Day: dezembro 25, 2020

Hélio Schwartsman: O país das carteiradas

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista. Em vez de as pessoas se pensarem como cidadãs de uma República de iguais, veem-se (e agem) como membros de corporações que se julgam detentoras de direitos especiais.

Tanto o STF como o STJ enviaram à Fiocruz ofícios em que pediam a "reserva" de alguns milhares de doses de vacinas contra a Covid-19 para aplicação em seus servidores.

Mais espertos do que o grupo de promotores paulistas que tentara uma despudorada carteirada para a categoria furar a fila da imunização, os responsáveis pelos tribunais evitaram o uso de termos como "prioridade" e "preferência". Escreveram os ofícios de um jeito que ficava parecendo que receber as vacinas era uma espécie de sacrifício que as cortes fariam em prol da coletividade.

Felizmente, a Fiocruz, num raro exemplo de espírito republicano, rejeitou ambos os pedidos, enfatizando que toda a produção de vacinas será destinada ao Ministério da Saúde e que a fundação não estava reservando doses nem para seus próprios funcionários.Como já escrevi aqui, não há um critério único para organizar filas éticas. Pode-se dar a prioridade aos mais vulneráveis ou aos mais expostos ou ainda proceder a diferentes combinações dessas duas lógicas. Só o que não faz sentido, em termos éticos, é dar preferência a grupos específicos pelo fato de eles terem mais prestígio ou mais poder de influenciar. As duas mais altas cortes do país deveriam saber disso e dar o exemplo. Lamentavelmente, preferiram a carteirada envergonhada.

A crer nas ideias de economistas como Daron Acemoglu e James Robinson, o que distingue nações que fracassam das que dão certo é o desenho de suas instituições. Quando elas servem primordialmente a elites extrativistas, o país naufraga; quando são inclusivas, o desenvolvimento chega. O corporativismo está matando o Brasil.


Bernardo Mello Franco: O poeta e a política - Drummond em 1945

Em outubro de 1945, um golpe derrubou a ditadura do Estado Novo e abriu caminho para a redemocratização do país. No dia seguinte, o poeta Carlos Drummond de Andrade anotou em seu diário: “Ontem, os generais trouxeram para a rua suas metralhadoras e seus carros de assalto e mandaram dizer a Getúlio que desse o fora. Ele tentou negociar, mas os homens foram inflexíveis”.

O presidente se rendeu sem um tiro, a pretexto de evitar o “derramamento de sangue”. Com fina ironia, o poeta observou que a substância “raramente se derrama em nossos golpes e revoluções”. “Tanto uns quanto outros adversários preferem conservá-lo nas veias”, escreveu.

Entre 1943 e 1977, Drummond registrou suas reflexões num diário. Tempos depois, publicaria parte do material em “O observador no escritório”. O livro, reeditado pela Companhia das Letras, mistura anotações pessoais e comentários sobre a vida pública.

Avesso à militância partidária, Drummond lutou a seu modo pela libertação dos presos políticos. No ocaso da ditadura, escreveu o “Poema de março de 45”: “Se olho para as rosas: anistia./ Para os bueiros da City, para os céus,/ para os montes em pé nas altas nuvens:/ anistia”.

O poeta foi à cadeia visitar Luís Carlos Prestes, perseguido por Getúlio. Saiu com uma visão diferente do líder comunista. “Olho para este homenzinho comum, vejo-o simples, amável, desligado de seu drama pessoal, absorvido totalmente pela ideia política. Ali está o chefe legendário da Coluna, a me dizer que gosta de ler determinados poemas quando se vê necessitado de apoio moral”.

Drummond foi convidado a se lançar a deputado, mas declinou por se julgar “muito individualista”. No diário, anotou que nunca se filiaria a um partido. “Sou um animal político ou apenas gostaria de ser?”, questionou-se.

O poeta via a política brasileira como uma disputa entre caciques “brigados entre si mas fiéis à mesma ideologia conservadora, hostil a todo progresso social”. A política, aos olhos dele, era “um espetáculo em que a ação verdadeira nunca é apresentada no palco, pois se desenrola nos bastidores e com pouca luz”. As frases foram escritas há 75 anos, mas descreveriam bem a cena de hoje.

Na coluna de domingo, Drummond e o golpe de 1964.


Ricardo Noblat: As duas faces de Bolsonaro no Natal da pandemia

Escolha a que lhe pareça mais verdadeira

Na véspera do Natal, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu aos brasileiros duas versões dele mesmo – uma por cadeia nacional de rádio e televisão e a outra por meio das redes sociais.

Na primeira, ao lado de Michelle, sua mulher, ele leu um texto escrito por assessores. Na segunda, ao vivo, falou de improviso como costuma fazer sempre às quintas-feiras.

O Bolsonaro que tratou o novo coronavírus como “gripezinha”, receitou cloroquina para os doentes e disse que morreriam os que tivessem de morrer, ficou de fora do rádio e da televisão.

Ali foi servido um presidente da República que se solidarizou com as vítimas da pandemia, destacou que seu governo agiu para salvar vidas e empregos e que por isso acabou sendo bem-sucedido.

“Nessa ocasião, solidarizo-me com as famílias que perderam seus entes queridos. Externo meus sentimentos, pedindo a Deus que conforte os corações de todos”, afirmou Bolsonaro.

Em seguida, lembrou o pagamento do auxílio emergencial, o financiamento a micro e pequenas empresas e a medida que compensou parte da redução de salários em empresas.

No dia em que o Brasil ultrapassou a marca das 190 mil mortes pela Covid-19, o Bolsonaro das redes sociais preferiu atacar o governador João Doria (PSDB-SP).

 “Eu quero o cidadão de bem armado. Com o povo de bem armado, acaba essa brincadeirinha de ‘vai ficar todo mundo em casa que eu vou passear em Miami’”, disparou Bolsonaro.

Que insistiu: “Pelo amor de Deus. Oh… calcinha apertada! Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”.

Outra vez pôs em dúvida a segurança das vacinas que estão sendo desenvolvidas por vários laboratórios e que já começaram a ser aplicadas na Inglaterra, Estados Unidos, México e Chile:

– A eficácia da vacina em São Paulo parece que está lá embaixo, né? Não vou aceitar uma vacina que não está devidamente comprovada, que está em fase experimental.

Por fim, da vacina saltou para o uso de armas e declarou: “Ajudamos muita gente a comprar armas e munições. Quero que o brasileiro se arme. O povo armado jamais será escravizado”.

A primeira vez que Bolsonaro falou em armar o povo foi dentro de um quartel do Exército em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, seis meses depois de empossado na presidência da República.

Contra o regime militar de 64, a esquerda brasileira usou os slogans “O povo unido jamais será vencido”, “O povo organizado derruba a ditadura” e “Só povo armado derruba a ditadura”.

Feliz Natal para todos com o Bolsonaro que melhor lhe aprouver.


Eliane Cantanhêde: Mas vai melhorar...

Vacina, saúde, felicidade e esperança para a Nação, eficiência e responsabilidade para os líderes!

O melhor presente de Natal que Papai Noel pode embrulhar em esperança e otimismo para dar ao mundo é a vacina que salva vidas, economias e empregos. Mas os líderes políticos precisam colaborar, planejando, adquirindo e distribuindo com eficiência e responsabilidade as diferentes vacinas contra a covid-19, criadas em tempo recorde pela genialidade dos melhores cientistas e pelo compromisso dos melhores laboratórios de toda parte. É essa eficiência e essa responsabilidade dos líderes que andam em falta por aí, ou melhor, por aqui.

Em torno de três milhões de pessoas dos grupos prioritários já se vacinaram no mundo, mais de um milhão só nos Estados Unidos, inclusive o presidente eleito Joe Biden, mas o Brasil continua envolto numa nuvem de negacionismo, de um lado, e de afoiteza, de outro, deixando os cidadãos confusos, indecisos, descrentes. Esse é, ou seria, o pior dos mundos: ter vacinas, mas parte da sociedade se recusando a tomá-las.

O presidente Jair Bolsonaro só abre a boca para falar besteira, como aquele velho personagem de TV, e trabalha não a favor, mas contra a vacina, particularmente contra a vacina que já vem chegando ao País, a Coronavac. E o governador de São Paulo, João Doria, decidiu dar tiro no pé no final de um ano tão aterrorizante, quase no início de outro que pode ser a salvação da lavoura. Vá-se entender...

O governo federal errou na estratégia, se atrapalhou com prazos, pendurou equivocadamente todas as fichas numa só vacina, a AstraZeneca/Oxford, e agora tem dificuldades para ampliar negociações, por exemplo, com a Pfizer, que chegou primeiro no Reino Unido, nos EUA e por aí afora e está com a lista de encomendas congestionada.

Já o governo de São Paulo foi mais previdente, saiu na frente na parceria com a Sinovac da China e na articulação com o nosso Butantã e trouxe os primeiros lotes de vacina e de esperança ao Brasil, em torno de 10 milhões de doses para início de conversa. Mas João Doria, que colhia elogios por ter posto Bolsonaro contra a parede e chacoalhado o Ministério da Saúde, errou na pior hora.

Num dia, o governo paulista comunica ao distinto público que ninguém pode ir a lugar nenhum no Natal e no ano-novo. No dia seguinte, o governador quebra a regra e escapole para... Miami. Ninguém é de ferro e Doria teve um ano dificílimo, foi diligente, trabalhou incansavelmente e tem direito a um bom descanso. Mas política é símbolo. Sair no dia seguinte? Para Miami? Sem avisar?

Ficou a sensação, errada ou não, de que estava fugindo. Na boa, sempre está lá. Na dividida, larga na mão da equipe. Enquanto a mídia e as redes discutiam a ida e a volta de Doria, atingido em cheio também pelo teste positivo do vice Rodrigo Garcia, sua equipe inundava o País, Estados e municípios de frustração. Em vez dos relatórios sobre a Coronavac, só uma vaga declaração atestando a “eficácia suficiente” da vacina, seja lá o que isso signifique.

É assim que as doses de Coronavac chegam, mas a Anvisa, que estava a postos, ainda não começou a contar o tempo para a análise e a autorização de uso no Brasil, seja o emergencial, seja permanente. Notícia péssima para o País, para os cidadãos e para os Estados e municípios que já fecharam acordos para a vacina.

Bem... Hoje é Natal, dia de festa, alegria, amor e esperança. Hora de confraternização segura, sem aglomeração, sem embrulhar vírus para presente e sem jamais perder o otimismo, a crença na ciência, nas instituições, no nosso povo. A vida anda difícil, sim, mas vai melhorar, como conclama Martinho da Vila em Canta Canta, Minha Gente. E “amanhã há de ser outro dia”, já ensinava o grande Chico Buarque em outros tempos, também cabeludos. Feliz Natal!


Celso Ming: É a conexão 5G. Veja o que está em jogo

Os trâmites para a adoção do sistema 5G seguem a passo de tartaruga no Brasil, mas alguns avanços aconteceram há duas semanas

Mesmo cercada de polêmica, vem aí a conexão 5G. Esse não é um assunto para nerds, como parece. Então, convém entender melhor do que se trata.

Essa nova tecnologia promete produzir importantes melhoras na qualidade da conexão de internet, que vão acelerar o processo de digitalização da sociedade. Os trâmites para adoção do sistema no Brasil seguem a passos de tartaruga, mas alguns avanços aconteceram há duas semanas.

Um deles é de natureza técnica. Foi a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que reservou a faixa de 6 giga-hertz (GHz) para o uso exclusivo de conexões Wi-Fi. Essa faixa vai funcionar como auxiliar e  contribuir para que os celulares dos consumidores disponham da mesma velocidade obtida pelas operadoras de telefonia com a internet de banda larga, aquela contratada em casa. Hoje, as redes Wi-Fi podem manter conexões nas frequências de 2,4  e 5 GHz, que se encontram sobrecarregadas e tendem a prejudicar a qualidade de cobertura e de sinal pretendida com a nova geração de conexão móvel.

O 5G promete importantes vantagens para o consumidor: uma velocidade de conexão dez vezes maior do que a do 4G; continuidade de sinal e mais acesso, com diminuição das áreas de sombra (locais onde as redes apresentam ausência do sinal, como elevadores, túneis e áreas de difícil acesso); e diminuição do tempo de resposta da conexão (latência) entre um dispositivo e a rede.

A tecnologia já está em operação comercial em mais de 40 países, entre os quais Coreia do SulEstados UnidosChinaUruguai e África do Sul.

Por causa de suas características, espera-se que o 5G traga benefícios que favoreçam a economia digital e permitam avanços tecnológicos que intensifiquem a criação de cidades inteligentes por meio de soluções de IoT (Internet das Coisas, na sigla em inglês) e circulação de veículos autônomos. Para ter acesso aos avanços pretendidos pela nova geração de rede móvel, o Brasil ainda precisa fazer investimentos em infraestrutura e realizar o leilão das frequências que serão utilizadas no 5G – evento previsto para o fim do primeiro semestre de 2021.

São iniciativas que ficarão majoritariamente a cargo de capitais privados. Esses investimentos não terão capital de recuperação. Ou seja, as empresas do setor não poderão revender os equipamentos antigos para ajudar a cobrir os custos da substituição. E a incorporação do sistema no Brasil dependerá da demanda ou da oferta de serviços mais baratos, aponta Maurício Pimentel, professor e gerente de inovação da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Prodam).

Pimentel adverte que o poder público deve ter uma visão estratégica do desenvolvimento do 5G no Brasil  e se aliar à iniciativa privada de maneira a não restringir o acesso apenas aos centros urbanos, como acontece hoje com a conexão 4G. Nesse sentido, os avanços na economia digital a setem obtidos na agricultura poderão ajudar nesse processo de interiorização.

O outro tema vem sendo mais comentado na imprensa. Trata-se de superar a disputa geopolítica com os Estados Unidos no fornecimento de equipamentos pela China. O presidente Bolsonaro tem feito de tudo para fazer o jogo dos Estados Unidos e barrar o acesso do mercado brasileiro aos equipamentos da chinesa Huawei. O presidente Trump quer banir a Huawei sob alegação de que seus equipamentos embutem instrumentos de espionagem. A propósito, nada garante que equipamentos de outra procedência sejam isentos desse problema.

O Congresso Nacional criou recentemente grupos de trabalho para acompanhar as decisões do governo sobre o tema. O objetivo é evitar que decisões arbitrárias dificultem a competitividade nas telecomunicações, uma vez que a Huawei é responsável por parte das atuais redes móveis de 4G e 3G no Brasil. E há a questão de custos: a infraestrutura chinesa tende a ser mais barata.

Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não vê sentido em banir a chinesa Huawei no fornecimento de equipamentos de 5G para o Brasil: “Ainda não se provou nada contra a empresa e, apesar de a discussão sobre o controle de dados e espionagem ser fator relevante, todo mercado, e não só a Huawei, deveria ser submetido aos mesmos crivos nessa questão”. / COM PABLO SANTANA

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA


João Amoedo: ‘Voltamos três casas na ideia de renovação’

Para fundador do Novo, eleição de Bolsonaro provocou afastamento da política; empresário prega que sigla seja de oposição

Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

Fundador do Novo e candidato derrotado ao Palácio do Planalto em 2018, o empresário João Amoêdo, de 58 anos, defendeu em entrevista ao Estadão que o partido se assuma como oposição ao presidente Jair Bolsonaro para evitar que esse campo seja ocupado pela esquerda. Depois de receber 2,5% dos votos válidos, à frente de Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB) e Alvaro Dias (Podemos), Amoêdo viu o Novo eleger só um prefeito em 2020, em Joinville (SC), e sair fraturado da disputa na capital paulista após expulsar seu candidato, Filipe Sabará. Fora da direção do partido, Amoêdo ainda não decidiu se tentará novamente à Presidência em 2022 e avalia que é cedo para discutir nomes de centro para formar uma frente ampla. 

Como a bancada do Novo vai se posicionar na disputa pela presidência da Câmara? 

Estou fora da gestão do partido, mas me preocupa o Arthur Lira (PP) com essas propostas de se aproximar do PT e a promessa de combater a Lava Jato e mudar a forma de financiamento dos sindicatos. O Novo lançou o Marcel (van Hattem) antes, mas, neste momento, não está havendo essa discussão. Talvez a gente apoie um candidato que tenha uma postura mais ética e que coloque as pautas. O Congresso está muito omisso nessa última etapa e basicamente se preocupando com a eleição.

O Novo só elegeu um prefeito em 2020, em Joinville, e saiu fraturado da eleição na capital paulista. Qual foi o aprendizado?

O Novo é um ator mais importante nas eleições a nível federal. O partido não tem uma capilaridade muito grande pelo pouco tempo de existência. Dito isso, ficamos aquém do esperado. Teve um fator externo. Aquela onda de renovação que esteve muito presente em 2018 acabou sendo frustrada com a eleição do Bolsonaro. Ele se vendeu como um liberal com capacidade de entrega e alguém que representava a nova política, mas não era nada disso. Teve essa frustração e isso levou as pessoas a um certo afastamento da política. O Novo sofreu nesse cenário. Nós de fato representávamos uma ideia de renovação e o afastamento das pessoas enfraqueceu o discurso do Novo. As redes sociais, espaço onde o Novo cresceu, viraram um ambiente muito tóxico. 

Onde o partido errou? 

Houve um erro estratégico, que foi apostar, em algumas campanhas do Novo, que o Bolsonaro teria relevância e que não se opor a ele seria positivo. Isso tirou a unidade do partido porque não havia consenso sobre o governo Bolsonaro. O presidente não conseguiu transferir votos. A falta de um posicionamento de oposição tirou o protagonismo do Novo. É importante que o partido faça uma revisão disso para 2022.

O Novo então deve ir para a oposição?

Na minha avaliação, sim. Temos dois anos de governo já percorridos. Pelo fato de sermos independentes, temos mais credibilidade para o posicionamento do partido. O governo vai muito mal. Não dá para não ser oposição. 

Há uma divisão na bancada federal sobre essa posição? 

O Novo nasceu com o pressuposto de ser uma instituição. Os mandatários são importantes, mas não são eles que definem o posicionamento do partido. Quem define são os filiados e diretórios. A ideia é evitar que os políticos e mandatários definam a agenda do partido. O que falta é um posicionamento mais firme do partido em si. Com isso, os mandatários acabam tendo mais relevância no posicionamento em relação ao governo. Dentro das bancadas tem gente mais favorável e contra Bolsonaro. Isso não contribui com o fortalecimento da nossa marca porque mostra falta de unidade. 

O processo seletivo do Novo foi colocado em xeque com a escolha de Filipe Sabará como candidato em São Paulo?

Ali houve um erro, obviamente. Em qualquer processo seletivo se cometem alguns erros. O importante é que esses erros sejam poucos no geral. Ainda acredito que o processo seletivo é o mecanismo mais eficaz. O Sabará teve erros na questão do currículo. Faltou averiguação. Mas o partido precisa fazer uma discussão sobre a qualificação que vamos exigir para os que vamos lançar, especialmente no Executivo de grandes cidades e governos. Precisamos melhorar o processo. Tenho certa preocupação para 2022. Esse ambiente mais tóxico das redes sociais e a polarização diminuíram a predisposição das pessoas para ir para a área pública. 

Durante a campanha, Sabará, que acabou expulso do partido, acusou o sr. de ser um “cacique” que manda no partido mesmo fora da direção. Como recebeu essas críticas?

Isso não faz o menor sentido. Eu renunciei à presidência do partido três anos e meio antes de terminar o mandato para o qual fui eleito por unanimidade. Se eu quisesse mandar no partido, não teria deixado o cargo. Se de fato eu mandasse no Novo, algumas coisas seriam diferentes. Tenho cobrado do partido uma posição contrária ao governo. Essa é a maior prova que eu não mando no partido. O que aconteceu em relação ao Sabará, e isso está comprovado, é que ele teve problemas com o currículo. Quando as pessoas saem, preferem atacar do que reconhecer os próprios erros. 

A falta de um posicionamento mais incisivo do Novo e de outros partidos de centro contra Bolsonaro permitiu que a esquerda ocupasse o espaço? 

Não tenho dúvida e isso sempre me preocupa. Eu fazia esse comentário em 2018: a derrubada do PT e da esquerda não viria com a eleição do Bolsonaro. Falta aos partidos que não são da esquerda uma capacidade de se colocar como oposição. Mas oposição ao Bolsonaro não pode ser oposição ao País. São coisas distintas. A gente deveria ter uma oposição responsável, que apoie as pautas boas para o Brasil. 

Luciano Huck, Sérgio Moro e João Doria têm conversado sobre a formação de uma frente de centro contra Bolsonaro para 2022. Rodrigo Maia também apoia. O nome que pode aglutinar o centro está nesse grupo?

Acho difícil essas frentes amplas que nascem em cima de nomes em vez de pautas. São frentes que aparecem como amplas, mas cada um tem sua própria agenda. No final, elas pouco avançam. O Bolsonaro vai se enfraquecer ao longo do tempo. Por isso, uma frente se torna menos relevante. Acho difícil algum desses nomes abrir mão para o outro. 

O Novo terá candidato à Presidência em 2022? O sr. pretende entrar na disputa?

Não tenho participado do debate de estratégia no Novo, mas acho fundamental o partido ter candidatura. Eu estou mais propenso a não colocar meu nome. 

A eleição de 2020 reabilitou a política depois de uma onda de negação dos políticos? 

2018 foi um ponto muito específico. As pessoas estavam revoltadas com o PT e decepcionadas com o PSDB. Buscou-se então a ideia de renovação geral. As pessoas saíram frustradas. Houve uma decepção com a renovação. Voltamos três ou quatro casas na ideia de renovação. Houve uma certa reabilitação da política. 

Como avalia a guerra política entre Romeu Zema (Novo) e Alexandre Kalil (PSD)? O governador defendeu uma política mais flexível na pandemia.

Zema fez um bom trabalho em Minas. Essa disputa com o Kalil é uma prévia para 2022. O Kalil claramente tem uma posição de disputar o governo. Ambos têm feito um bom trabalho. Mas o Zema tem tido um posicionamento mais próximo e favorável do Bolsonaro.


Josilmar Cordenonssi: O (ex-) país do futuro não consegue superar a ‘década perdida’?

De acordo com projeções da FGV, esta década que termina agora em 31 de dezembro de 2020 apresentará um crescimento negativo do PIB per capita do Brasil em toda a série histórica que se tem deste indicador, superando a chamada “década perdida” dos anos 80. Usando os dados do Banco Mundial, naquela década, o PIB per capita do Brasil caiu 4,38% e nessa década, até 2019, já caiu 1,46%, como esse ano é esperado uma outra queda é possível ter um resultado ainda pior que o dos anos 80.

A década de 80 foi perdida por praticamente toda a América Latina, devido à crise da dívida externa e o forte ajuste de balança de pagamentos que foi exigido dessas economias, com maxi desvalorizações, queda de consumo e PIB. Nos anos 70, a grande maioria dos países latino-americanos eram governados por ditadores militares, cuja legitimidade estava baseada no crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, após os choques do petróleo em 73 e 79, esses países, em vez de deixar que as economias absorvessem esses choques recessivos, preferiram controlar o preço desta commodity artificialmente para que as economias não perdessem (tanto) o ritmo de crescimento, através de endividamento externo, com as bênçãos do governo americano. Os desequilíbrios da balança de pagamentos só cresciam.

Entretanto, com o segundo choque de petróleo a nova administração do Fed (Banco Central americano) deu um choque de juros em 1981, fazendo a taxa básica (federal funds rate, a Selic deles) sair de 11% para 20%, para combater a inflação de lá. Com isso, os países latino-americanos ficaram incapazes de pagar o serviço da dívida (pagar os juros) e ficaram insolventes, tendo que negociar os pacotes de ajuda com o FMI. Essa foi a principal razão para a década perdida dos anos 80.PUBLICIDADE

Com exceção de 2020, quando a pandemia provocou uma recessão em praticamente todos os países do mundo, o nosso desempenho pífio nesta década é fruto de erros de política econômica feitos por nós mesmos. Após crescer 7,5% em 2010, o Brasil tinha superado a crise financeira internacional de 2008, entretanto, o governo Dilma continuou a expandir as medidas de “contracíclicas”. O BNDES continuou recebendo aportes crescentes do Tesouro Nacional para financiar grandes empresas (“campeões nacionais”) a comprarem empresas estrangeiras, por meio de emissão de dívida pública. Foram feitas desonerações de encargos sociais na folha de pagamento de alguns setores, que até agora não foram revertidas, dada a força política desses setores junto ao Congresso Nacional. Além disso, houve ingerências indevidas no preço da gasolina, taxa Selic artificialmente baixa e consequente descontrole inflacionário. Tudo isso gerou forte incerteza na sustentabilidade da dívida, profunda recessão e que culminou no impeachment da presidente. O PIB per capita do Brasil em 2016 foi 8,57% menor do que o de 2013, quase o dobro da queda esperada para esse ano de pandemia.

Quando analisamos o crescimento do Brasil nos últimos 60 anos em relação à principal economia do mundo, os EUA, em 1960, o PIB per capita (em poder de paridade de compra) do Brasil era 22,86% dos americanos. Atingimos o ápice em 1980, 34,30% e voltamos praticamente ao mesmo patamar de 1960 em 2019, com 23,43%. Apesar de todos os avanços que tivemos nesse período, nós não conseguimos fazer o chamado catch up, isto é, não estamos conseguindo nos aproximar do nível de desenvolvimento dos EUA. Por outro lado, os países asiáticos estão sistematicamente conseguindo se aproximar dos países mais avançados. Por exemplo, a Coreia do Sul em 1960 tinha um PIB per capita de apenas 7,06% do PIB per capita americano, ou seja, menos de um terço do brasileiro. Em 2019, a Coreia esteve a quase 70% (exatamente 68,39%). Mas a Coreia não é um caso único, apesar de ser um caso espetacular. A Malásia saiu de 15,61% em 1960 para chegar a ter 45,36% do PIB per capita americano, em 2019. Enquanto os países asiáticos estão chegando ao futuro antes de nós, o Brasil ainda não superou a década perdida.

Para o Brasil encontrar o seu caminho para o desenvolvimento é preciso primeiro que o setor público deixe de ser um entrave ao desenvolvimento e passe a ser um parceiro do setor privado. Fazer reformas que ajustem as contas públicas para garantir uma taxa de juros baixa, deixando de competir (de forma desleal) com o setor privado pela poupança interna e externa já é um começo. E investir naquilo que é cada vez mais estratégico: capital humano, gente capaz de aprender, produzir e criar coisas diferentes. A sociedade, e não só o governo, precisa entender que investir em capital humano significa também garantir as mesmas oportunidades a todas as crianças, não importando se nasceram em um palacete ou na favela. Dar as mesmas oportunidades de competição para empresas de capital nacional ou estrangeiro, instaladas aqui ou alhures. Além disso, nós temos que ter políticas que protejam aqueles que se arriscam ao criar negócios. A destruição criativa faz parte de uma economia avançada e dinâmica, o risco é inerente ao capitalismo, portanto, quebrar e falhar, não deve ser punido como se o empreendedor fosse um bandido. O instituto da responsabilidade limitada tem que ser sagrado. Casos de suspeita de fraude devem ser investigados e punidos caso comprovados, mas têm que ser a exceção, não a regra.

Se a sociedade adotar esses valores, os futuros governos irão desenvolver políticas públicas alinhadas a esses valores e estaremos mais perto de encontrar um fast track rumo ao desenvolvimento econômico e social. Esses valores podem ser chamados de Liberalismo.

*Josilmar Cordenonssi Cia é graduado em Economia, mestre e doutor em Administração de Empresas. É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie


Luiza Nagib Eluf: Decoro parlamentar e o respeito às mulheres

O episódio filmado na Assembleia Legislativa paulista é vergonhoso para o seu autor

A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), durante sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo, foi atacada pelo colega deputado Fernando Cury (Cidadania), que passou as mãos pelo corpo da colega, apalpando seus seios. Tal violência sexual foi filmada pelas câmeras do plenário e, portanto, tornou-se inquestionável a ocorrência do crime. Indignada, a deputada reagiu proferindo palavras contundentes de repúdio ao ocorrido e pedindo as providências cabíveis da parte de seus pares, principalmente da presidência da Casa.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 215-A, diz: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena: reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave”.

Trata-se da importunação sexual, acrescida ao Código Penal pela Lei n.º 13.718/2018.

A imprensa divulgou que a deputada Isa Penna também registrou boletim de ocorrência contra o colega e representou junto ao Conselho de Ética da Assembleia pedindo que Cury perca o mandato.

Depois da publicidade sobre o ocorrido com Isa, ao menos outras quatro deputadas vieram a público, pelos meios de comunicação, denunciar importunações sexuais da parte de colegas. Foram elas Tabata Amaral (PDT-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Clarissa Garotinho (Pros-RJ). É de perguntar: o que acontece no Brasil para que o desrespeito à mulher seja tão grande e tão comum, apesar de todas as leis pátrias que asseguram a igualdade de gênero, impondo sanções cíveis e criminais a quem desrespeitar seus ditames? Que cultura é essa que incentiva o estupro e culpa a vítima pelas agressões que sofre?

Temos uma Constituição federal que proíbe todas as formas de discriminação e equipara explicitamente os direitos de homens e mulheres, assegurando o respeito e a convivência civilizada no País. Algo se passa, porém, para que as normas não sejam levadas a sério quando se trata de violência contra a mulher. A cultura patriarcal ainda tenta se sobrepor às normas legais, sacrificando a mulher não apenas em sua dignidade sexual, mas também em seu direito à própria vida. Não pode haver tolerância com eventos dessa natureza, os abusadores precisam ser severamente punidos.

Por outro lado, cabe às vítimas se munirem de coragem e fazer as denúncias relacionadas às agressões que sofreram. As leis estão a favor das ofendidas, não é necessário ter medo de recorrer às delegacias comuns ou especializadas – temos muitas Delegacias da Mulher pelo País. E além da polícia, também o Ministério Público atende mulheres vítimas de violência sexual, física, psicológica, moral e patrimonial.

O desrespeito aos direitos da mulher tem de acabar hoje, agora, neste minuto. Não deve haver tolerância alguma nessa área. E as vítimas não podem ter medo de tomar posição. Nesse particular, a deputada Isa Penna agiu muito bem e faz jus ao nosso aplauso.

A mulher que alega ter sido vítima de agressão sexual merece crédito. A probabilidade de ela estar mentindo é a mesma da vítima de roubo, por exemplo. Nos crimes patrimoniais, a palavra da vítima reveste-se de grande credibilidade. É ela que aponta o ladrão, o estelionatário, o sequestrador, etc. Os casos de crimes sexuais devem ser encarados da mesma maneira.

Sabemos que a sexualidade, no Brasil, ainda não é entendida, socialmente, como manifestação natural e espontânea do ser humano, mas sim como instrumento de poder, por meio do qual o homem procura exercer controle sobre o corpo da mulher. Dessa forma, a sexualidade é a arma usada para garantir a desigualdade das categorias sociais. O estupro e a morte são as manifestações extremas dessa desigualdade, que não é biologicamente induzida, mas socialmente construída.

A educação sexista fragiliza a mulher e a torna vulnerável às agressões, mesmo quando ela se encontra ocupando altos cargos na hierarquia social e política. Os ataques sexuais praticados cotidianamente no País são, muitas vezes, compreendidos e perdoados num meio social que autoriza o desrespeito a uma parcela significativa de sua população, incentivando manifestações de masculinidade fundadas na dominação.

Existem muitos grupos feministas atuando entre nós e a união de todas só pode levar ao sucesso. É imprescindível transmitir às mulheres que elas são fortes, basta que estejam juntas, solidárias e conscientes. Por outro lado, é igualmente importante educar os homens para a decência, o respeito, a tolerância e a dignidade. É extremamente relevante mostrar à população masculina que as mulheres não são objetos sexuais, disponíveis para qualquer incauto descontrolado que esteja em “estado de necessidade”. O episódio filmado na Assembleia Legislativa é vergonhoso para seu autor, que merece arcar com as consequências previstas em lei, a fim de que suas vítimas (a atual e eventualmente outras que ele tenha atacado da mesma forma) possam sentir que seus direitos foram, ainda que posteriormente, respeitados.


Fausto Macedo: Após liminar de Kassio, ‘fichas sujas’ vão ao TSE

Decisão do ministro Nunes Marques que esvaziou Lei da Ficha Limpa provoca corrida de condenados que tentam assumir mandatos em janeiro

Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, esvaziando a Lei da Ficha Limpa, provocou uma corrida de candidatos a prefeito e vereador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Depois que o magistrado concedeu uma liminar reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente, ao menos cinco candidatos já acionaram o TSE para conseguir ser diplomados e assumir o cargo, em janeiro de 2021.

Os pedidos aguardam uma decisão do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, responsável pelo exame de processos considerados urgentes durante o recesso do tribunal. Até agora, quatro candidatos a prefeito – de Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE), Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) – e um a vereador, de Belo Horizonte (MG), recorreram ao TSE para garantir a diplomação.

O entendimento de Nunes Marques vale apenas para políticos que ainda estão com processo de registro de candidatura, neste ano, pendente de julgamento no TSE e no próprio Supremo. A indefinição pode levar presidentes de Câmaras Municipais a assumir o cargo no lugar de prefeitos eleitos pelo voto popular.

Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância, há 11 anos, o prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), obteve 50,62% dos votos válidos nas urnas. Teve o registro da candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral goiano, mas perdeu no TSE, onde um recurso está pendente de análise.

“Se não houver diplomação do candidato eleito para o cargo de prefeito, o presidente da Câmara Municipal exercerá a chefia do Executivo, não obstante não tenha se candidatado nem tenha sido votado e eleito para o posto”, argumentou a advogada e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, defensora de Adair.

Após a decisão do Supremo, o líder comunitário Júlio Fessô (Rede), que disputou no mês passado uma vaga de vereador em Belo Horizonte, também acionou o TSE. O tribunal mineiro havia considerado inelegível o candidato, que foi condenado à prisão em 2006, por tráfico de drogas, e cumpriu pena até 2011. Agora, com base na decisão do Supremo, Fessô busca o aval da Justiça Eleitoral para ocupar a cadeira na Câmara Municipal.

Outro candidato que aguarda uma decisão do TSE é Cacique Marquinhos (Republicanos), vitorioso na disputa pela prefeitura de Pesqueira, no agreste pernambucano, com 51,60% dos votos válidos. Marquinhos, no entanto, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por causa de uma condenação pelo crime de incêndio, em 2015. O registro da candidatura foi negado pelo TRE pernambucano, o que levou o caso ao tribunal superior. O TSE informou que não vai se manifestar sobre o assunto porque “o tema está pendente de decisão definitiva do STF”.

No sábado, Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa, que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, além da lavagem de dinheiro, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas. Logo depois, a Procuradoria-Geral da República entrou com recurso contra a decisão.

Em entrevista à TV Justiça na última quarta-feira (23), o presidente do STF, Luiz Fux, disse que cabe a Nunes Marques analisar o recurso da PGR contra a decisão. “O presidente do Supremo pode muito, mas não pode tudo”, disse Fux, ao fazer o aceno ao colega.

Para a PGR, a decisão levou à quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral, já que o afastamento da Lei da Ficha Limpa vale apenas para os candidatos com registro ainda pendentes de análise no TSE e no STF.

“A decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram. Cria-se, com isso, um indesejado e injustificado discrímen, em prejuízo ao livre exercício do voto popular”, criticou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.


Folha de S. Paulo: Pandemia deixa efeito cicatriz e cria dois brasis, com retomada desigual

Paralisia por Covid-19 dificulta reinserção dos mais pobres e afeta futuro de alunos de escolas públicas

Eduardo Cucolo e Beatriz Montesanti, Folha de S. Paulo

Da mesma forma que a pandemia escancarou ainda mais as desigualdades no país, a recuperação da economia e a retomada das atividades também será desigual, principalmente por conta do que os economistas chamam de “efeito cicatriz” para alguns segmentos da população.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, as restrições impostas pela pandemia aceleraram uma transição em direção à economia digital, o que dificulta ainda mais a recolocação de pessoas com menor escolaridade e empresas com menos acesso à novas tecnologias.

Os dados mostram que pessoas com empregos formais sofreram menos que os informais e estão recuperando mais rapidamente seus postos de trabalho. A população mais jovem foi a que mais perdeu renda e horas de estudo. Famílias de regiões mais pobres que dependiam de idosos perderam sua principal fonte de renda.

“A mãe de todas as desigualdades é a desigualdade de educação, que vinha caindo há 40 anos. Isso não só foi interrompido, mas revertido pela pandemia. É uma cicatriz, que tem efeitos permanentes. O vento que soprava a favor começa a soprar contra. Isso vai deixar sequelas”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

Segundo a instituição, o tempo de estudo dos brasileiros caiu de 4 horas por dia para 2 horas e 23 minutos. Essa queda foi maior entre os alunos de escolas públicas, entre os alunos mais pobres, mais jovens e periféricos.

Alunos de escola pública de 6 a 15 anos estudaram 2 horas e 18 minutos na pandemia, enquanto os de instituições privadas tiveram 3 horas e 6 minutos de aulas. Entre as pessoas que recebem Bolsa Família, foram 2 horas e 1 minuto.

No Pará, 42% dos estudantes do ensino médio não estudaram porque não receberam material. Em Santa Catarina, eram 2%.

Os mais jovens, muitos deles estudantes, também são os que mais perderam renda do trabalho na crise atual. Para pessoas de 15 a 19 anos, a queda desses rendimentos foi de 34%.Na faixa de 20 a 25 anos, a perda foi de 25,9%. De 25 a 29 anos, 22,7%. Em todos os casos, acima da perda média de 18,7%.

“Esses jovens, que você pode chamar de geração Covid, foram os que mais perderam renda no mercado de trabalho antes da pandemia e, durante ela, continuaram sendo o grupo que perdeu mais”, afirma Neri.

“Isso gera um efeito cicatriz. Para as pessoas que param os estudos e vão para o mercado de trabalho em uma época adversa, o rendimento do trabalho deles, anos depois, e outros indicadores dessa geração, como o de violência, são afetados de forma mais permanente” 
Marcelo Neri, diretor da FGV Social

O diretor da FGV Social inclui também entre esses vulneráveis as famílias que dependiam de idosos que morreram em decorrência da Covid-19, principalmente no Nordeste e outras regiões mais pobres,
onde há o fenômeno das famílias estendidas, sustentadas boa parte por aposentados.

“Os idosos são o grupo que apresenta a maior taxa de letalidade, são as principais vítimas do ponto de vista sanitário. Em muitos casos eles eram arrimos de família. As pessoas que moravam com eles, esses órfãos da terceira idade, perdem uma fonte de renda além de perder o ente querido”, afirma Neri.

Kátia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, também afirma que a crise deixará sequelas para um grupo de jovens e crianças que terá mais dificuldade em ter acesso a melhores empregos no futuro.

Ela questiona ainda o conceito de recuperação econômica quando se fala na expectativa de um crescimento maior da economia no próximo ano, pois, para muitas empresas e pessoas, não haverá recuperação.

“Fala-se da recuperação da economia, mas ela não é para todos. É para aqueles que têm mais condições. Para aqueles que podem ter perdido um pouco, mas já recuperaram o que perderam e vão ganhar ainda mais, mas não para a maioria da população brasileira”, afirma Maia.

“Há uma perda já cristalizada para todos esses jovens e crianças que não tiveram a oportunidade ou não tiveram o direito de estudar como aqueles que estão em situação econômica e social melhor.”

A Oxfam afirma que seria importante manter e criar novos programas de apoio a essa população, que poderiam ser financiados por meio da taxação de empresas e pessoas físicas que tiveram ganhos elevados neste ano.

“Por tudo o que a gente vê do governo atual e do Congresso, a prioridade não está sendo o enfrentamento das desigualdades no próximo ano. Vamos ter muitos desafios e não há indicação do que vai ser a priorização orçamentária para tratar desses temas”, afirma Maia.

O pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Marcos Hecksher afirma que pessoas que têm problemas de empregabilidade durante crises costumam ter mais dificuldade de reinserção também.

Em muitos casos, esse retorno tende a ser mais instável, com maior probabilidade de entradas e saídas mais frequentes, além de dificuldade de alcançar melhores posições.

O pesquisador lembra que, pela primeira vez na história recente, o país chegou a ficar com menos da metade da população em idade de trabalhar exercendo alguma atividade.

“Fica o que a literatura tem chamado de efeito cicatriz. Tem alguns efeitos que ficam para o longo prazo, nas pessoas e nas empresas também. Essa cicatriz vai ficar para muita gente que foi afetada neste ano”, afirma Hecksher.

Ele diz ainda que o Brasil enfrenta uma dificuldade adicional nessa recuperação por ter ficado entre os piores países em dois indicadores, o de mortes por habitante e de queda na população ocupada.

“A gente tem um duplo problema maior do que o resto do mundo, mais mortes por habitante e mais perda de emprego do que a maioria dos países. E nós já estávamos em um patamar ruim no ano passado, vindo de uma recuperação tênue da crise anterior”, afirma Hecksher.

“Vai precisar de muita política pública para ajudar a recuperar esse espaço e evitar um aumento da pobreza e da desigualdade"
Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea

O economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e um dos formuladores do programa Bolsa Família, afirma que o Brasil terá o desafio de reinserir cerca de 25 milhões de pessoas no mercado de trabalho e que isso não poderá ser feito apenas por meio da geração de novos postos.

Segundo ele, é necessário pensar em programas com recursos públicos, que podem ser executados por meio de entidades do terceiro setor, por exemplo, para recolocação desses trabalhadores, além de um apoio adicional de suporte àqueles que não vão conseguir uma nova ocupação imediatamente.

“Não adianta só a economia brasileira se recuperar, precisamos de programas que vão ajudar e acelerar o processo desses trabalhadores voltarem a se inserir produtivamente na economia brasileira”, afirma Barros.

Ele também defende programas de apoio e assistência técnica a microempreendedores que terão de reerguer seus negócios afetados pela pandemia.

Para o economista, é necessário ainda reorganizar trabalhadores, de maneira a utilizar as capacidades que eles já possuem, mas em arranjos que sejam mais produtivos, como cooperativas certificadas por entidades públicas.

“Talvez mais importante do que dar uma nova formação para essas pessoas seja valorizar as competências que eles já têm.”

DESEMPREGADOS ANSEIAM POR VACINA PARA VOLTAR A TRABALHAR

Pessoas que ficaram sem ocupação durante a pandemia têm recorrido ao auxílio emergencial, que acaba neste mês, e à ajuda de entidades e governos que distribuem cestas básicas. Enquanto isso, esperam por uma normalização da economia que permita encontrar uma nova ocupação.

Moradora do Jardim Guarani, Joice Lopes, 33, comemora o primeiro dia de trabalho de seu marido como tapa-buraco da Prefeitura de São Paulo.

Já ela está desempregada há nove meses, quando foi dispensada do serviço de cuidadora de idosos. Um mês depois, descobriu que estava grávida da primeira filha, que vai nascer em janeiro. “A família queria deixar a senhora isolada e me mandou embora”, diz.

Dia 18, recebeu a última parcela do auxílio emergencial, e agora está atrás de outra fonte de renda para 2021. “Depois que a Naila nascer, espero voltar a trabalhar como atendente ou operadora de caixa.”

Ela está entre os 14 milhões de desempregados registrados pelas estatísticas do IBGE até novembro.

Outros 14 milhões não procuram trabalho e estão em desalento.

Maria Aparecida, 59, faz bicos de faxina, mas teve tendinite e não consegue trabalhar.

“Eu sou por conta, se eu não trabalho, não recebo”, diz, enquanto espera na fila para receber uma cesta básica na Brasilândia, zona norte de São Paulo. Ela vive com a filha, que trabalha em restaurante e ficou quatro meses parada durante a pandemia, recebendo apenas metade do salário. “É melhor do que nada. A cesta também ajuda, dá para mais de mês, mas depois a gente tem que se virar.”

Sheila Cavalcante, 39, se formou em pedagogia no final de 2019 e pretendia começar a atuar na área neste ano, mas a pandemia adiou os planos. Ela tem dois filhos pequenos e seu marido, que era registrado em uma marcenaria, foi mandado embora ainda em março, quando as medidas de isolamento começaram em São Paulo. Os dois se cadastraram para receber o auxílio emergencial, mas só ela recebeu o benefício.

“As escolas fecharam, não tem jeito. O auxílio ajudou, mas você deixa de pagar a internet para pagar a luz e água. A única esperança é sair essa vacina para voltar a trabalhar.”

Claudia Pereira, 37, trabalhava na faxina de uma ONG voltada para crianças que também fechou as portas. Desde então, sobrevive de bicos e correndo atrás de cestas. Também recebeu o auxílio emergencial do governo. “Vai tudo em comida, água e luz”.

Seu filho mais velho era motoboy em uma casa de churros, mas foi dispensado. “Um simples vírus acabou com tudo. Agradecemos a Deus pelo dia a dia, porque estamos com saúde, mas que ano que vem seja melhor, porque este foi perdido.”​


Míriam Leitão: Uma ajuda à mão invisível

Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias)

O economista Ricardo Paes de Barros enxerga uma desorganização tão grande na economia que o mercado sozinho não será capaz de ajustar. Por isso, defende que o Estado dê “uma mãozinha” à mão invisível. Em outras palavras, entende que é preciso não só gerar crescimento do PIB, mas criar programas de reinserção de mão de obra, para acelerar a volta ao trabalho da enorme massa de desempregados, subempregados e desalentados que cresceu durante a pandemia. Na educação, o setor também precisará de ajuda. O risco de evasão em todos os níveis de ensino será muito alto no ano que vem, especialmente no ensino médio, com impacto grande sobre a produtividade do país nas próximas décadas.

Paes de Barros acha que o auxílio emergencial teve pouco foco. Gastou em 10 meses o que seria gasto em 10 anos de Bolsa Família, mas sem fazer nenhum tipo de avaliação sobre a qualidade dessa despesa. Ele está preocupado com o fim do benefício a partir de janeiro, ainda mais com o aumento de casos da pandemia nesta virada de ano, que terá impacto sobre os serviços. Mas avalia que o governo precisaria concentrar esforços e despesas para fazer uma intermediação do trabalho, cruzando informações entre empregadores e empregados que possam gerar novas vagas.

— Precisaríamos chegar em janeiro com ajuda para 25 milhões, que são os desempregados, subempregados e desalentados. Não os 70 milhões do auxílio emergencial. Mas, mais importante do que isso, a gente precisaria criar apoio para que essas pessoas tenham emprego. A forma de fazer isso é com um programa nacional de reinserção do mercado de trabalho. Com uma intermediação eficaz, coordenada pelo governo federal, mas com participação do setor privado e capilaridade pelo país todo — afirma.

O economista defende a agenda de reformas, acha que o governo tem avançado em legislações infralegais, e diz que é crucial o programa de vacinação para superar a pandemia e voltar a ter um mínimo de normalidade na economia. Ainda assim, avalia que será preciso mais do que isso para lidar com o tamanho desta crise.

— É fundamental continuar com as reformas, parte fiscal, tributária, trabalhista, e resolver a crise sanitária. Mas isso só resolve se você acredita na mão invisível. A meu ver esta crise é tão grande que vamos precisar dar uma mãozinha. O teto de gastos é importante, mas o desafio aqui não é de dinheiro, é de organização e coordenação para um programa desse tipo.

Prioridade na educação

Paes de Barros não vê sentido no fechamento de escolas, ao mesmo tempo em que shoppings, bares e restaurantes estão abertos. A educação deveria ter sido a prioridade desde o início durante a pandemia. “Deveríamos estar trabalhando para retomar com a maior segurança possível a educação. Deixar o cérebro dessas crianças com as sinapses não se formando é um prejuízo maior do que o prejuízo econômico. Se for parar tudo, para tudo. Se não for parar, deveria ser a educação aberta. Obviamente com a devida proteção aos professores.”

Bolsas contra evasão

Um dos maiores desafios do setor de educação no ano que vem vai ser combater a evasão, especialmente no ensino médio. Ele defende a criação de bolsas de ensino e diz que será preciso também acolher os alunos, para que eles sejam reavaliados das perdas que tiveram em 2020, mas sem que isso gere um trauma que leve ao abandono escolar. “O esforço gigante é incentivar o aluno a voltar para a sala de aula, mas também será preciso trabalhar o acolhimento desse jovem. Saber receber, para que ele tenha uma sensação de pertencimento.”

Economia mais digital

O comércio chega a este Natal tendo atravessado barreiras que antes pareciam intransponíveis. Várias empresas conseguiram montar em tempo recorde um comércio eletrônico eficiente. As que haviam se preparado para isso, investindo em plataformas digitais eficientes, nadaram de braçada. Boutiques inventaram um modelo híbrido, de levar malas com produtos para seus clientes em isolamento. Houve muita perda, mas também muita criatividade. A economia depois da pandemia será muito mais digital.Essas mudanças, na visão de Paes de Barros, são também uma oportunidade e por isso ele defende a criação de programas para acelerar esse processo.


Quem é o profissional do futuro com novas formas de trabalho? Dora Kaufman explica

Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, pesquisadora da USP cita habilidades imprescindíveis

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A pesquisadora de impactos sociais da Inteligência Artificial Dora Kaufman diz que a crise socioeconômica provocada pela Covid-19 tornou visível a premência da sociedade em enfrentar desafios cruciais. “As mudanças na prática de negócios, provavelmente, consolidarão formas totalmente novas de trabalhar”, afirma ela, que é doutora em mídias digitais pela USP (Universidade de São Paulo), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Segundo Dora, as primeiras evidências sugerem que os empregadores devem acelerar a automatização, ampliando a possibilidade de uma ‘recuperação sem empregos’. “Além do deslocamento do mercado de trabalho, em paralelo, emerge inédita forma de relacionamento homem-máquina que demanda novas habilidades dos profissionais”, diz.

Em seu artigo na revista Política Democrática Online, a pesquisadora também afirma que documentos de políticas públicas de distintos países contemplam o desenvolvimento de habilidades como estratégico. “O profissional do futuro irá lidar com questões complexas e multidisciplinares, que requerem, além de conhecimentos técnicos, habilidades de lógica, análise crítica, empatia, comunicação e design”, explica.

De acordo com Dora, é um equívoco, amplamente difundido, considerar a automação ameaça apenas aos trabalhadores com baixa qualificação, que tendem a desempenhar tarefas rotineiras e repetitivas. “O avanço acelerado das tecnologias – particularmente os algoritmos preditivos de inteligência artificial – substituirá igualmente as funções cognitivas. A qualificação e requalificação dos profissionais é crítica para evitar o cenário de desemprego em massa e aumento da desigualdade”, alerta.

Ela cita, em seu artigo, relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em 21 de outubro de 2020, que analisa o cenário atual do trabalho impactado por “dupla interrupção”: a pandemia causada pela Covid-19 e o avanço da automação. Seu pressuposto, explica, é que o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades e capacidades humanas por meio da educação e aprendizagem são os principais motores do sucesso econômico, do bem-estar individual e da coesão social. “A escassez de habilidades e de competências compromete a capacidade das empresas de aproveitar o potencial de crescimento proporcionado pelas novas tecnologias”, pondera.

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