiva pode levar a uma explosão de fato? 

SC: Risco sempre existe, mas de pequenas coisas. Até porque nós estamos assistindo a uma festa dos irresponsáveis. A internet é uma ferramenta de comunicação fantástica. Estamos cada um em nossas casas fazendo essa reunião virtual. São recursos maravilhosos. Só que, da maneira como se está observando, é uma verdadeira festa de exageros, oportuna para os fanáticos, para gente sem limites. Já existem providências em defesa da sociedade, no plano legislativo. Por exemplo, a legislação de combate às notícias falsas, as famosas fake news, que alimentam o fanatismo. Não tem nada a ver com liberdade de expressão. Permanecem válidos os crimes de calúnia, difamação e injúria, previstos no Código Penal.  

Sobre as polícias militares, é importante frisar que vivemos num modelo federativo. Tanto o governador como as instituições do Estado têm de seguir não só a constituição federal, mas também a estadual. O Legislativo e o Judiciário têm de atuar. Se o governador ou as instituições policiais violarem a lei, eles têm de ser responsabilizados. 

Cabe lembrar que as polícias militares têm pessoas muito boas, em geral muito bem preparadas.  O nível é bom. Esse pessoal é sensível à cadeia de comando. Eu não tenho dúvida nenhuma. Temos hoje 500 mil policiais militares no Brasil, que estão na rua em contato direto com a população. É um trabalho difícil. Sempre pode ocorrer erros. Em geral, erros pessoais. Isso é muito explorado, mas não é justo generalizar nem supor que os policiais possam ser arrastados para qualquer ação ilegal. Tanto quanto as Forças Armadas, isso não vai acontecer! Vejo as polícias militares com boa liderança.  

Sobre o problema das armas de fogo, não tenho dúvida de que a polícia militar e a polícia civil estão insatisfeitas com essa tentativa de liberar armas  sem o devido controle. Isso dificulta o trabalho dos policiais. Eles já têm a quem enfrentar, e ainda mais as armas fora de controle na mão de crime organizado, de milícias etc. É um problema essa liberação de armas sem um bom critério. Uma coisa é o comércio regulamentado. Sou a favor do que já existe, e é controlado pela Polícia Federal e o Exército. Só que as medidas de controle e de rastreamentos que o Exército fez dois anos, um ano e meio atrás, foram anuladas pelo presidente. O Exército é um órgão que trabalha só com o interesse técnico. Foi muito ruim anular esse controle.  

Existem distorções de concepção. A segurança pública é obrigação do Estado. Não pode um governo estimular as pessoas a se armarem para melhorar a segurança pública. Isso é falta de noção completa, falta de noção das suas obrigações, porque segurança pública é obrigação do Estado e tem de ter um plano nacional de segurança pública. Isso passa pela valorização e treinamento do efetivo da polícia, pelo aperfeiçoamento da legislação, orçamento etc. Todos têm de estar envolvidos – Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. O governante não pode tentar convencer as pessoas a se armarem para garantir a segurança pública. Isso é loucura. E mais. Considerar que o cidadão armado é uma opção política é um total absurdo. Tanto quanto dizer que o Japão não invadiu os Estados Unidos, na segunda guerra, porque os Estados Unidos tinham não sei quantos milhões de armas nas mãos dos civis. Teoria sem cabimento. Imagina a logística militar que se exigiria do Japão para invadir os Estados Unidos. Tais argumentos animam certo frenesi, uma esquizofrenia política. Tudo isso, sem dúvida nenhuma, significa risco. Se não é risco geral, ao menos localizado, com algumas possíveis iniciativas pontuais. Mesmo nos Estados Unidos, essas maluquices levaram a violências localizadas. Vejo, portanto, também aqui, risco de violência ao menos limitadas. 

RPDO que se pode dizer da versão defendida por alguns setores das Forças Armadas de que, de um lado, propostas de cooperação com comunidade de nações no tocante ao desmatamento da Amazônia podem disfarçar alegada cobiça internacional sobre a região e, de outro, que a ameaça do comunismo para a sociedade brasileira ainda persiste. 

SC: Com 15 dias de casado, 44 anos atrás, 1977, cheguei na Amazônia, em Tabatinga e Ipiranga, na beira do rios Solimões e Içá. Fiquei lá um ano e meio, sem telefone celular nem televisão, com a Radiobrás iniciando transmissão com maior potência para competir com as emissões em espanhol provenientes dos Andes.  

O pessoal militar tem um sentimento de propriedade da Amazônia, porque ali deixou seu sacrifício. Para mim, não foi sacrifício. Foi grande satisfação. Mas o pessoal tem essa cultura. É normal. A cobiça internacional sobre a Amazônia existe. E isso mexe muito com o brasileiro. Só que o pessoal também tem de entender que existem assuntos que são mundiais. No caso do meio ambiente e do clima, são assuntos mundiais em que estamos inseridos. A Amazônia é nossa, claro. Todo mundo sabe que é nossa. Mas a gente não pode, por causa disso, dizer que “eu faço o que eu quero, não participo de convenção do clima, não participo de discussões de meio ambiente e também não sigo determinados padrões de desenvolvimento”. Não é assim. 

Essa é uma questão muito sensível, e o Itamaraty tem condições de ocupar uma posição de liderança por conta de boa formação de seu pessoal, mas tem de seguir a diretriz que é dada pelo governo. Ainda em 2019, logo após a assunção deste governo, busquei contato com o Chanceler e sua equipe, para transmitir-lhes minha visão sobre alguns pontos de política exterior. Sempre tive muita ligação com o Itamaraty. No curso de minhas viagens ao exterior, costumava visitar os embaixadores brasileiros. 

Lembro-me de ter comentado que, embora prioridade da política externa, os Estados Unidos não se resumiam a Donald Trump.  Sobre meio ambiente e clima, penso que deveríamos tratar da questão com uma perspectiva mais ampla e com finalidade social. Tive oportunidade de falar sobre essa matéria com autoridades francesas, em particular com a agência de desenvolvimento, quando destaquei a importância de investimentos no Brasil, em especial no Nordeste. Depois, saí e não acompanhei mais o assunto. 

É uma coisa de loucos… o Brasil está na beira do precipício, e os comunistas estão empurrando para cair no barranco… e tem um Salvador da Pátria que vem do céu ungido por Deus para salvar o Brasil. Não é assim

As riquezas em terras indígenas despertam a cobiça de nações estrangeiras? A perspectiva de bloqueio internacional faz parte dessa estratégia? Sou da opinião de que devemos consolidar uma liderança sobre a matéria e conversar com todos, para angariar a boa vontade da cooperação internacional.  Mas fica difícil convencer nossos potenciais parceiros se nem no nosso horizonte geográfico mais próximo, América do Sul, tivemos o impulso de convocar uma reunião sequer do Pacto Amazônico, mesmo sediando em nosso território a secretaria executiva desse órgão multilateral. Poderíamos desenvolver projetos dentro das terras indígenas, por exemplo, promovendo reuniões periódicas em Manaus, Porto Velho e em outras cidades da Amazônia, para demonstrar nosso interesse, nossa liderança, e conquistar boa vontade. Tem de ter orçamento para isso. Traríamos também representantes da França, afinal um país com território na Amazônia.  

Quanto ao comunismo, registro que morei na Rússia por dois anos e um ano nos Estados Unidos. Pelo que vi, concluí que o Brasil não aproveitou o que existe de bom nos Estados Unidos e na Rússia. O Brasil poderia ter feito uma boa combinação, mas não fez.  O problema nosso não é de comunismo. Infelizmente, estão usando isso daí para maniqueísmo. Hoje quem não é amigo é inimigo. Só os patriotas que andam de verde e amarelo, e os demais são inimigos. É uma coisa de loucos… o Brasil está na beira do precipício, e os comunistas estão empurrando para cair no barranco… e tem um Salvador da Pátria que vem do céu ungido por Deus para salvar o Brasil. Não é assim. 

Temos de atuar de maneira mais racional no cenário mundial. A corrupção não tem nada a ver com o comunismo ou não-comunismo. Temos de combater os privilégios e nossas diferenças sociais. Não é possível pagarmos supersalários com dinheiro público. Temos de fazer o que precisa ser feito para melhorar a sociedade brasileira e não alimentar discussões ideológicas e estéreis. Nosso problema básico é fazer o que é melhor para nós. Por conta de postura ideológica, o Ministério das Relações Exteriores quase nos isolou na comunidade internacional. Existem saudosistas comunistas, mas comunismo está ultrapassado, tanto quanto falar de direita ou esquerda. Nessa concepção puramente ideológica, fica tudo muito limitado.  

RPDNum mundo em mudança acelerada, quais as novas tarefas necessárias à defesa nacional? 

SC: A defesa nacional hoje não está mais só com as Forças Armadas. Tinha-se a concepção de que a defesa nacional estava nas Forças Armadas. Hoje, não. As Forças Armadas têm a parte de integridade, física, a parte dissuasória. Isso ainda reside nas Forças Armadas. Mas a defesa nacional, como um conjunto, passa pelo desempenho no meio ambiente, na economia, na política.  

Quando a gente deixa de ser respeitado internacionalmente na política, isso afeta todos os componentes da defesa nacional. Uma boa economia, sólida, uma sociedade não dividida, harmônica, unida, são fundamentais para a defesa nacional. As Forças Armadas são uma das poucas instituições que fica e tem condições de se manter em locais remotos e ali marcar a presença nacional e apoiar os outros setores, outros Ministérios que, às vezes, têm que fazer alguma tarefa na fronteira, mas não têm estrutura. Mas lá tem as Forças Armadas para acolher e auxiliar. Não adianta desenvolver as Forças Armadas e não desenvolver a economia, o respeito internacional, não desenvolver a união da sociedade e outros órgãos internos que precisam ser desenvolvidos.  

“O governante não pode tentar convencer as pessoas a se armarem para garantir a segurança pública. Isso é loucura. E mais. Considerar que o cidadão armado é uma opção política é um total absurdo”

A modernização das Forças Armadas passará também pela política industrial, pela segurança cibernética. Imagina uma interferência no banco de dados do Bolsa Família, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil? E que tal uma guerra cibernética como essa ou mesmo uma guerra biológica, com vírus ou qualquer coisa que ainda não se tenha estruturado? 

Além das ideias já citadas, imagina o tumulto de uma interferência no banco de dados dos benefícios assistenciais do INSS. Isso deixaria muita gente necessitada sem receber o auxílio. Defesa Nacional é a tranquilidade e a paz social. Ela não depende só das Forças Armadas. 

Saiba mais sobre o entrevistado

General Carlos Alberto Santos Cruz
Entrevistado especial da Edição 31 da Revista Política Democrática Online, Carlos Alberto dos Santos Cruz é general de divisão da reserva do Exército Brasileiro, que foi comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo, Secretário Nacional de Segurança Pública e ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência do Brasil.

Saiba mais sobre os autores

Caetano Araújo é graduado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1976), mestre (1980) e doutor (1992) em Sociologia pela mesma instituição de ensino. Atualmente, é diretor-geral da FAP e consultor legislativo do Senado Federal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica e Sociologia Política.

André Amado é escritor, pesquisador, embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática Online. É autor de diversos livros, entre eles, A história de detetives e a ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza.

Fonte:


RPD || Reportagem Especial: Cursos a distância têm maior adesão do público e ampliam acesso a conhecimento

Cleomar Almeida

Desde o início da pandemia da Covid-19, o mineiro Pedro Auarek, de 28 anos, passou a mergulhar ainda mais em cursos online para diminuir a pressão do confinamento social e navegar por formação a distância, que, antes mesmo da crise sanitária global, já apresentava sinais de crescimento no Brasil. “É um novo desafio, e a gente precisa se adaptar”, afirma.

Graduado em relações públicas, Auarek diz ser fã de aulas presenciais, mas já compreende que “os cursos no formato online vieram para facilitar o acesso ao conhecimento para todo mundo”, apesar dos obstáculos no país, onde o acesso à internet ainda não é universalizado.

Três em cada quatro brasileiros acessam a rede, o que equivale a 134 milhões de pessoas, de acordo com a mais recente pesquisa TIC Domicílios, baseada em dados oficiais de 2019.

O levantamento é o mais importante sobre acesso a tecnologias da informação e comunicação, realizado pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Pedro Auarek: “Cursos no formato online vieram para facilitar o acesso ao conhecimento para todo mundo”
Foto: Arquivo pessoal

Mesmo com as dificuldades, as formações online têm avançado no país. Em 10 anos, por exemplo, o número de novos alunos em cursos superiores a distância aumentou 4,7 vezes. Saltou de 330 mil estudantes, em 2009, para mais de 1 milhão e meio, em 2019, o que equivale a um crescimento de 378,9%.

Já o índice de ingressantes em graduações presenciais foi ampliado em escala bem menor: 17,8%. Os dados são do Censo de Educação Superior, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Em 2018, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC), uma em cada quatro pessoas no Brasil também não tinha acesso à internet. Em números totais, representava cerca de 46 milhões de brasileiros sem acesso à rede.

Iniciativas inovadoras

Ex-secretário de Educação do Distrito Federal, o especialista Marcelo Aguiar observa que “o Brasil sempre foi um país de desigualdades”. “Mas isso nunca impediu que diversas iniciativas, principalmente na área de tecnologia, surgissem”, diz ele.

“O acesso à internet e aos equipamentos vai se disseminando aos poucos também”, ressalta Aguiar. Com mais de 30 anos de experiência na área da educação, ele é sócio do portal Plugged, uma empresa que oferece a estudantes de todo o Brasil uma plataforma de ensino no modelo homeschooling (educação domiciliar).

Mesmo com as dificuldades enfrentadas no país, na avaliação do especialista, as pessoas não podem ficar de braços cruzados à espera de soluções só por parte do Estado. Segundo ele, “também cabe às instituições privadas fornecer oportunidades de conhecimento para reduzir e superar as desigualdades no Brasil”.

A educação a distância está em constante crescimento. Para ter uma ideia, antes mesmo da pandemia, que fez explodir cursos online, esse segmento já apresentava desempenho positivo. De 2017 a 2018, o país havia registrado aumento de 17% no número de alunos matriculados, segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).

MELHORE SEU DESEMPENHO

Veja, a seguir, dicas importantes para otimizar aproveitamento de cursos a distância

1.      Não subestime o curso;

2.      Seja organizado;

3.      Crie uma lista de prioridades;

4.      Tenha foco e disciplina;

5.      Monte um cronograma de estudos;

6.      Evite perder os prazos;

7.      Fuja das distrações;

8.      Estabeleça objetivos e metas;

9.      Tenha um local apropriado para estudos;

10.  Evite muito conforto;

11.  Tenha equilíbrio;

12.  Crie mecanismos de motivação;

13.  Tire as suas dúvidas;

14.  Seja independente;

15.  Conte com a tecnologia;

16.  Dicas bônus;

17.  Interaja em fóruns de discussões virtuais;

18.  Aproveite as tarefas coletivas para aprender;

19.  Tenha momentos de descanso.

Capacitação para líderes

Para manter o estímulo à formação a distância no Brasil, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, iniciou, no dia 3 de abril deste ano, o seu mais novo curso com aulas telepresenciais para novos líderes, prefeitos, vereadores e demais gestores filiados ao Cidadania, à qual é vinculada.

Realizado por meio da plataforma Somos Cidadania (somos23.somoscidadania.org.br), o curso Gestão Cidadã tem o objetivo de elevar o padrão das administrações municipais e conta com um time de professores considerados de alto nível.

Roberto Freire: Curso reforça a tradição quase secular do partido. Foto: Cristiano Mariz/VEJA

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, diz que o curso reforça a tradição quase secular do partido, destinada a “políticas de formação de quadros”. “A diferença é que, mais do que anteriormente, a capacitação é bem mais fundamental neste mundo porque as transformações da sociedade e os processos de inovação se refletem também na gestão pública”, afirma.

Antes mesmo de começar, os organizadores comemoraram o sucesso do curso de capacitação, que foi iniciado com mais de mil inscrições de pessoas interessadas em adquirir conhecimento para atuar com gestão inovadora e moderna nos diversos municípios do país.

“Marca de mil inscritos é simbólica”, destaca o coordenador do curso e ex-prefeito de Vitória, Luciano Rezende. Foto: Ana Volpe/Agência Senado

“Volume muito grande”

“A marca de mil inscritos é simbólica. Mostra o volume de pessoas, muito grande, interessadas em se capacitar em gestão pública”, destaca o coordenador do curso e ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos (2013 a 2020), o médico Luciano Rezende.

Diretor-geral da FAP e consultor do Senado, o sociólogo Caetano Araújo ressalta que o curso fornece o conjunto de informações necessárias para a gestão pública ser eficiente, a fim de os serviços públicos serem realizados com a maior eficácia possível.

A formação a distância realizada pela fundação, de acordo com Araújo, tem profissionais altamente competentes em suas respectivas áreas. “São pessoas com competência acadêmico-gerencial, conhecidas pelos seus pares e com larga experiência nestes temas”, assevera.

Caetano Araújo ressalta que o curso fornece o conjunto de informações necessárias para a gestão pública ser eficiente. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A fundação, desde que foi criada, em 2000, tem atuação bastante forte na formação política, primeiro com cursos exclusivamente presenciais. Depois, a FAP passou a fortalecer suas atividades no segmento de cursos a distância.

Apenas no ano passado, a fundação realizou dois cursos online de formação política, com entrega de certificados para 606 concluintes, no total. A Jornada da Cidadania formou 391 alunos e a Jornada da Vitória, 215.

Além de incluir as duas jornadas na lista de seus cursos de formação a distância, o mineiro Pedro Auarek agora ocupa seu tempo com dedicação ao Gestão Cidadã. “Fiz mais de 20 cursos online, a maioria deles no período da pandemia”, comemora.

GESTÃO PÚBLICA DE EXCELÊNCIA

Confira, abaixo, detalhes do curso a distância Gestão Cidadã

Objetivo geral

Formar novos líderes que agreguem valor às gestões do Cidadania e capacitar filiados, prefeitos e vereadores do partido na área de gestão pública, com a finalidade de elevar o padrão das administrações municipais.

Objetivos específicos

Fornecer bases e conhecimentos para a implementação de gestão pública focada no cidadão e preparar gestores públicos para atuar de forma transparente e eficiente, usando toda a tecnologia disponível (Cidades Inteligentes) na execução de políticas públicas, sem abandonar a responsabilidade fiscal e a austeridade, requisitos fundamentais para administração pública de qualidade.

Metodologia e programação

• Formação presencial online (telepresencial): aulas gravadas, associadas a ambiente virtual de aprendizagem assíncrona, com estudos dirigidos (vídeos/podcast e leitura).

• 6 semanas de curso: aulas às segundas e quartas, das 19h às 20h30.

• Carga horária total: 36 horas

• Aproveitamento: certificado para quem visualizar, por completo, 75% das aulas online que serão gravadas e disponibilizadas na plataforma.

Formato do curso

• Aulas telepresenciais: duas aulas semanais ao vivo de 1h30, com 30 minutos para tirar dúvidas dos alunos.

• Leitura Obrigatória: professor indica artigo ou capítulo de livro para leitura com carga de 45 minutos (tempo estimado).

• Material complementar: professor deve indicar artigo ou capítulo de livro para leitura com carga de 45 minutos (tempo estimado).

Público-alvo

• Prefeitos e vereadores eleitos pelo Cidadania 23.

• Filiados do Cidadania 23 que atuam na gestão pública.

• Simpatizantes do Cidadania 23 que desejam conhecer as boas práticas da administração pública.

Fonte:


RPD || Editorial: Mazelas do presidencialismo

Há poucos dias uma decisão da Justiça conseguiu retirar da gaveta o pedido de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar responsabilidades pela má gestão de nossa crise sanitária. Formada a Comissão, seus trabalhos passaram de imediato a ocupar o centro do debate político do país. Não pelo ineditismo das revelações dos depoentes, mas pela clareza com que comprovam o que era de conhecimento geral: a responsabilidade do governo, por ação e por omissão, pela situação catastrófica em que nos encontramos. 

O quadro que emerge até agora é cristalino. Duas premissas equivocadas, a prevalência da economia sobre a vida e a saúde, de um lado, e a miragem de alguma “imunidade de rebanho”, que desceria sobre os brasileiros de forma inexorável, movida apenas pela operação natural do vírus, de outro, foram o gatilho de uma série de decisões desastrosas. Combater o distanciamento social, a pretexto de preservar a atividade econômica; trabalhar contra o uso de máscaras; desdenhar das vacinas; e investir tempo e recursos públicos na produção e divulgação de medicamentos inócuos contra o vírus, além de prejudiciais à saúde. Contra a ciência, o país enveredou pelo caminho da superstição, a um custo muito alto, em termos de vidas e de caos econômico. 

Importa refletir a respeito das consequências políticas dos trabalhos da Comissão. Pelo andar dos acontecimentos, o relatório final apontará com clareza as responsabilidades do Presidente da República pela situação, apesar dos esforços governistas de transferir essas responsabilidades para governadores e prefeitos. Estariam cumpridas, em tese, as exigências legais para deliberação a respeito de sua retirada do governo, por meio de processo de impedimento, e substituição, conforme regra prevista na Constituição. 

Ocorre que o presidencialismo é um regime de mandatos definidos e a rigidez desses mandatos termina por constituir um seguro de permanência no cargo, mesmo em situações extremas de inoperância e de ataques permanentes ao ordenamento democrático, como é o caso. O crime de responsabilidade é apenas um, nem sempre o primeiro, dos itens da lista de exigências do impeachment. Para chegar a bom termo, o processo deve contar com a decisão do Presidente da Câmara e a convicção firme, por parte da maioria dos Deputados, da insustentabilidade da permanência do Presidente da República no exercício de suas funções. 

Transparecem, em momentos como o atual, as vantagens de regimes parlamentaristas ou mistos, na perspectiva da sua afinidade com o ordenamento democrático, como sobejamente assinalado na literatura pertinente. Vantagens para, em primeiro lugar, prevenir a conquista do poder por minorias radicais em detrimento de maiorias divididas politicamente. Em segundo lugar, para definir responsabilidades claras, para Executivo e Legislativo. Em terceiro lugar, para substituir, com rapidez e assepsia, governos que venham a se revelar disfuncionais em momentos de crise. 

Fonte: