Day: dezembro 29, 2020

Andrea Jubé: O “diplomata” da Amazônia Legal

Dino: “eleição mostrou que sozinho ninguém faz gol”

Um dos desafetos do presidente Jair Bolsonaro, e ator relevante nas articulações por uma (ainda utópica) frente ampla progressista, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), conversou com a coluna sobre três temas espinhosos para o governo federal: Amazônia, vacinas e a movimentação da esquerda para 2022, na esteira do resultado das eleições municipais.

Há oito dias, Dino foi eleito presidente do consórcio da Amazônia Legal, bloco que reúne os nove Estados da região (AM, AC, RO, RR, PA, MA, AP, TO e MT), e mantém interlocução com o presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão.

De perfil conciliador, Dino explica que a articulação que o alçou à presidência do bloco deveria ser exemplo para as imbricadas disputas da esquerda por espaço no tabuleiro eleitoral.

“Vou presidir o consórcio na base do entendimento”, ensina. Duas semanas antes da eleição, ele começou a telefonar para cada um dos oito governadores, a maioria do espectro político de direita. Até o governador de Roraima, Antônio Denarium (sem partido), bolsonarista, votou nele, eleito por unanimidade. “Se há diálogo, você consegue agregar. Se tenta impor na pancada, fica difícil."

Dino exercerá mandato de um ano à frente do bloco econômico-ambiental. Poucos meses depois, em abril de 2022, vai se desincompatibilizar do mandato de governador para concorrer a uma vaga de senador.

Mas ressalva que estará “disponível” se uma união da esquerda quiser lhe atribuir outro papel. “Se o campo da esquerda sair com três, quatro, cinco candidaturas a presidente, será a crônica de uma morte anunciada, disso eu não participo. O resultado será um segundo turno entre o Bolsonaro e um candidato de centro-direita”.

Dino - que já foi chamado por Bolsonaro de “pior governador” entre os “governadores de paraíbas” - não quer novos arrufos com o adversário político, ao menos na agenda ambiental. Uma de suas metas mais ambiciosas à frente do consórcio é tentar destravar o Fundo Amazônia, paralisado há quase dois anos, por causa dos contenciosos do governo federal com Noruega e Alemanha, que suspenderam os repasses. Segundo o Observatório do Clima, o saldo estimado do fundo é de R$ 2,9 bilhões.

Dino acha que o caminho para reativar o fundo é elevar a pressão pública sobre o governo federal pela preservação do bioma. Em paralelo, como representante dos Estados da Amazônia Legal, ele quer estabelecer pontes diretamente com os embaixadores da Alemanha e da Noruega.

“Farei essa diplomacia do consórcio com os países financiadores, vendo como avançar no plano interno para que eles concordem em retomar os financiamentos”. Se o diálogo evoluir, Dino explica que, na etapa seguinte, caberá ao Conselho da Amazônia entrar nas negociações para viabilizar a retomada dos repasses.

Dino acrescenta que caberá ao consórcio intensificar o monitoramento e controle sobre desmatamentos e queimadas ilegais. Na área de segurança, ele quer integrar a base de dados das polícias dos nove Estados do consórcio para incrementar o combate à biopirataria e narcotráfico nas fronteiras.

Outra meta é implantar a “Farmácia da Amazônia” para estimular aquisição conjunta de medicamentos pelo bloco, e, simultaneamente, a produção de fármacos alternativos, como fitoterápicos.

Sobre a vacina contra a covid-19, Flávio Dino avalia que a disposição dos governadores é esperar até 15 de janeiro para que o Plano Nacional de Vacinação do governo federal decole. “Até lá, todo mundo [governadores] espera pra ver. Se der apagão, vai ser cada um por si”.

Dino pondera que o Brasil chegou a um patamar absurdo, sem perspectiva de início da vacinação, enquanto mais de 40 países começaram a imunizar suas populações. “Se esse patamar se mantiver até o dia 15, haverá um movimento de salve-se-quem-puder”.

Ele acredita que os próximos 18 dias serão determinantes para que se dissipem as incertezas em torno das principais apostas do governo federal: a vacina da AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, e a Fiocruz; e a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Butantan. Espera-se que ainda nesta semana, a Fiocruz peça o registro da vacina da AstraZeneca para uso emergencial. E que até 15 de janeiro, o mesmo ocorra com o imunizante da Sinovac.

Dino ressalta que o início da vacinação contribuirá, inclusive, para a evolução das conversas no campo da esquerda, restritas até agora pelo distanciamento social compulsório.

Depois do segundo turno, Dino já participou de pelo menos 20 conversas com lideranças do PT, PCdoB, PSB e Psol. O time de interlocutores inclui o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, Guilherme Boulos e Marcelo Freixo. O encontro com Ciro Gomes ficou para janeiro.

“A eleição municipal trouxe a sensação geral [na esquerda] de que sozinho ninguém vai fazer um gol. Acontece de um jogador pegar a bola no meio do campo, driblar todo mundo, e fazer um gol, mas é raro”.

Ele cita o exemplo das alianças amplas que levaram a esquerda a vencer bolsonaristas em Fortaleza (CE) e Belém (PA). Acrescenta que a eleição para a presidência da Câmara, onde a esquerda se uniu em torno do bloco de Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um bom “termômetro” para os próximos movimentos desse campo.

Isso não quer dizer, ressalva, que a esquerda marchará com DEM, MDB e PSDB em 2022. “Mas tem uma intervenção da esquerda conjunta nesse processo que é sinal de amadurecimento”.

Dino alerta que seu otimismo “não é ingênuo, é lastreado em fatos”. “A atitude madura, convergente da esquerda [na eleição para a Mesa da Câmara] é reveladora de um sentimento geral de unidade”. Isso estará presente nas discussões sobre reconfiguração partidária em 2021, aposta.


Pablo Ortellado: O abominável

Ao confundir o divergente com o abominável, polarização política promove a intolerância.

Nos bastidores das batalhas ideológicas, há uma disputa velada sobre onde demarcar os limites do politicamente aceitável.

Enquanto certos conservadores tentam enquadrar adversários e dissidentes em uma visão ampliada e delirante do comunismo, alguns ativistas de esquerda tentam subsumir seus adversários em uma visão ampliada e distorcida do fascismo.

Em ambos os casos há um movimento duplo de ampliar o escopo e estigmatizar o adversário. O fascista não seria apenas o apologista da tortura e da ditadura, mas também aquele que defende as privatizações, se opõe às cotas raciais ou apoia a Lava Jato; o comunista não seria o apoiador de regimes totalitários, na Coreia do Norte ou na Venezuela, mas também aquele que defende o devido processo legal, apoia a universidade pública ou quer a ampliação das políticas sociais.

O primeiro, abominável, subsome o que vem depois, torna-se a sua verdade. O fascismo vira a verdade oculta das privatizações, e o comunismo, a verdade oculta da universidade pública.

Num efeito paradoxal, a amedrontadora emergência desses inimigos execráveis autoriza as alianças mais espúrias. O movimento relacional e combinado, que acontece à esquerda e à direita, funciona como uma profecia autorrealizada, na qual apologistas da ditadura se fortalecem antagonizando com comunistas fantasiosos, e defensores de Stálin e Maduro se consolidam combatendo fascistas imaginados.

Um dos elementos constitutivos da polarização em curso é que nossa identidade política é essencialmente a negação daquela do adversário. Por isso, as distorções que o campo adversário faz do nosso campo nos define. Aos poucos vamos todos nos convertendo em monstros.

"Nós, stalinistas, odiados pelos fascistas, somos os verdadeiros antifascisistas." "Nós, apoiadores da revolução de 1964, odiados pela esquerda, somos os verdadeiros anticomunistas." Quanto mais nos identificamos com os monstros do inimigo, mais radicalmente antieles nos tornamos —e é a negação do abominável o que nos move.

Precisamos abandonar essa dinâmica de intolerância mútua que está destruindo nossa comunidade política, tornando cada dia mais próxima a iminência de uma guerra civil.

Em vez de equiparar liberais a fascistas, socialistas a totalitários, precisamos condenar os autoritários dos dois lados do espectro e reconhecer que, em uma democracia verdadeira, liberais e socialistas precisam ter voz. Não existe democracia sem convivência da esquerda com a direita.

Nosso desafio é criar acordo sobre os parâmetros democráticos e isolar os carniceiros que se alimentam da polarização.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Carlos Andreazza: Pós-Maia

Ele não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política

Rodrigo Maia não foi mau presidente da Câmara. Melhor nos últimos dois anos que no biênio anterior, em que vislumbrou nas flechadas de Janot contra Temer a chance de chegar à Presidência da República. Terá amadurecido. Não que precisasse crescer muito. Mais provável sendo que tenha se beneficiado ante a pequenez média dos pares; assim como Mandetta — um Oswaldo Cruz diante do general Pazuello. O estadismo possível no Brasil pazuellizado de Bolsonaro: o por contraste.

Entre o início de 2019 e o fevereiro próximo, Maia terá gerido a pior composição da história do Parlamento, em que a renovação bolsonarista plantou volume sem precedente de desqualificados e delinquentes. Seu maior mérito consistiu mesmo em se ter investido como agente político, trabalhando por meio da política, num período em que a criminalização da política tornou-se grande eleitora. Dessa forma — com respeitável consciência institucional — conseguiu edificar o orçamento de guerra e planear o chão para o auxílio emergencial, sem o qual o país teria se convertido em caos.

Maia não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política — que cultivou como instrumento para administrar um Parlamento infiltrado por roedores da democracia representativa. Terá, entretanto, na última hora, posto em xeque seu algum legado, ao projetar o próprio futuro num atentado contra a Constituição: o que lhe garantiria o direito de se reeleger.

Tinha um reino, acreditou que, via Supremo, continuaria a ter — e optou por dividir para imperar. Só que perdeu o reino e ficou com a divisão. Deu chance a Arthur Lira; e madeira aos cupins. Avaliou que, desde um lugar de poder, autorizado à reeleição (mas afirmando não a querer), poderia estimular vários candidatos dentro de seu grupo — apostando num impasse de que ascenderia como solução pacificadora. Negligenciou a tessitura política por meio da qual lideraria — com segurança — a escolha do sucessor. Botou todas as fichas no golpe encomendado por Alcolumbre. Viu a Corte constitucional trair o prometido. E passou a ter de pelejar para que o que era seu não derretesse em anarquia.

O café esfriou. O poder se foi. No instante em que o STF lhe disse não: foi-se. Daí que não mais exista um “grupo de Maia”. Existiria, antes, se tivesse admitido o limite imposto pela lei. Existiria, depois, se a blitz contra a Constituição tivesse prosperado. Não prosperou. Melhor assim. Porque não há Lira ou qualquer outro bolsonarista de aluguel que legitime gambiarra em nome do equilíbrio republicano. E porque não será difícil — na política, com política — derrotar Lira.

Derrotá-lo passa mesmo, necessariamente, pela dissolução da ideia de “grupo de Maia”. Derrotá-lo — o candidato do personalista Bolsonaro — passa pela impessoalidade; por comunicar que se reage, de modo suprapartidário, ao que seria explícita tentativa de o governo interferir para comandar a Câmara. O texto é bom. É preciso trabalhar, porém. Sai de cena o “grupo de Maia”. Mas não Rodrigo Maia.

Sai de cena o “grupo de Maia”, já substituído por um pela independência do Parlamento, mobilizado, diferenças à parte, contra o domínio do Legislativo pelo Planalto. Foi essa a abordagem que costurou o bloco de 11 partidos. Uma rede que abarcaria 281 deputados. Sabe-se, no entanto, que a adesão de siglas não significa que os votos de seus integrantes acompanhem o movimento. Sabe-se também que o governo desdobrou o mapa de cargos para comerciar apoios a Lira. Fala-se num mercado de 500 crachás para que Bolsonaro seja senhor da Câmara. E quem tem ministérios a ofertar nunca será carta fora do baralho — tanto mais em eleição secreta.

O Planalto age. Sua ação ostensiva, contudo, é também a alavanca para o seu revés. Um Parlamento comprado pelo governo — à luz do dia — em troca de apoio a um candidato a presidente da Câmara é prato cheio para a campanha de oposição a Lira. Na verdade, oposição a Bolsonaro.

O bloco pela independência do Legislativo agrega-se por uma bandeira. Fácil de apregoar e altamente competitiva. A ver, como ressalva, se a escolha do nome a encarnar o pacto — é Baleia Rossi, mas poderia ser qualquer outro — será capaz de sustentar a coesão do conjunto. Não se trata de preocupação supérflua. Afinal, a escolha, tendo havido postulantes, significa que houve derrotados; logo, frustrações a pacificar.

Comenta-se que o Planalto quer o Parlamento para desdobrar a tal agenda de costumes. É falso. Isso virou secundário. A base social de Bolsonaro lhe será fiel mesmo não tendo atendidas suas demandas, digamos, culturais. A eleição de Lira é decisiva para o governo porque escancararia a porta para o pleno exercício do populismo econômico que, ao mesmo tempo, amarra a sociedade protetora com o Centrão e robustece a musculatura de Bolsonaro para 2022.

A derradeira avaliação da presidência de Maia dependerá de seu erro não lhe botar esse ônus na conta.


Eliane Cantanhêde: O pino da granada

O acesso de Lula às mensagens hackeadas da Lava Jato vai explodir no STF e em 2022

Ao abrir os arquivos hackeados da Lava Jato para os advogados do ex-presidente Lula, o ministro Ricardo Lewandowski tirou o pino da granada e vem por aí uma explosão política com epicentro no Supremo Tribunal Federal e estilhaços nas eleições presidenciais de 2022. Lewandowski escolheu o momento a dedo, com o Supremo já em chamas.

Os arquivos têm cerca de 7 TB (terabytes) de memória, o que corresponde a toneladas de papel, mas Lewandowski permitiu o acesso da defesa de Lula “apenas” às mensagens de autoridades – o então juiz Sérgio Moro e a força-tarefa da Lava Jato – que tenham relação com o ex-presidente e as ações contra ele. Detalhe: mensagens que digam respeito a ele até indiretamente, o que abre uma janela sem fim.

O impacto mais previsível tende a ser no julgamento sobre os pedidos de suspeição de Moro nos casos de Lula, que estão na Segunda Turma do STF e embutem a tentativa de anular suas condenações pelo triplex do Guarujá, pelo qual já ficou 580 dias preso, e pelo sítio de Atibaia. Se o STF declara a suspeição de Moro, tudo volta à primeira instância, à estaca zero. E Lula se torna elegível em 2022.

A sinalização é pró-Lula, anti-Moro. Em agosto deste ano, a Segunda Turma decidiu pela “parcialidade” do então juiz e anulou a sentença do doleiro Paulo Roberto Krug no caso Banestado, sob alegação do próprio Lewandowski e do ministro Gilmar Mendes de que Moro teria atuado não como juiz, mas como “auxiliar” do Ministério Público até na produção de provas. Essa alegação é a mesma nos casos de Lula.

Diferentemente de Gilmar, Marco Aurélio e Luiz Roberto Barroso, por exemplo, Lewandowski não é dado a palestras, entrevistas e polêmicas públicas. Ele não fala, age. E age sempre na mesma direção: a favor de Lula, para corrigir o que considera erros históricos contra o maior líder popular do País pós-redemocratização. É como se a prisão de Lula estivesse engasgada na garganta.

Não tão petistas, ou nada petistas, outros ministros dividem com Lewandowski a convicção de que a prisão de Lula foi um excesso, logo injusta. “A gente deve a Lula um julgamento decente”, repete Gilmar há anos, enquanto nas redes sociais grassa uma comparação: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) comprou e vendeu uns 20 imóveis, muitas vezes com dinheiro vivo, mas Lula foi preso por um apartamento que nunca comprou, vendeu ou usou.

A decisão de Lewandowski, portanto, é lenha, álcool e palha na fogueira do Supremo em 2021, que vai chegando ao fim com uma rebelião dos ministros Gilmar, Lewandowski, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes contra o presidente Luiz Fux, com Dias Toffoli no banco de reservas. Eles simplesmente decidiram cancelar o próprio recesso e ficar de prontidão. Para quê? Para impedir decisões monocráticas de Fux em processos em que sejam relatores.

Marco Aurélio já cancelou seu recesso durante a presidência de Toffoli, mas não há precedente de quatro ministros agirem assim juntos e isso caracteriza um “atestado de desconfiança” em relação a Fux. Eles são anti Lava Jato, ele é a favor. E a guerra comporta uma provocação: se a mídia usa o vazamento de informações sigilosas, como pode se indignar com o acesso de Lula a tudo o que foi dito – ou armado, como dizem – contra ele?

O efeito político deve ser favorável ao presidente Jair Bolsonaro. Qualquer decisão benevolente com Lula tende a ter correspondência nos processos contra o senador Flávio. E, se os processos são anulados e Lula se torna elegível, isso vai eletrizar o País e acirrar a polarização Lula versus Bolsonaro em 2022, o que ainda é favorável ao capitão, como em 2018. Ao garantir uma “reparação” para Lula, o Supremo pode acabar beneficiando Bolsonaro.


Míriam Leitão: Uma disputa nada trivial no Congresso

Há muito mais em jogo na disputa do comando das duas casas do Congresso do que parece. As diferenças ideológicas entre partidos de centro, ou entre pessoas de um mesmo partido, podem parecer imperceptíveis. Mas, dependendo da escolha feita pelos parlamentares, o país elevará os riscos institucionais que correm na atual administração, ou terá a chance de reduzi-los.

A autonomia do Legislativo é parte fundamental da barreira contra as tendências autoritárias do presidente e de luta contra a sua agenda retrógrada. Não se espera um Congresso que faça oposição ao presidente, mas que ponha limites ao Executivo dentro do necessário e saudável processo de freios e contrapesos.

Bolsonaro, em 2020, no início da pandemia, participou de manifestações que pediam o fechamento do Congresso. Isso deveria ser o suficiente para convencer os partidos de oposição, ou os parlamentares que têm apreço pela democracia, de qualquer partido ou tendência, a ficarem longe de um deputado ou senador que tenha a marca de candidato desse presidente.

Não foi exagero, portanto, que a frente articulada pelo deputado Rodrigo Maia em torno do deputado Baleia Rossi tenha se apresentado com a bandeira da democracia. É disso que se trata. E quem deixou isso claro foi o próprio presidente, com a sua reiterada apologia da ditadura militar que vitimou o Brasil por duas décadas. Hoje o governismo representa também apoio às medidas de desmonte do aparato de proteção institucional das comunidades indígenas, do meio ambiente, da educação e da saúde.

A agenda do presidente Bolsonaro é estranha às necessidades urgentes do país. O Brasil precisa neste momento fortalecer Saúde, Educação e proteção ambiental. O presidente quer excludente de ilicitude para os policiais, a chamada escola sem partido, mineração em terra indígena e armamentismo. Nada mais estrangeiro às necessidades do país. A educação se transformou em uma tarefa mais urgente com a pandemia. A Câmara teve que lutar inúmeras vezes para derrotar as tentativas de tirar dinheiro do Fundeb. Ora eram ideias ruins do Ministério da Economia, ora eram truques do governo para levar dinheiro para instituições privadas.

Alguém pode considerar que, na economia, o candidato do governo teria mais aderência à agenda de reformas. Pode ser o oposto. A reforma econômica mais importante no Congresso é a tributária, e quem levou o projeto que tramitou na Câmara, mesmo diante de todo o desinteresse do governo, foi o deputado Baleia Rossi. Também no projeto econômico o candidato da frente não governista pode ser mais interessante. Diante da queda da sua aprovação, o presidente-candidato pode reagir com o ideário no qual ele acredita: o populismo fiscal.

O argumento do deputado Arthur Lira de que sua eleição daria ao governo um aliado para enfrentar a crise só ficaria de pé se o governo tivesse enfrentado a crise. Ele a agravou quando criou conflitos federativos, fez campanha eleitoral antecipada, provocou aglomerações, submeteu o Ministério da Saúde ao seu obscurantismo e mandonismo, sabotou medidas sanitárias de proteção, espalhou dúvidas sobre a vacina. Bolsonaro demonstrou durante toda a crise de 2020 que ele é impermeável ao conhecimento. Simplesmente não entendeu a natureza da crise, nem quis entender. Sua ação foi deletéria. Dar mais poder a este governo eleva exponencialmente o risco que o país corre em todas as áreas.

No Senado, abre-se uma possibilidade com a candidatura da senadora Simone Tebet. Ela é mulher num país de poder excessivamente masculino. É qualificada. A candidatura dela representaria sem dúvida um avanço, porque a senadora é também uma profunda conhecedora da Constituição, que tem sido tão afrontada nos últimos anos. Entre ela e os senadores homens pré-candidatos, dois deles líderes do governo no Congresso e no Senado, há uma enorme diferença.

Nas duas Casas agora se negocia. É natural que os cargos das mesas e das comissões estejam em disputa, porque isso dará à minoria maior ou menor possibilidade de atuação. O grande cenário, contudo, mostra que há algo muito mais valioso em jogo do que os cargos que o governo tem oferecido em troca de apoio aos candidatos dóceis ao Executivo.


Merval Pereira: Sem noção

O ditado latino “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir” é a melhor explicação para o que acontece entre nós nos dias recentes. A começar pela festa de Neymar para 500 (150?) convidados no réveillon em Mangaratiba. Um estudo publicado no Journal of the American Association for the Advancement of Science no início deste mês, analisado no LinkedIn pelo economista e especialista em risco Paulo Dalla Nora Macedo, mostra que uma reunião internacional de 175 executivos da farmacêutica Biogen nos dias 26 e 27 de fevereiro em Boston foi responsável por nada menos que uma média de 245 mil casos de coronavírus confirmados nos Estados Unidos.

Este é um dos maiores estudos de como o coronavírus se espalha no decorrer do tempo, baseado no rastreamento dos casos e suas cepas genéticas únicas. O potencial de disseminação da doença aumenta no momento em que os índices de infecção e mortalidade estão em alta no Brasil. Teria condições de fazer essa festa na França? O insucesso subiu à cabeça de Neymar.

O conceito grego da húbris está ligado a essa falta de comedimento de figuras públicas brasileiras. A confiança excessiva leva, por exemplo, o presidente Bolsonaro a ter a língua solta, afirmando que não “dá bola" para pressões, mesmo que sejam pela vida dos brasileiros que, ao contrário de cerca de habitantes de 40 países, não têm a mínima ideia de quando poderão ser vacinados.

Como se estivesse numa negociação comercial, diz que o Brasil é “um mercado enorme” e, por isso, os laboratórios é que deveriam se antecipar ao pedido de registro na Anvisa. Mercado de vidas ? Quem deveria se antecipar não era o governo, como fizeram inúmeros deles ao redor do mundo, reservando as doses de vacinas necessárias à imunização de seus cidadãos?

Ao que tudo indica, os deuses já enlouqueceram Bolsonaro, que pode estar a caminho da destruição por pensamentos, palavras e obras. Para sorte dele, seu mais ostensivo adversário na eleição presidencial de 2022, o governador de São Paulo João Dória perdeu o senso depois de ter lidado muito bem com a vacina Coronavac, que está sendo produzida no Instituto Butantan com material da fábrica chinesa Sinovac.

Colocando-se como contraponto a um tresloucado Bolsonaro, que acha que ser macho é enfrentar a morte como se pudéssemos vencê-la sem a ajuda da vacina, o governador de São Paulo, apesar de abusar às vezes da politicagem, parecia ser a imposição do bom-senso no debate da vacina.

Até que, tendo vencido a eleição para a prefeitura de São Paulo com o candidato do PSDB Bruno Covas, resolveu que poderia tirar férias em Miami, ao mesmo tempo em que decretou a bandeira vermelha no estado que dirige. Mesmo que tenha voltado 24 horas depois, devido a seu vice ter sido infectado pela COVID-19, e tenha pedido desculpas públicas, ficou a imagem que o acompanhará até a eleição presidencial: a arrogância, a autoconfiança em excesso, de quem se considera acima dos demais.

A dificuldade que Dória claramente tem em entrar no nordeste, que poderia ter começado a ser superada com as doses de vacina que vários prefeitos e governadores da região querem, será aumentada com o apelido que Bolsonaro lhe pespegou: “calcinha apertada” ou “calça encravada”. São daqueles apelidos que políticos populistas como Bolsonaro sabem que pegam no povo, especialmente no lumpesinato, que o levou ao máximo de sua popularidade com o auxílio emergencial.

São Paulo, que é a principal base dos tucanos há anos, pode levar um candidato a presidente a ter uma diferença de quase 7 milhões de votos a favor, como aconteceu com o mineiro Aécio Neves em 2014. Mas pode também derrotá-lo se o domínio partidário de três décadas não se refletir em votos.

A campanha vencedora de Bruno Covas teve que esconder Dória porque ele não é bem visto na capital. Agora, talvez o próprio Covas, e Doria por tabela, sofram com outras medidas impopulares adotadas logo após a vitória, com a convicção de quem pode tudo: o aumento de seu salário em 47%, e o fim da passagem gratuita para idosos até 60 anos.

Outras seis capitais aumentaram o salário dos novos prefeitos, o que não justifica a falta de noção de Bruno Covas. No Rio, o prefeito Eduardo Paes receberia um aumento de 72% proposto pelo vereador Cesar Maia. A reação foi tão grande que a proposta foi retirada. Além do mais, a legislação municipal restringe o salário do prefeito a 81,2% do teto constitucional. Os deuses estão tendo muito trabalho no Brasil ultimamente. E os tribunais superiores ainda pedem prioridade para a vacinação.


El País: Fábrica russa de mentiras está ativa e se espalha a novos continentes

Usina de desinformação que interferiu nas eleições norte-americanas de 2016, numa operação preparada por um homem do círculo de Putin, agora age também na África

MARÍA R. SAHUQUILLO, El País

Em um edifício de escritórios na cidade russa de São Petersburgo, na nação balcânica de Montenegro ou em centros empresariais de Gana e da Nigéria. A fábrica russa de mentiras, a usina de trolls que semeou uma profusão de boatos falsos na campanha para as eleições presidenciais norte-americanas de 2016, polarizando o debate e interferindo na sua propaganda, nunca foi desativada. A usina original foi copiada, e muitas de suas operações foram terceirizadas. As operações da máquina de propaganda, que deixou à vista as vulnerabilidades do sistema e a magnitude e força das operações de ingerência e desinformação da Rússia, espalharam-se pelos Estados Unidos, por vários países europeus e alguns da África. Enquanto isso, os gigantes da Internet e os governos ocidentais tratam de confrontá-la, em alguns casos com táticas não totalmente limpas.

A técnica é a mesma que Vitaly Bespalov praticou durante algumas semanas em 2015. Esse jovem trabalhava em um edifício de concreto de quatro andares na rua Savushkina, em São Petersburgo, sede da chamada Agência de Pesquisas da Internet (AII) e matriz da usina de trolls. Sua missão era defender posições pró-russas durante um dos picos do conflito na Ucrânia, e mais tarde sobre a política norte-americana. “Tratava-se de alimentar o discurso e semear as redes com comentários falsos e interessados para beneficiar a Rússia”, comenta Bespalov, que hoje trabalha em uma organização de defesa dos direitos LGTBI. Por trás de catracas camufladas e com a proteção de seguranças, blogueiros, ex-jornalistas e outros profissionais recrutados pela agência trabalhavam para lançar esse “carrossel de mentiras”, como descreve a ativista e pesquisadora Liudmila Savchuk, que no final de 2014 trabalhou infiltrada na fábrica de trolls de São Petersburgo e ajudou a desmascarar a estrutura.

Aquela operação de desinformação na Ucrânia foi considerada bem-sucedida e serviu de germe para uma nova missão, desenhada para intervir nas eleições presidenciais de 2016, e voltada desta vez para o público dos EUA. Uma nova equipe de pessoas, fluentes em inglês e dotada de salários mais suculentos, criou uma rigorosa quota de publicações incendiárias sobre a candidata Hillary Clinton, a justiça racial e Donald Trump, fazendo-se passar por norte-americanos. O entorno polarizado foi um terreno fértil para os trolls russos, que amplificaram a discórdia que já fervilhava.

Era uma máquina de propaganda que também se dedicou a comprar publicidade e publicar anúncios sobre raça, imigração e armas de fogo, que chegaram a 10 milhões de pessoas nos Estados Unidos. O exército digital de trolls, acusado de interferir no pleito de 2016 é, segundo Washington, parte do império empresarial de um dos oligarcas da órbita mais próxima do Kremlin, Yevgeni Prigozhin, empresário do ramo gastronômico e alvo de sanções dos EUA. Apelidado como “o chef de Putin”, ele provou que o sistema era eficaz em 2011, quando contratou dezenas de pessoas para que elogiassem na mídia e nos principais fóruns da Internet russa a comida do sua empresa de catering, cuja qualidade havia sido questionada em várias denúncias.

Prigozhin, apontado como suspeito nas investigações sobre a ingerência eleitoral do promotor especial Robert Mueller, negou qualquer vinculação com a agência e com as atividades de sua máquina de propaganda. Também o Kremlin rechaçou as acusações.

Apesar dos alertas e dos mecanismos de vigilância adotados pelos gigantes da Internet e pelas redes sociais após o escândalo de 2016, as usinas russas de trolls continuaram operando, embora tenham mudado um pouco as suas técnicas de publicação, para reduzir os riscos de serem detectadas. Mesmo assim, sua influência e sua sombra são longas. Suas ambições e seus tentáculos, também. Nos últimos meses, o Twitter anunciou a eliminação de milhares de contas vinculadas à AII. Em março, o Facebook revelou que tinha descoberto uma subsidiária da usina russa de trolls em Gana e na Nigéria, operada por pessoas locais, mas vinculada à AII de São Petersburgo, e que tinha como alvo os Estados Unidos. E em setembro a empresa eliminou outra leva de contas, que ainda estavam em etapa de desenvolvimento e centravam suas atividades nos Estados Unidos, Reino Unido, Argélia e Egito. Esses usuários faziam publicações em inglês e árabe sobre temas como o movimento Black Lives Matter, a OTAN, Donald Trump, a campanha presidencial de Joe Biden e a conspiração do grupo radical QAnon.

Nos últimos meses, essa intensa atividade chegou a resultar em guerra de trolls na África. Há duas semanas, o Facebook anunciou que tinha identificado outra usina de desinformação russa vinculada à AII e direcionada a países africanos, e também uma estrutura francesa. São campanhas rivais voltadas, sobretudo, para as eleições deste fim de semana na República Centro-Africana ―onde Moscou tem cada vez mais interesses― e a outros 13 países da África que procuravam enganar os usuários da Internet e se desmascararem entre si.

É a primeira vez que a rede social identificou e bloqueou um grupo de trolls, vinculado a “pessoas associadas ao exército francês”, que atuam pelos interesses de um Governo ocidental. “Não se pode combater fogo com fogo”, advertiu Nathaniel Gleicher, chefe de política de segurança cibernética do Facebook. E acrescentou: “Temos estes dois esforços de diferentes lados destes problemas utilizando as mesmas táticas e técnicas, e terminam parecendo a mesma coisa”.


‘Racismo é prejuízo para toda a sociedade, não só para os negros’, diz Zulu Araújo

Em artigo na revista da FAP de dezembro, militante do movimento negro explica caminho para enfrentar racismo estrutural no Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“No Brasil, não só existe racismo, como ele é estrutural, condiciona e normatiza praticamente todas as relações no país, de caráter interpessoal, econômico, social, político, cultural e religioso”. O alerta é do diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, vinculada à Secretária da Cultura da Bahia, Zulu Araújo, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro. “O racismo é um prejuízo para toda a sociedade, não só para os negros”, diz, em outro trecho.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação mensal, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, ele lembra a barbaridade do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, espancado e morto por seguranças em uma loja do Carrefour na zona norte de Porto Alegre, em 19 de novembro. A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou seis pessoas pelo crime.

“A barbaridade da qual foi vítima o cidadão João Alberto Silveira Freitas, no estacionamento do supermercado Carrefour em Porto Alegre, que resultou na sua morte, foi um catalizador sem precedentes da indignação que paira no Brasil, de há muito, no tocante a violência racial e o racismo, contra a comunidade negra brasileira”, lamenta o autor, que é ex-presidente da Fundação Palmares e militante do Movimento Negro. “Naquelas cenas brutais que o Brasil inteiro presenciou, estava simbolizado, em estado bruto, aquilo que os intelectuais chamam de racismo estrutural”, afirma.  

Na avaliação de Araújo, que também é arquiteto, gestor cultural e mestre em Cultura e Sociedade, o Brasil não terá sucesso na promoção da igualdade racial nem a plenitude democrática, se não reconhecer a existência do racismo e, por consequência, não gerar políticas públicas que tanto combatam o racismo como promovam a igualdade.     

De acordo com o autor, ainda bem que parcela significativa da sociedade brasileira tem não só se manifestado de forma indignada ante o atual quadro de desigualdades no país, mas também começa a se mobilizar para sua superação. “E, neste sentido, o movimento negro brasileiro precisa liderar este processo e estabelecer uma agenda política que, além da mobilização da comunidade negra, crie mecanismos de incorporação e participação dos não negros nessa luta”, assevera.

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Luiz Carlos Azedo: Espinhos do recesso

Esquentam a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, flexibilizada pelo do STF ministro Kassio Nunes Marques

No jargão jornalístico, flores do recesso são os assuntos que tomam conta do noticiário político quando o Congresso e o Judiciário estão sem funcionar, geralmente alimentados pelo Executivo, pelos candidatos ao comando da Câmara e do Senado e pelos ministros de plantão no Judiciário. São tão frondosas como as flores da primavera, porém, menos decisivas do ponto de vista do processo político. Entretanto, nesses tempos bicudos de pandemia do novo coronavírus, com mais de 190 mil mortos e sem data marcada para o começo da vacinação, estamos diante é de flores com espinhos.

As principais são a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados, que a oposição encara como uma espécie de batalha de Stalingrado, para conter o avanço de Jair Bolsonaro rumo à reeleição à Presidência da República, e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, cuja flexibilização, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, o novo integrante da Corte indicado pelo presidente, supostamente possibilitaria — entre outras — a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto em 2022. Esse seria o adversário que Bolsonaro gostaria de ter no segundo turno, para uma espécie de vitória de Waterloo particular. Essas duas disputas, durante o recesso, podem nos trazer alguma emoção política, ao lado da polêmica sobre as vacinas contra a covid-19.

Há momentos que catalisam as forças da história e mudam o seu rumo. A Batalha de Stalingrado, por exemplo, durou um pouco mais de seis meses, do fim de julho de 1942 até 2 de fevereiro de 1943, tempo suficiente para mudar os rumos da guerra, ao preço de 1,5 milhão de mortos. Teve quatro fases distintas: a avassaladora ofensiva alemã; a obstinada reação russa, ao norte e ao sul, que cercou as tropas alemãs; a fracassada tentativa de Hitler de socorrer seu exército; e a rendição do que restou dele, faminto, sem combustível nem munição.

Mesmo com a vantagem numérica, os alemães não conseguiram vencer a resistência do Exército Vermelho, em razão do conhecimento do terreno, das condições climáticas, da experiência em batalhas de rua, das táticas antitanque, da artilharia de barragem e da capacidade logística. O exército alemão rendeu-se em 2 de fevereiro, com cerca de 91 mil soldados, entre eles 22 generais. Entretanto, 11 mil alemães decidiram lutar até a morte, dois mil foram mortos, e os demais foram levados presos. O resto da história todos conhecem.

Napoleão
Outra batalha decisiva foi a de Waterloo, na Bélgica, que durou menos de 24 horas, envolvendo forças francesas, britânicas e prussianas. Iniciada a 18 de junho de 1814, a guerra colocou, de um lado, Napoleão Bonaparte — que já havia sido derrotado na Rússia — e seu exército de 72 mil homens recrutados às pressas, e de outro, o exército aliado de 68 mil homens comandados pelo britânico Arthur Wellesley, duque de Wellington, composto de unidades britânicas, neerlandesas, belgas e alemãs, reforçado, mais tarde, pela chegada de 45 mil homens do exército prussiano.

Napoleão havia fugido da ilha de Elba a 26 de fevereiro de 1815, em direção ao sul da França, e logo conseguiu apoio popular para fazer frente a Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia, montando um exército com 125 mil homens e 25 mil cavalos. Marchou para a Bélgica, a fim de impedir a coalizão dos exércitos inglês e prussiano. Ao alcançar Charleroi, o exército de Napoleão dividiu-se em dois, com uma parte seguindo em direção a Bruxelas, para encontrar as tropas de Wellington, e outra, comandada pelo próprio Napoleão, em direção a Fleuru, contra o exército prussiano de Gebhard von Blücher. A ideia de Napoleão era derrotar um de cada vez.

Napoleão venceu os prussianos na chamada Batalha de Ligny. Partiu, depois, para Waterloo, onde encontrou os ingleses, em 17 de junho, em solo encharcado, que dificultava o posicionamento dos canhões. Estava certo de que as forças prussianas não se reagrupariam e chegariam a tempo para socorrê- los. Seu erro foi dar a tarefa de perseguir os prussianos em retirada ao marechal Grouchy, “homem medíocre, valente, íntegro, honrado, confiável, um comandante de cavalaria de valor várias vezes comprovado, mas um homem de cavalaria e nada mais”, nas palavras de Stefan Zweig, em Momentos decisivos da humanidade (Record).

Iniciada a batalha, a artilharia inglesa surpreendeu Napoleão, com um novo armamento: granadas. Mesmo assim, os franceses avançaram e deixaram Wellington por um fio. Entretanto, o general prussiano Blücher enganou os franceses. Encarregado de persegui-lo, Grouchy recusou-se a voltar para Waterloo, apesar dos apelos de seu Estado Maior, que tomara conhecimento do início da batalha contra Wellington; para não contrariar as ordens que recebera, continuou em busca das tropas prussianas, supostamente em retirada. Blücher, porém, flanqueou os franceses e chegou em socorro de Wellington; as tropas de Grouchy, o disciplinado marechal, não. A contraordem de Napoleão, pedindo a sua ajuda, chegara tarde demais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-espinhos-do-recesso-2/

Folha de S. Paulo: Bloco de sucessão na Câmara é sinal forte sobre aliança para 2022, diz Maia

Presidente da Casa reclama de condução do governo Bolsonaro na pandemia e diz que marca de sua gestão foi recuperar 'protagonismo' do Parlamento

Danielle Brant  e Julia Chaib, Folha de S. Paulo

 BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerra em fevereiro de 2021 o último de três mandatos seguidos à frente da Casa.

Em entrevista à Folha, ele avalia que a marca de sua gestão foi recuperar o protagonismo do Parlamento, além de ressaltar o papel do Congresso no combate à pandemia.star

Nos últimos dias, Maia anunciou a formação de um bloco para a disputa da sua sucessão que reúne 280 deputados, de partidos de centro-direita e direita (DEM, MDB, PSDB e PSL) e de oposição, como PT, PC do B, PDT e PSB.

O candidato é Baleia Rossi (MDB-SP), que vai disputar o cargo com Arthur Lira (PP-AL), líder do chamado bloco do centrão e apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O seu grupo na disputa, avalia Maia, é um ensaio para a eleição presidencial de 2022 e "um grande passo" para diminuir as radicalizações no país.

Como o senhor avalia a sua gestão? 

Nós tivemos durante um longo período do ano passado e até o meio da pandemia o entorno das redes sociais do governo, do presidente, com muita agressão ao Parlamento, ao Supremo e às instituições democráticas.

Na pandemia, se não fosse o Congresso, a maioria dos projetos mais importantes não teria andado. Acho que foram dois anos de uma experiência muito interessante e perigosa nesse enfrentamento, que chegou até a se jogar fogos em direção ao Supremo Tribunal Federal.

A experiência adquirida anteriormente me ajudou a manter o equilíbrio, manter o diálogo institucional e, principalmente, com os ministros técnicos do governo, para que a Câmara pudesse ter um protagonismo importante [após a entrevista, acrescentou, em mensagem, que seu maior arrependimento foi ter 'levado o Paulo Guedes a sério'].

O sr. teve uma trégua no relacionamento com o Paulo Guedes, mas depois desandou. O sr. conversou com ele no último mês? 

Não estou rompido com ele não. Mas eu não preciso [dialogar com ele]. Votamos tudo sem a gente precisar ter um diálogo.

Algumas votações defendidas pelo sr. não ocorreram. Por exemplo, a PEC Emergencial, que poderia abrir espaço para ampliar o Bolsa Família. 

Do meu ponto de vista, foi um erro [deixar para 2021]. A gente deveria ter avançado, com toda polêmica. Porque era um desgaste menor abrir espaço no Orçamento e garantir a ampliação do Bolsa Família do que deixar milhões de brasileiros sem nenhum tipo de proteção, mesmo que a proteção fosse um valor menor que o valor do auxílio emergencial.

Por isso que eu sempre defendi que a reforma mais importante naqueles últimos meses era a PEC Emergencial. Por isso defendi a não entrada em recesso por parte do Congresso, mas o governo interpretou isso como uma tentativa de usar o plenário da Câmara na minha sucessão.

O sr. chegou a dizer que havia maioria para aprovar a reforma tributária. Por que não pautou? 

Não votar a reforma tributária foi, do meu ponto de vista, um erro grave do governo. A gente não está aqui só para dizer que aprovou coisa, estamos aqui para aprovar com diálogo, e a tributária precisa do diálogo com o governo.

Mexer nos tributos sem estar organizado com a Receita, com os técnicos do governo... seria um capricho meu tentar avançar sem isso estar bem organizado. Voto tem, e tenho certeza de que no início do ano vai ser votado, mas a questão política prevaleceu em detrimento da sociedade brasileira.

Nessas semanas foram muitos projetos obstruídos pelos partidos da base do governo. O senhor viu uma tentativa do governo de tentar minar o final de sua gestão? 

Eu acho que sim, mas acho que erraram, né? A última semana de trabalho mostrou que a Câmara tem uma maioria que quer aprovar projetos. A equipe política, no final, fez política populista. Deixou a pauta em aberto para eu pautar. Mas tenho responsabilidade. E de nenhuma forma tento aprovar projetos que não sejam dialogados com os quadros técnicos de cada uma das áreas das matérias.

Ter conseguido vencer a obstrução pode ser encarado como um fator positivo? 

Acho que é uma sinalização forte que a base que o governo construiu na Câmara não é majoritária. Mostra que o que foi vendido ao presidente, que teria uma base majoritária na Câmara, não é um dado da realidade. Não significa que ele não tenha apoio para aprovar reformas que modernizem o Estado brasileiro, isso ele tem. Agora, ele não tem uma maioria política no plenário da Câmara dos Deputados.

Supondo que o Baleia [Rossi, candidato do bloco de Maia] vença as eleições, o senhor acha que ele pode enfrentar obstrução no início dos trabalhos? 

Não, porque a base do governo acabou sendo usada pelo interesse do candidato do presidente Bolsonaro. Acabada a eleição, acabou essa disputa.

Mas o seu grupo construiu uma candidatura de oposição ao governo. O que faz o senhor acreditar que esse diálogo com o Executivo vai se dar de forma harmônica? 

Não estamos em oposição a ninguém, estamos a favor da democracia, da liberdade, do meio ambiente. O nosso campo vota majoritariamente a favor da agenda econômica do governo. Após a sucessão, é óbvio que a agenda econômica vai continuar sendo liberal. Eu sempre disse que o perfil que eu acredito vencedor da Câmara vai ser alguém que seja independente.

O senhor acha que o Arthur Lira não é um candidato que garante independência à Câmara? 

Eu não vou tratar do candidato do Bolsonaro. Eu trato da candidatura que nós defendemos. O governo muitas vezes defende pautas que geram o conflito, o ódio na sociedade, como na pauta ambiental e de costumes.

Quando você transfere para o Congresso essas pautas, você transfere, primeiro para a Câmara, essa polarização que não tem sido boa para a sociedade. Temos convicção que esse bloco que nós representamos afirma a importância e defende a independência da Câmara.

A gente passou o ano na expectativa de uma definição no Supremo ou no Congresso sobre a possibilidade de reeleição. O sr. se arrepende de não ter deixado claro que não seria candidato? 

No meio do julgamento não ia dar a minha opinião. Mas antes disso todo mundo sabia. Eu disse claramente a alguns ministros do Supremo com quem conversei que não seria candidato. Mas eu não vou entrar nessa especulação, é besteira. Imagina se alguém tem poder de influenciar o plenário do Supremo. É diminuir e minimizar a importância de 11 ministros.

O sr. conversou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, desde a decisão do Supremo? A decisão pelo nome do Baleia também passou pelo Senado? 

Não, não conversei, mas eu estou tratando da Câmara e ele do Senado. Não conversei com ninguém do Senado, nenhum senador, nenhum senador do MDB, do DEM.

O PT fez uma reunião no dia do anúncio em que colocou ressalvas a Baleia. Por que o Baleia, se o maior partido de oposição tem resistência a ele? 

Esse é um processo de construção política. E temos um bloco que representa 280 parlamentares. E a representação dos 280 de forma majoritária compreendeu que o melhor caminho seria pelo Baleia, que começaria unificando o MDB e, dali para frente, unificaria toda a base. E ele tem toda a condição, como o Aguinaldo [Ribeiro, do PP] tinha, de construir uma relação com o PT, com o PSB, PDT e PC do B para que a gente tenha todos os votos unidos da esquerda.

Há o compromisso com a oposição de não pautar privatizações? 

Não. Não há compromisso de deixar de pautar matéria alguma.

Esse bloco que o senhor formou pode ser um ensaio para 2022? 

A nossa demonstração é que a gente pode dialogar, que a gente pode sentar numa mesa, divergir, mas construir consensos, construir projetos que, de fato, caminhem no interesse da sociedade brasileira. Acho que isso é o que esse bloco mostra, que a gente é capaz, mesmo tendo muitas diferenças em muitos temas, de sentar numa mesa e discutir a nossa democracia e o interesse do Brasil. Eu acho que é um sinal forte de que parte desse bloco pode estar junto em 2022. Nós demos o grande passo para reduzir de vez a radicalização da política brasileira. O [Winston] Churchill tem uma frase muito interessante: 'Aqueles que nunca mudam de ideia nunca mudam nada'.

E, nesse sentido, o senhor acha que é difícil ter uma chapa com a oposição...

Olha, nós temos uma grande dificuldade na pauta econômica, mas nada que não possa ser pactuado para uma eleição em 2022 e parte desse bloco possa estar junto.

E quem se encaixa melhor nesse perfil pensando em 2022? O Luciano Huck ou o João Doria? 

Acho que são dois ótimos nomes. Tem o próprio ACM Neto [presidente do DEM] que é um ótimo nome, tem o Ciro Gomes [PDT] que é um ótimo nome, o Paulo Câmara [PSB] está terminando o governo [de Pernambuco], quem sabe ele também queira participar. Então acho que a gente tem que dialogar.

Qual vai ser a atuação do senhor nisso? 

Sou um deputado do DEM. Estou à disposição do DEM para ajudar na construção de uma chapa, que possa ser a mais ampla possível e que possa ter um projeto de nação. Hoje nós infelizmente não sabemos qual o projeto desse governo.

Vários países começaram a vacinar, e o Brasil mal tem um plano de vacinação. Como o sr. vê o enfrentamento do governo nessa questão? 

A vacina é o único caminho para que o Brasil retome a sua normalidade e a gente garanta vidas. É lastimável a posição do governo negando a vacina, não tendo um plano, não organizando e vendo os outros países inclusive da própria região começando a vacinar. E a cada dia de atraso na vacina são mil mortos no Brasil, vidas que a gente perde pela incompetência e falta de responsabilidade do governo.