Day: dezembro 21, 2020

Fernando Gabeira: Uma vacina contra a estupidez

A dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu

Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond.

Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra.

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular.

Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação.

Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan.

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade.

A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação.

Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte.

A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias.

Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus.

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Chegamos ao fim de 2020

O controle da pandemia abrirá condições para promover as mudanças no funcionamento da nossa economia

Certamente 2020 entrará para a história como um dos anos mais difíceis vividos pela humanidade com o aparecimento de um vírus mortal que colocou em cheque parte do conhecimento acumulado nas últimas décadas. Este seu status deriva não apenas do número de mortes causadas pela covid-19 em todo o mundo, mas também por mudanças importantes do protocolo de funcionamento das economias nacionais. A chamada globalização, que era considerada o modelo mais eficiente para a economia mundial, terá que ser repensada em função dos riscos que a ultra mobilidade entre os mercados nacionais revelou agora.

Mas, nesta última coluna do ano, prefiro restringir minhas reflexões na evolução da economia brasileira neste período e, principalmente, o que esperar para 2021. A partir do momento em que foi possível entender a natureza da crise econômica provocada pela covid procurei centrar minha atenção nos seus aspectos estruturais de mais longo prazo, deixando a conjuntura para outros profissionais. Aprendi, ao longo da carreira profissional, que em momentos de crise grave é esta postura a mais adequada para fugir das armadilhas e ruídos do curto prazo. Relendo minhas colunas deste ano foi possível fazer uma linha do tempo da evolução de meu entendimento do que iríamos enfrentar.

Assim, propus na coluna de abril “Olhar com otimismo para 2021” em função das decisões tomadas rapidamente por governos e bancos centrais para enfrentar o pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo. A lição de 2008 foi aprendida e, desta vez, as ações previstas foram rapidamente aplicadas, e mesmo expandidas por outras medidas ainda mais heterodoxas. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria. O mesmo ocorreu aqui no Brasil, com um dos mais exitosos e eficientes entre os que foram acionados por países emergentes e mesmo os desenvolvidos.

Já em 15 de junho na coluna “Um segundo pacote fiscal“ ponderei que seria necessário a definição de um segundo pacote de estímulos fiscais de cunho keynesiano para fortalecer a recuperação da atividade econômica na parte final de 2020 e principalmente durante 2021. Mesmo no Brasil, com todas as dificuldades de lidar ainda com a fase de estabilização da pandemia, o governo Bolsonaro e o Congresso precisavam iniciar um debate sobre a questão de novos estímulos para enfrentar 2021. Esta questão continua presente mesmo depois que a recuperação mais rápida da economia em 2020 tenha ocorrido, reduzindo o escopo das medidas a serem tomadas.

Em julho, meu otimismo sobre o futuro estava descrito na coluna “A destruição criativa no pós pandemia”. Citei as ideias do economista Joseph Schumpeter em seu livro, “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, quando definiu o termo “destruição criativa” como um impulso fundamental para o motor do desenvolvimento econômico no mundo capitalista via inovações tecnológicas e de gestão das empresas”.

Em outras palavras, Schumpeter queria dizer que o sistema capitalista não acaba porque sempre se reinventa. Mas, para entender é preciso ter vivido algumas das crises que já ocorreram e ter sobrevivido a elas.

Hoje temos uma visão mais clara do que significa a expressão “destruição criativa” na crise atual com reflexões de vários analistas sobre o “boom” econômico que pode acontecer em função do choque positivo que terá a implantação de novas tecnologias a partir de 2021. Cito aqui artigo recente de Martin Wolf do Financial Times no qual aponta que a covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Este movimento será liderado por duas forças principais que já estavam em ação, mas que se intensificaram durante a pandemia: tecnologia e desglobalização,

Na coluna de novembro “O vírus contra-ataca” consolidei minha visão de que “a volta da atividade econômica no Brasil foi conseguida principalmente em função de uma expansão vigorosa - e eficiente - dos gastos do governo em um momento em que a arrecadação corrente de tributos era reduzida pela recessão. Portanto era natural - e necessário - que seu déficit fiscal tivesse um grande aumento no período mais agudo da crise. Somente com o retorno do crescimento econômico sustentado a partir de 2022 é que o governo poderá buscar uma situação orçamentária de superávits primários que estabilize a curva da dívida pública no futuro.

O objetivo destas minhas reflexões era o de enfrentar os argumentos dos economistas mais ortodoxos que pediam quase histericamente movimentos radicais para reduzir os déficits fiscais do setor público. Implícito nestas mensagens estavam as ameaças de um chamado “abismo fiscal” eminente e o colapso da rolagem da dívida pública. Hoje com a calma de volta aos leilões dos títulos públicos pela ação eficiente do Tesouro e Banco Central podemos esperar a volta do crescimento econômico para definir uma ação mais estruturada de medidas fiscais de controle da expansão dos gastos públicos.

Finalmente, agora com a definição pelo governo de um programa de vacinação racional e sem os preconceitos anteriores, temos a certeza de que o controle da pandemia abrirá condições para olharmos para a frente, cuidar das feridas da batalha e promover as mudanças no protocolo de funcionamento da nossa economia. Isto em um mundo que deve entrar em um período de crescimento mais forte puxado pela China e outros países da Ásia e as maiores economias ocidentais.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Bruno Carazza: Saúde, paz, união...e reforma tributária

Reforma tributária não vai sair se todos não cederem

Se acreditassem em Papai Noel, certamente a maioria dos empresários brasileiros desejaria o fim da pandemia e uma reforma tributária em 2021.

Enquanto escrevo este texto, às 16:39h de domingo (20/12), o Impostômetro calculado pela Associação Comercial de São Paulo indicava 1,987 trilhão de reais em tributos pagos neste ano - o que indica que provavelmente ao longo desta semana ultrapassaremos a marca de R$ 2 trilhões arrecadados pelos governos de todos os brasileiros. Trata-se de apenas um de vários indicadores de nossas distorções neste campo.

Pode-se criticar a metodologia de rankings de ambiente de negócios como o Doing Business, do Banco Mundial, ou o índice de competitividade do Fórum Econômico Mundial, mas ninguém discorda que o Brasil seja um dos países que demanda mais tempo e recursos humanos para o cumprimento de todas as exigências tributárias da União, 27 Estados e mais de 5 mil municípios.

Essa complexidade traz consigo uma alta litigiosidade, que congestiona o nosso Judiciário. De acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, apenas no ano de 2019 foram iniciados 5.168.177 novos processos envolvendo impostos, taxas e contribuições - um número que dá a medida da insegurança jurídica no país gerada pelo nosso sistema tributário.

Estimativas de especialistas indicam que em torno de 66% do PIB é alvo do contencioso tributário em nível administrativo (no âmbito das receitas dos três níveis federativos e conselhos de contribuintes) e judicial. São dois terços da produção anual do país que ficam empoçados enquanto não se decide se devem entrar nos cofres do governo ou serem liberados para investimento das empresas.

Qualquer pesquisa que se realize com empresários aponta uma concordância quase unânime de que é necessário reformar todo o sistema, buscando sua simplificação, desburocratização e aumento da competitividade e da transparência - além da redução da carga tributária, é claro.

O problema é que na cartinha para Papai Noel ou nos desejos de Ano Novo do empresariado brasileiro sobram pedidos e faltam compromissos.

Desde 19 de fevereiro uma Comissão Mista do Congresso Nacional discute as propostas na mesa: a PEC nº 45/2019 (“proposta Appy”), a PEC nº 110/2019 (baseada no trabalho do ex-deputado Luiz Carlos Hauly) e o PL nº 3.887/2020, encaminhado pelo ministro da Economia Paulo Guedes.

Ao longo dos últimos meses dezenas de audiências públicas foram realizadas e, a se contar pelas manifestações dos representantes dos principais setores da economia, os consensos se resumem aos seus objetivos gerais. Quando se desce às medidas concretas, é cada um por si e o diabo (que mora nos detalhes) por todos.

Todos querem simplificação de impostos, mas quando se trata de unificar as alíquotas, querem tratamento especial. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, defende alíquotas diferenciadas por atividades e produtos, assim como a manutenção do sistema cumulativo como opcional para empresas que trabalham com lucro presumido e prestadoras de serviços. Ora, se for assim, é claro que nosso carnaval tributário vai continuar.

A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) pretende fazer rabanadas sem quebrar ovos. No documento “Pilares para a Reforma Tributária”, ele exige que a reforma tributária não apenas mantenha a carga tributária global da economia, como também se comprometa a não elevá-la em nível setorial. Na sua lista de presentes para o bom velhinho há o abatimento de seus gastos com insumos e folha salarial no valor imposto agregado devido, mas tratamento diferenciado na tributação dos negócios em transportes e infraestrutura. Impostos seletivos? Só se forem para não onerar as transportadoras - um dos setores mais poluidores de nossa matriz econômica.

Ideais de justiça e igualdade são valorizados nas mensagens de final de ano, mas quando se trata de reformar o sistema, meu interesse vem primeiro. Em carta aberta enviada ao relator da Comissão de Reforma Tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), 45 associações de produtores rurais listaram os pleitos do agronegócio brasileiro. Entre elas, a manutenção da desoneração da cesta básica, a imposição de alíquota zero para os insumos agropecuários, tratamento especial para as cooperativas e exclusão dos produtores rurais inscritos como pessoa física.

As entidades filantrópicas, por sua vez, querem continuar a fazer o bem com o chapéu alheio. Um grupo de onze organizações representativas de entidades religiosas, de educação e saúde que se beneficiam de isenções fiscais lançou um manifesto contra a “taxação da solidariedade”. As intenções são as melhores possíveis, mas nenhuma palavra se vê sobre a necessidade de se separar o joio do trigo e dar o tratamento correto a atividades lucrativas travestidas de assistencialismo.

Numa velha tirinha do cartunista Bill Watterson, o garoto Calvin, de 6 anos, se pergunta como o Papai Noel consegue pagar os duendes e os brinquedos que ele distribui. Seu tigre de estimação, Haroldo, arrisca uma responda: endividando-se. O lobby em prol da desoneração da folha de pagamentos, que une setores tão díspares quanto a construção civil e a indústria de tecnologia da informação e o varejo, recebeu seu presente de Natal antecipado em novembro. “O problema é que, mais cedo ou mais tarde, a farra acaba e aí como é que eu fico?”, pergunta Calvin diante da perspectiva de ficar sem presentes no futuro.

Para terminar este texto pré-natalino com um pouco de poesia, fica a dica de Drummond para o empresariado brasileiro (e para cada um de nós): “Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Moisés Naim: Trumpismo sobreviverá

Trump será o primeiro presidente dos EUA a ter um movimento político de massas com seu nome, como Mao Tsé-tung e Chávez

Os seguidores mais entusiasmados de Mao Tsé-tung, Juan Domingo Perón, Charles De Gaulle, Fidel Castro e Hugo Chávez deram lugar a movimentos políticos mais duradouros do que os líderes que os inspiraram.

Donald Trump será o primeiro presidente dos EUA a ter um movimento político de massas com seu nome. O trumpismo – caracterizado por sua retórica combativa contra elites e imigrantes, seu nacionalismo nostálgico, sua tendência autocrática e sua manipulação narcisista da mídia – tem muito em comum com movimentos políticos que adotaram o nome de seu líder. O trumpismo terá, portanto, uma vida longa e transcenderá Trump.

Alguns desses movimentos tiveram influência internacional, como o maoismo, enquanto outros eram predominantemente regionais, como o castrismo cubano, e alguns eram puramente nacionais, como o gaullismo francês e o peronismo argentino.

Esses movimentos têm muitas semelhanças: a transgressão rotineira das normas políticas estabelecidas, o oportunismo descontrolado, a propensão ao autoritarismo, o anti-intelectualismo e a hostilidade a regras e instituições que limitam a concentração de poder no Executivo são apenas algumas. O mesmo ocorre com a feroz inimizade contra rivais que não são vistos como compatriotas de ideias diferentes, mas como inimigos mortais.

As ideologias desses movimentos se revelaram de uma maleabilidade peculiar: o maoismo foi usado para legitimar o totalitarismo comunista de suas origens e, décadas mais tarde, para apoiar a abertura econômica que criou o atual modelo capitalista chinês. Na França, o gaullismo serviu para justificar o nacionalismo espinhoso do general De Gaulle e, posteriormente, o centrismo democrático de Jacques Chirac.

O peronismo argentino tornou-se famoso por sua plasticidade: originalmente justificou o fascismo “light” de Juan Domingo Perón e, décadas depois, as reformas neoliberais de Carlos Menem para, mais tarde, servir de base ao populismo de esquerda de Néstor e Cristina Kirchner. Na Venezuela, o chavismo transformou o país mais rico da América Latina em um dos mais pobres, mas pesquisas de opinião revelam que metade da população apoia Hugo Chávez, morto em 2013.

O trumpismo está prestes a entrar nesta lista, independentemente dos problemas jurídicos e políticos que afetarão Trump nos próximos anos. Com ou sem Trump, o trumpismo continuará. O movimento terá mais ou menos sucesso político, mas suas estratégias, táticas e truques para ganhar e manter o poder perdurarão.

Com suas ações e indiscutíveis sucessos políticos, o 45.º presidente dos EUA revelou ao mundo que é possível chegar ao poder fazendo e dizendo coisas que nenhum político ousou antes. Rotular imigrantes mexicanos como estupradores ou colocar crianças imigrantes em jaulas, insultar seus rivais ou outros chefes de Estado, mentir rotineira e abertamente e fazer o que é necessário para ampliar as divisões sociais existentes ou criar novas fontes de polarização e agitação social são coisas que não tiveram custo político para Trump. Ao contrário: permitiram que ele chegasse à Casa Branca e fosse o candidato mais votado da história dos EUA – depois de Joe Biden.

Inúmeros imitadores de Trump aparecerão nos próximos anos. Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, a quem seus seguidores chamam de “Trump dos trópicos”, é um de seus primeiros e mais bem-sucedidos imitadores. E, nos EUA, haverá uma multidão de candidatos que se declararão trumpistas, mas terão o cuidado de evitar as políticas catastróficas.

No curto prazo, o mais importante é o papel que Trump terá como líder da oposição ao governo Biden. Uma vez fora da Casa Branca, o ex-presidente deve se defender da avalanche de ações judiciais. Terá de passar muito tempo com seus advogados, juízes e promotores.

Simultaneamente, estará captando recursos, consolidando a máquina do trumpismo e uma plataforma de mídia semelhante à Fox News. Ao mesmo tempo, estará lutando pelo controle do Partido Republicano. 

A incerteza política continuará a reinar nos EUA. O certo é que Trump tem agora um movimento político de massas que servirá de base para que ele siga lutando para reconquistar o poder. Que seja. / Tradução de Augusto Calil

*É escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment


Almir Pazzianotto Pinto: O ministro, a economia e o desemprego

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho Bolsonaro terá poucas chances em 2022

Dentro de alguns dias o governo Bolsonaro completará dois anos. Metade do mandato foi consumida com providências mal alinhavadas para a retomada do crescimento. Incorrigíveis otimistas falam em recuperação da economia, embora admitam que os resultados são inconvincentes. É o que mostram as estatísticas sobre desemprego.

Há contradição em termos quando se fala em crescimento do produto interno bruto (PIB) se índices oficiais revelam que o desemprego atingiu no último trimestre 14,6% e pode chegar a 17% em 2021. Afinal, ninguém ignora que o mercado de trabalho é o espelho da economia.

As maiores taxas de desocupação registram-se na Bahia, 20%, em Sergipe, 19,8%, Alagoas, 17,8%, Amazonas, 16,5%, e Rio de Janeiro, 16,4%. São Paulo, o Estado mais populoso e desenvolvido, segundo o IBGE tem 13,6% de desempregados. Os menores índices pertencem a Santa Catarina, 6,9%, Paraná, 9,6%, e Rio Grande do Sul, 9,4%. Segundo as mesmas pesquisas temos 5,9 milhões de desalentados, que abandonaram a ideia de recolocação.

A responsabilidade pela crise não pode ser atribuída apenas ao presidente Jair Bolsonaro. É indesmentível, porém, que se aprofundou, turbinada pelo ambiente político e pela pandemia de covid-19, cujas extensão e gravidade não consegue entender. Em 1.º/1/2019, quando tomou posse, o Brasil já se achava em situação pré-falimentar. A presidente Dilma Rousseff foi deposta pelo descalabro da economia, com inevitáveis repercussões nas contas públicas e privadas. Não o foi pelas pedaladas. Incapacidade administrativa, embora em elevado grau, não bastaria para despojá-la de mandato obtido nas urnas em eleições democráticas. O País, todavia, já não se conformava com a inépcia governamental. Embora incompetência não seja crime, o despreparo de Dilma, motivo geral de chacotas, combinada com forte dose de arrogância, colaborou de forma decisiva para enquadrá-la no artigo 85, V, da Constituição.

Jair Bolsonaro, capitão de Artilharia e deputado federal com vários mandatos, passou a ser olhado como tábua de salvação. Para a vitória sobre Fernando Haddad contribuíram o temor ao Partido dos Trabalhadores, a inconsistência dos adversários e a punhalada em Juiz de Fora, impedindo o debate revelador do viés autoritário e a demonstração de precária base política e intelectual.

Dentro da situação caótica em que se encontrava o País, o presidente Bolsonaro buscou economista de renome para responder pelo Ministério da Economia, ao qual incorporou o arruinado Ministério do Trabalho. Após alguns meses de prestígio, o ministro Paulo Guedes se enfraqueceu por se revelar incapaz de revigorar a economia e de enfrentar as questões sociais. Permanece empenhado em conseguir o equilíbrio das contas públicas, meta inalcançável em período de pandemia. O primeiro parágrafo de editorial do Estado é certeiro e definitivo: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá” (25/11, A3).

Afinal, dirá alguém, o que tem que ver o ministro Paulo Guedes com o mercado de trabalho? Tudo. Geração de empregos é problema econômico que não se resolve ao sabor do acaso. Depende de pesados investimentos públicos e privados, internos e vindos do exterior. Exige meticuloso planejamento em médio e longo prazos, ainda que ao preço de alterações nas legislações trabalhista e tributária e da Constituição federal. O Ministério da Economia é fundamental para a geração de desenvolvimento e emprego. Mal conduzido leva o País à ruína, como mais de uma vez aconteceu.

É impossível a rápida abertura de vagas para 15 milhões de desesperados e 6 milhões de desalentados, que desistiram de gastar dinheiro à procura de serviço. Se conseguirmos superávit anual de 2 milhões, meta difícil de ser atingida em clima de pandemia, levaríamos uma década para reduzir o desemprego a índices civilizados.

O que nos aguarda em 2021? Se houver vacina eficaz no volume necessário e o presidente abandonar a postura negacionista, menos mal. Até lá, porém, medidas obrigatórias de isolamento social retardarão a retomada das atividades econômicas e manterão o desemprego em níveis elevados.

O período natalino está às portas. Como celebrarão as festas de Natal e de ano-novo os desempregados, os desalentados, os empresários quebrados e a classe média empobrecida? O comércio aguarda avidamente consumidores com o dinheiro do 13.º salário para gastar. Encerradas as compras de final de ano, não se sabe como reagirá a economia no primeiro trimestre de 2021, com o andamento dos meses de recesso.

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho o presidente Jair Bolsonaro terá poucas chances de se reeleger. Às oposições compete valer-se das experiências deixadas pela fragmentação partidária. Se desejarem vencer em 2022, devem construir frente única em torno de candidato honesto, experiente, viável e com perfil popular, capaz de derrotar o sectarismo bolsonarista e a máquina governamental.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


Celso Rocha de Barros: Apoio da esquerda ao grupo de Maia foi uma decisão acertada

Aliança multipartidária é reação correta à escalada autoritária bolsonarista

Os partidos de esquerda estão de parabéns por terem decidido apoiar o grupo de Rodrigo Maia na eleição para presidente da Câmara dos Deputados. A aliança recebeu o nome de União da Democracia e da Liberdade.

A esquerda brasileira tem diferenças legítimas com o centro e a direita. Os últimos cinco anos, em especial, causaram feridas profundas, que vão exigir tempo e diálogo para cicatrizar.

Mas a esquerda não é mais o PT dos anos 1980, uma voz de protesto sem acesso ao poder. Depois de 13 anos na Presidência, a esquerda é um dos pilares da democracia brasileira, uma das forças responsáveis por sua preservação.

Tem grandes partidos, grandes lideranças, um legado —do SUS ao Bolsa Família, passando pelos direitos LGBT e pelas cotas para negros e negras nas universidades, da preservação da Amazônia aos sucessos educacionais de Ceará e Pernambuco.

A esquerda é grande o suficiente para fazer diferença na hora de recolocar a democracia de pé. É do interesse dos trabalhadores que ela seja recolocada de pé.

E o outro cara é o Jair.

O Jair é o Brasil sem vacina, com 180 mil famílias brasileiras de luto. É o risco permanente de golpe, é a guerra contra a liberdade, é o ódio às mulheres, aos negros e aos LGBT, é o elogio a Ustra no dia do impeachment, é o palhaço da Fundação Palmares ofendendo Zumbi, Marina e Benedita, é o cara que demitiu dois ministros da Saúde durante a pandemia, que desmoralizou os militares, que fez do Brasil um pária entre as nações.

As diferenças programáticas entre os membros da aliança continuam existindo, mas atenção: deixar Bolsonaro vencer no Congresso não trancará as pautas econômicas liberais, mas destrancará as autoritárias.

A aliança é a reação correta à escalada autoritária bolsonarista, ao contrário da manobra desastrada para permitir a reeleição de Maia e Alcolumbre, felizmente derrotada.

Nos dois casos, a preocupação era a mesma: a certeza generalizada de que Jair é golpista. A turma pode fingir que não, mas todo mundo viu Bolsonaro tentando o autogolpe em 2020. Mesmo assim, driblar a Constituição teria sido fazer o jogo de Bolsonaro.

Reunir os democratas, por outro lado, é injetar na democracia brasileira a marra de que ela anda precisando.

Resta saber o que os bolsonaristas vão fazer diante da nova frente. A única certeza é que, seja o que for que fizerem, vai ser sujo. Nos próximos meses, o Orçamento público será para o centrão como água benta da porta da igreja: quem for chegando, vai passando a mão.

Bolsonaro também deve ressuscitar a retórica do “eu contra o sistema” para reagir à união dos democratas. Era mais fácil quando não era “eu e o centrão contra o sistema”, mas talvez alguém acredite.

Também deve atacar a turma do Maia por se aliar à esquerda, deve chamar todos os homens de pedófilos, todas as mulheres de putas, aquele stand up que bolsonarista faz em vez de comprar vacina.

A aliança formada para a eleição da Câmara será permanente? Não. Tem chances de se converter em aliança eleitoral em primeiro turno em 2022? Não. Isso importa? Não. A luta programática continuará daí em diante, cada um do seu lado, democraticamente.

Por outro lado, a aliança aumenta a probabilidade de Bolsonaro perder a eleição no segundo turno em 2022? Sim. Repita esse “sim” em voz alta para você ver que beleza, que coisa linda.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Ricardo Noblat: Taokey, Jair Bolsonaro, você venceu!

Sociedade com o vírus pouco custou ao presidente até agora

Morreram quase 187 mil pessoas? Mais de 7 milhões foram infectadas? E daí? Quem tiver que morrer, morrerá. A pandemia só chegará ao fim depois que o vírus contaminar mais de 75% da população. É assim que o presidente Jair Bolsonaro sempre pensou desde quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, o pressionava para combater a pandemia. E assim será.

O governo não tem pressa em comprar vacinas. Ou melhor: gastar com vacinas, seringas, agulhas. Foi o próprio presidente da República quem o disse numa conversa com seu filho Eduardo, o Zero Três, deputado federal, lobista de empresas americanas de armas, o embaixador do Brasil em Washington que tentou ser, mas deu ruim. A natureza de Bolsonaro não mudou nem mudará.

Só tirou Abraham Weintraub do Ministério da Educação porque se sentiu ameaçado por um processo de impeachment. Weintraub havia sugerido a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, “esses vagabundos”. Como prêmio de consolação, ganhou uma diretoria do Banco Mundial nos Estados Unidos. Salário em dólar. Aí começou a farsa de que Bolsonaro iria trocar de pele.

Dizia-se que, assustado, ele aprendera a respeitar a Justiça e o Congresso, escolhera o diálogo como principal instrumento de governo e decidira compartilhar o poder com os partidos. Tudo como fizeram seus antecessores. Finalmente, um presidente normal, e não um destruidor do sistema como ele se pretendia. A democracia estava salva. Aleluia, irmãos! Deus é pai!

Mas no final de maio último, Fabrício Queiroz, amigo há 40 anos de Bolsonaro, designado por ele para tutelar Flávio, o Zero Um, na Assembleia Legislativa do Rio, foi descoberto e preso numa casa no interior de São Paulo do advogado Frederick Wassef. Advogado de quem? Ora, de Flávio e do seu pai, embora os dois jurem de mãos postas que jamais souberam que Wassef escondia Queiroz.

Então o presidente normal ou normalizado reuniu ministros militares e anunciou que estava disposto a fechar o Supremo Tribunal Federal. Para tanto, talvez bastasse um cabo e dois soldados como Eduardo sugeriu. Não houve golpe porque, consultados, os chefes das Forças Armadas tiraram os deles das seringas. É no que dá ser um país de maricas…

Até o momento, não há plano estratégico do Ministério da Saúde para o enfrentamento da segunda fase da pandemia do coronavírus, concluiu uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União e apresentada no dia 8 deste mês. Falta a entrega de equipamentos de proteção individual, respiradores, kits de testes e sobram irregularidades em contratos assinados.

Não haverá vacina para todo mundo como Bolsonaro tem prazer de repetir. Estados Unidos e Inglaterra já começaram a vacinar. Chile e Colômbia começarão a vacinar em janeiro. A Índia prevê que terá vacinado 300 milhões de pessoas até agosto. É mais gente do que há por aqui. Bolsonaro tem 20 bilhões de reais para arcar com tudo isso, mas prefere pôr em dúvida a eficácia das vacinas.

Em poucos dias, 59 milhões de brasileiros deixarão de ter direito ao auxílio emergencial criado para atenuar os efeitos da pandemia. Isso quer dizer que, dos 68 milhões que receberam o auxílio de abril para cá, apenas os 19 milhões inscritos no programa Bolsa Família continuarão a contar com alguma ajuda do governo. Sem o benefício, 24 milhões de brasileiros voltarão à pobreza extrema.

E daí? E daí que Bolsonaro está pouco ligando porque para ele vidas pouco importam. Está mais preocupado em eleger os próximos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para poder aprovar, ali, propostas que lhe assegurem o apoio da parcela dos brasileiros, estimada em mais de 50%, que o isenta de responsabilidade pelas mortes que o vírus provocou.

Uma vez que preserve o apoio da metade dessa parcela, terá lugar garantido no segundo turno da eleição presidencial de 2022. E aí seja o que Deus quiser.


Juan Arias: Sadismo de Bolsonaro com a vacina chega ao limite da loucura

O presidente é um caso único no mundo em meio à tragédia que vive. Chegou a caçoar de quem toma a vacina, dizendo entre gargalhadas que as pessoas “vão virar jacarés”

Enquanto o mundo inteiro sonha com a vacina como única solução para sair do pesadelo em que vive, o presidente Jair Bolsonaro zomba dela publicamente. Assim como no início da epidemia ele ria dizendo que era apenas uma “gripezinha”, que já fez quase 200.000 mortes, agora ri da vacina com seu sadismo habitual que parece gozar com a dor das pessoas. Acaba de dizer que “não haverá vacina suficiente para todos”. Além disso, acrescentou, não faz falta porque “a epidemia está acabando”. Ele não entende que o mundo inteiro está preocupado porque a segunda onda da covid-19 já chegou com uma virulência 70% maior, o que levou as autoridades mundiais a afirmar que em janeiro, depois das festas, a epidemia poderá ser assustadora. Por isso, na maior parte do mundo, as autoridades proibiram as festas públicas de Natal e de fim de ano.

E o pior do presidente brasileiro é que, enquanto o mundo está em pânico com o crescimento da pandemia que está amargando o fim de ano em que todos nós sempre desejamos um ano melhor, ele não só continua negando as evidências como até se concedeu a liberdade de fazer piadas homofóbicas sobre a vacina. É um caso único no mundo em meio à tragédia que vive. Chegou a caçoar de quem toma a vacina, dizendo entre gargalhadas que “nascerá barba nas mulheres”, que os homens “vão começar a falar fino” ou que as pessoas “vão virar jacarés” .

Que Bolsonaro carece completamente não apenas de empatia com a dor alheia e com aqueles que sofrem já não é um mistério. Ele vai além, a ponto de parecer simplesmente insensível às lágrimas das pessoas. Isso está levando não poucos psiquiatras a pensar que se acumulam nele vários problemas de tipo psíquico e até de psicopatia que o tornariam alguém inviável para dirigir o país.

O presidente do Câmara, Rodrigo Maia, o acusou publicamente de “mentir” à nação, o que em qualquer país civilizado seria motivo para retirá-lo do cargo. E não é que minta todos os dias, mas que tenha feito da mentira uma de suas armas de defesa.

Bolsonaro, como um obsessivo, segundo os analistas políticos, hoje tem apenas duas preocupações: salvar os filhos e a família das graves acusações de corrupção e se reeleger em 2022. Todo o resto —a crise econômica, o aumento da fome no país, a dor dos que morrem na epidemia— não lhe interessa. Nesse caso, ele chegou a usar a Abin, a agência de inteligência brasileira, para sua defesa, algo que em qualquer democracia normal seria um crime imperdoável.

Enquanto isso, e para se blindar contra um impeachment, está sendo criada uma couraça de defesa que engloba todas as forças de segurança do Estado. Ele encheu de privilégios todos os segmentos da polícia e do Exército e até das milícias que sempre estiveram ao seu lado.

Na sexta aconteceu uma cena terrível. Ele fez um discurso feroz contra os meios de comunicação aos comandantes da Polícia Militar. Disse-lhes que a imprensa e as televisões independentes estão todas contra eles, que são seus maiores inimigos, tentando desprestigiá-los perante toda a polícia, a qual encorajou a buscar informações nas redes sociais porque os meios de comunicação estão contra ela, só mentem e são seus piores inimigos.

Desta forma, e com seu amor quase sexual pelas armas, Bolsonaro está se preparando para que em um momento de desespero possa recorrer às Forças Armadas em sua defesa, enquanto continua defendendo a ditadura. Acaba de dizer que nas prisões da época até os terroristas “eram tratados com respeito”. Nada de novo, pois, desde que era um obscuro deputado, defendia a tortura e se acaso acusou a ditadura foi por ter perdido tempo torturando, já que o que deveria ter feito era simplesmente “matar”. Os sentimentos de Bolsonaro desaguam sempre no culto às armas, no ódio à democracia e no desprezo pelas liberdades. Todos os ingredientes dos velhos caudilhos.

Há quem tema que Bolsonaro, incomodado com as instituições independentes da República, esteja cansado de ter que harmonizar seu Governo contando com elas.

A crescente desconfiança em relação aos demais Poderes do Estado, que ficou clara em suas turbulentas relações com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso, aos quais desejaria ter a seus pés e que já ameaçou fechá-los, revela que sua própria essência de político é ter um poder absoluto com as instituições a seus pés.

Nasce daí nos analistas políticos o temor de que, se as forças democráticas não se unirem em 2022 para tirá-lo do poder, seu segundo mandato poderá ser muito mais autoritário e ele até poderia aproveitar para dar um golpe com o qual sonha desde que chegou ao poder sem perceber que na política não se pode trabalhar como nos quartéis.

A política é a arte do compromisso e conjugar a liberdade das diferentes instituições, caso contrário é a morte da democracia. E Bolsonaro sempre foi alérgico a mediações e a saber conviver com o diálogo.

Com tudo isso, se começa a pensar que se o presidente continuar em seu atual mandato a boicotar abertamente as instituições, com ausência de empatia com as dores da nação, trancado em seu labirinto de autoritarismo e mentindo como até agora, as outras instituições democráticas deveriam começar já a buscar uma forma de retirá-lo de um poder para o qual nestes primeiros dois anos de mandato está se revelando totalmente incapaz, causando um caos com seu Governo negacionista em todos os espaços.

O Brasil é maior que seus políticos. É um país que merece respeito e não pode estar nas mãos de uma pessoa que humilha todos os dias o seu povo, que mente com a maior desenvoltura, que não é capaz de organizar a economia, que ignora os problemas estruturais do país. Um presidente que zomba dos direitos humanos, que mente com o maior descaro e continua a caçoar do racismo estrutural de que o país ainda sofre, bem como dos direitos da mulher, e que não demonstrou num só instante um sentimento de compaixão com a perseguição aos diferentes e a todos aqueles que o capitalismo insensível está arrastando todos os dias para a pobreza, a fome e a violência.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.


Cacá Diegues: O Natal do menino Brasil

Nunca fomos o paraíso anunciado, enganamos todo mundo

Não se pode deixar de reconhecer que, vítimas de um equívoco, fomos meio largados no mundo por quem financiou a nossa “descoberta”. Nos primeiros anos depois de Cabral, os reis de Portugal nos ignoraram, mais preocupados com o fim da Inquisição que os havia tornado decisivos nos costumes da Idade Média europeia, encerrada com os huguenotes de Lutero e Calvino na fogueira.

Fomos colonizados por pés-rapados, valentes aventureiros, sonhadores que não tinham nada a ver com a tensa elite lusitana. Queriam era atravessar o Mar Tenebroso e chegar ao Novo Mundo para começar vida nova em nome de Cristo e do futuro financeiro da família. Só pensavam em encontrar terras cultiváveis, madeiras de valor como o pau-brasil, escravos indígenas a mancheias, valores que os tornariam quem sabe até festejados pela sociedade europeia que respirava uma Renascença iluminista, os novos tempos.

Com a Independência e o Império dos dois Pedros, depois que, em 1808, dom João VI fugira de Lisboa com amigos e familiares para não ter que enfrentar a ocupação francesa de Napoleão Bonaparte, o Brasil foi obrigado a descobrir (ou a escolher) quem era. O príncipe fujão criara o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com capital no Rio de Janeiro, e foi daí que, preocupados com o futuro, começamos a construir nosso passado. Um passado de fantasias, criado por intelectuais e artistas submetidos às ideias do imperador.

Dom Pedro II encomendara a Victor Meirelles a tela que se tornou famosa e popular da “Primeira Missa no Brasil”, uma espécie de nascimento do Brasil (ou o Natal do menino Brasil), concluída em Paris. No quadro, a chegada dos europeus à Bahia era um amável encontro de raças e costumes. Nada mais distante das invasões bárbaras do século XVI e dos genocídios que então passaram a ocorrer. A outro jovem, Pedro Américo, o imperador encomendara outra tela, igualmente popular e famosa, a reprodução do Grito de Independência protagonizado pelo pai do produtor, dom Pedro I. Nada do que está ali corresponde ao que de fato acontecera, Pedro Américo apenas copiava a grandeza e o espírito de exaltação de uma tela de Ernest Meissonier, pintor na moda, em homenagem a Napoleão Bonaparte e seu exército.

As duas obras foram concluídas e expostas ao público de Paris e do Rio na primeira metade da década de 1860, no auge do sucesso político de dom Pedro II e seus ideólogos, como José de Alencar, ou militantes, como Manuel Antônio de Almeida. (Por pura distração, no artigo da semana passada, troquei a tensão paradisíaca da Missa pela proclamação política do Ipiranga, trocando o nome de um pintor pelo do outro, pelo que peço desculpas ao eventual leitor.) Nas duas obras, dom Pedro II e seus artistas pretendiam unir todas as classes num país que deixava de ser formalmente uma colônia. A base dessa narrativa está no livro que já citei aqui, “A conquista do Brasil”, de Thales Guaracy, da Editora Planeta, de São Paulo.

O Brasil não gosta de seu passado, e sempre achamos que não temos direito a futuro nenhum. Para disfarçar, mentimos alegremente sobre o que somos e o que queremos ser. Nunca fomos o paraíso anunciado, enganamos todo mundo com pandeiros, palmeiras e sabiás, com nossos carnavais. Como Pigafetta, viajante italiano que, em 1519, enquanto a corte lisboeta se distraía queimando protestantes, informava que os brasileiros viviam até os 140 anos.

Subestimado durante quase todo o seu primeiro século de vida, o Brasil foi inventado por caçadores de homens (que escravizavam os índios), um exército de exterminadores (que saqueavam a terra), um padre gago (Manoel da Nóbrega) e outro meio cínico (José de Anchieta), além de famílias como os Sás e os Souzas. Como o que interessa é o presente, e este é a consequência do passado concreto e do futuro que sonhamos, ainda é preciso perder as ilusões para entender o Brasil de hoje.

Os pensadores ocidentais sempre trataram nossa diferença como a ausência de alguma coisa que eles reconhecem e cultivam como civilização. Mas é justamente dessa ausência que podemos construir o único Brasil possível, o Brasil que vale a pena. Quem sabe então poderemos ser enfim felizes. O grande poeta russo Vladimir Maiakóvski (ai, meu Deus, vou pra cadeia por elogiar um poeta comunista!) dizia, num de seus poemas mais pessimistas, que haviam finalmente encontrado um homem feliz no planeta. E ele vivia no Brasil.


FAP fortalece sua função social com série de eventos e cursos online durante o ano de 2020

Confira o relatório anual das atividades da Fundação, durante os meses de janeiro a dezembro de 2020. Apesar da pandemia, a FAP continuou a exercer seu compromisso de entregar conteúdo de qualidade ao público

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em pouquíssimo tempo, a Covid-19 se espalhou pelo mundo, e o desconhecido provocou medo e muita ansiedade. Economia, política, religião, crenças, valores, tudo junto, em um turbilhão de emoções, expectativas, aflições. Mais do que nunca, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) continuou a exercer seu compromisso de entregar conteúdo de qualidade ao público, em diversos formatos, sustentados, sobretudo, na defesa da democracia e dos valores republicanos.

A informação verdadeira seguiu como chama para manter acesa a incessante busca por uma sociedade menos injusta, menos desigual e menos excludente. Em um ano totalmente diferente e que desafiou nosso modo de vida como humanidade, o objetivo das ações de 2020 foi entender os desafios, criar conexões de solidariedade e compartilhar informação para transformar o nosso amanhã.

Por isso, o site da FAP bateu recorde de audiência em 2020, até o dia 21 de dezembro, com 240.134 acessos únicos, também chamados de “visitantes diferentes”. Em 2019, foram 114.557 e, em 2018, 90.977, no mesmo período. Até o mês de dezembro, o ano passado totalizou 126.663 acessos únicos, e o anterior acumulou 114.996.

Dezenas de lives e webinars da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP em Brasília, discutiram assuntos extremamente relevantes, atuais e de interesse público. A revista mensal Política Democrática Online ganhou ainda mais relevância com o aumento substancial do consumo de informação digital neste ano, que também foi marcado pelas eleições municipais.

Também de olho na formação política, a FAP realizou os cursos a distância Jornada da Cidadania, realizado de fevereiro a junho deste ano, e Jornada da Vitória, de junho a setembro.

Em 2021, a fundação continuará promovendo o estudo e a reflexão crítica da sociedade, de maneira a construir referências teóricas e culturais relevantes para a defesa e a consolidação do Estado Democrático de Direito.

A seguir, confira a lista de ações da FAP neste ano.


Janeiro

  • Lançamento do livro Encontro de Sonhos – História do PCB ao PPS no Amazonas

A FAP realizou, em 5 de janeiro, o lançamento do livro Encontro de Sonhos – História do PCB ao PPS no Amazonas, do autor Jose Maria Gomes Monteiro, em Manaus. A entidade investiu no transporte para envio de livros para a capital do Estado.

Data de realização:05/01/2020
Participantes:Público em geral
Total de beneficiados:70



  • IV Encontro de Jovens Lideranças

Comprometida com a formação política e cidadã da juventude do Brasil, a FAP realizou, de 15 a 18 de janeiro de 2020, o IV Encontro de Jovens Lideranças, no Hotel Fazenda Paraiso dos Sonhos, em Corumbá (GO).  Os jovens tiveram a oportunidade de participar de uma imersão política em formato de curso de liderança e treinamento para trabalho em equipe, com palestras, aulas, debates, dinâmicas de grupo, além de atividades lúdicas e recreativas. A FAP investiu em passagens aéreas, hospedagem e alimentação para os participantes, durante o evento.

Período de realização:15 a 18/01/2020
Participantes:Jovens ligados ao Cidadania23
Total de beneficiados:Presencial = 80 pessoas | Online = 6.024

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RPD: Reportagem mostra o que desestimula vítimas de estupro no Brasil

Após sofrerem nas mãos de criminosos, vítimas precisam enfrentar longa via-crúcis em busca de justiça

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Fiquei travada. Ele começou a passar a mão em mim e falou para eu ficar quietinha, senão eu seria demitida por justa causa”. O relato é de uma das vítimas de estupro no Brasil, onde uma longa via-crúcis desestimula e intimida mulheres a denunciar criminosos. É o que mostra reportagem especial da revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos da publicação em seu site.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

No total, conforme mostra a reportagem, 66.123 pessoas registraram boletim de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável em 2019, de acordo com a 14ª edição doAnuário Brasileiro de Segurança, lançado em outubro deste ano. Em média, no ano passado, uma pessoa foi estuprada a cada 8 minutos, no país. É um dado maior que o revelado em 2015, quando a média era de um estupro a cada 11 minutos.

De acordo com o levantamento, no ano passado, 85,7% das vítimas eram do sexo feminino. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança, como ocorreu no episódio que abre esta reportagem por se tratar de um patrão da vítima, com o qual ela tinha vínculo de trabalho havia 10 anos.

No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as pesquisadoras relatam que o número de estupro é ainda muito maior do que o registrado. A subnotificação ganha força diante de situações em que as vítimas não procuram as autoridades por medo, sentimento de culpa e vergonha ou até mesmo por desestímulo por parte das autoridades.

Em setembro deste ano, o próprio Judiciário foi palco de um caso que desestimula vítimas. A jovem promoter Mariana Ferrer, de 23, vítima de estupro, foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, defensor do acusado, o empresário André Camargo de Aranha. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado à vítima, em audiência por videoconferência, sob a vista grossa do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. O promotor Thiago Carriço de Oliveira sustentou a tese de estupro sem intenção. O acusado foi inocentado.

Somente após a repercussão negativa do caso na imprensa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que classificou como “grotescas” as cenas da audiência, instauraram procedimentos para investigar as condutas do juiz e do promotor por suposta omissão. A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) também abriu investigação para avaliar a conduta de Gastão Filho. A reportagem não conseguiu contato dos três investigados.

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Correio Braziliense: Bolsonaro estuda ter vice à reeleição que não o incomode tanto quanto Mourão

Incomodado com o vice, que atende jornalistas e não se furta em emitir críticas ao próprio governo, presidente estuda possibilidade de colocar como segundo na chapa à reeleição alguém que não cause tanto desconforto a ele e aos filhos

Ingrid Soares e Augusto Fernandes, Correio Braziliense

Com uma rotina de conflitos com integrantes do próprio governo, Jair Bolsonaro vem se desentendendo com o vice, Hamilton Mourão, e se distanciou do general nos últimos meses — em 2020, eles falaram apernas por oito horas. Incomodado com o comportamento do seu sucessor imediato no comando do Poder Executivo, que costuma se posicionar de maneira às vezes conflitante em diversos temas, o presidente da República tem dado cada vez menos ouvidos a ele, priorizado a relação com ministros sobre os quais tem ascendência. Com isso, crescem os rumores de que Mourão não deve compor a eventual chapa que concorrerá à reeleição, em 2022.

A avaliação de Bolsonaro, de acordo com assessores do Palácio do Planalto, é de que Mourão tem tentado se projetar politicamente. Desconfiado, já o vê como um adversário para o próximo pleito. Para o presidente, o fato de o vice constantemente atender os jornalistas e não se furtar em comentar o desempenho do governo, muitas vezes de forma crítica, é sinal de que ele tem pretensões maiores. Por conta disso, é preciso frear o ímpeto do general.

Bolsonaro evita repreender Mourão publicamente, mas, neste mês, já deu declarações que serviram como um recado claro ao vice. Há duas semanas, depois de o general apoiar a participação da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G no Brasil, o presidente foi no sentido contrário. “Ninguém vem falar (sobre) 5G comigo, e não está aberta a agenda para quem quer que seja a pessoa, a não ser que ela venha acompanhada do ministro Fábio Faria, das Comunicações. Repito: 5G ninguém fala comigo sem antes conversar com Fábio Faria”, afirmou, durante solenidade no Planalto.

Ainda que tente desconversar sobre se candidatar à reeleição daqui a dois anos, Bolsonaro tem cogitado outros nomes para vice, como as ministras Tereza Cristina (da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e Damares Alves (da Mulher, Família e Direitos Humanos). Com isso, o general avalia as saídas para o seu futuro. Chegou a admitir que pode se candidatar para uma vaga ao Senado e que, a princípio, não pensa em tentar disputar o Governo do Rio Grande do Sul, seu estado natal, por causa da idade.

De qualquer maneira, o vice tenta evitar os ruídos com Bolsonaro. No começo do mês, afirmou que vê influência de “intrigas palacianas” no relacionamento com o presidente. De acordo com o general, há assessores palacianos que “distorcem os fatos”. Esses mesmos palacianos veem Mourão muito próximo do MDB, e não descartam uma candidatura futura do general, em 2022, rumo ao Planalto.

Na última quarta-feira, os dois tiveram uma reunião pessoal, depois de semanas sem conversarem a sós. Segundo Mourão, os dois ainda não trataram sobre a próxima eleição geral, mas o general garantiu que vai se manter leal ao presidente aconteça o que acontecer.

“Até o presente momento, o presidente Bolsonaro não tocou neste assunto comigo. Eu estou em condições, estou pronto para acompanhá-lo, caso ele deseje e ele vá ser candidato em 2022, porque tudo é possível daqui para lá. Então, se ele decidir que vai ser candidato e me convidar, ele sabe que tem o meu apoio e minha lealdade para continuar com ele”, disse.

Possibilidades
Na avaliação do cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, caso Mourão queira um protagonismo maior, o lugar que ele tem mais chances de conseguir algum resultado é disputando o Senado. Afinal, se resolvesse entrar na corrida pelo Palácio do Planalto, brigaria por votos na mesma parcela do eleitorado que é fiel ao presidente.

“Não sei se Mourão quer partir para embate com Bolsonaro. Teria que dividir um grupo que já está muito próximo ao bolsonarismo e o apoia. O presidente tem dificuldade de conviver com qualquer pessoa que tenha elementos de liderança e que possa ofuscá-lo”, observa Prando. Ele lembra que a postura mais amena de Mourão, aberto ao diálogo com políticos, além do grau de conhecimento do vice, são fatores que intimidam Bolsonaro –– e também, por isso, o presidente tenta afastá-lo.

“No início do mandato, Mourão começou a dar entrevistas, a atender à imprensa, falar em outros idiomas e a conversar com governadores. Tudo isso incomodou demais Bolsonaro e seus filhos, que viam articulação do general como se um processo de impeachment estivesse em vias de prosperar. Qualquer movimento é entendido por eles, e pelo próprio presidente, como tentativa de golpe, de diminuir prestígio do presidente”, observa

Para a constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Vera Chemim, “Mourão demonstrou não apenas prudência, como também o seu conhecimento. Tais virtudes acabam provocando animosidade por parte dos filhos de Bolsonaro, que não perdem a oportunidade de hostilizá-lo em manifestações públicas”.

Controle da Câmara assegura menos problemas

Pressionado pelo escândalo da Agência Brasileira de Informações (Abin) e por questionamentos sobre a atuação do governo na pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem, na eleição para a Presidência da Câmara, marcada para fevereiro, um teste decisivo para o seu futuro político. Fazer o sucessor do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) no cargo, mais do que favorecer projetos de interesse do governo, seria, para o presidente, uma forma de navegar em águas menos agitadas, ante uma avalanche de complicações que estão por vir.

A corrida pela sucessão na Câmara transformou-se em um campo de batalha, com o enfrentamento entre as forças políticas que já começaram a se organizar para as eleições de 2022. A recente troca de acusações entre Bolsonaro e Maia a respeito do não pagamento do 13º do Bolsa Família expôs o acirramento da disputa.

A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu relatórios para orientar advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é a mais nova dor de cabeça do presidente. Seu filho mais velho é investigado por suspeitas de desvio de salários de funcionários do gabinete à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo em que a oposição acusa o chefe do governo de ter cometido crime de responsabilidade, passível de um processo de impeachment, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abra uma investigação para confirmar se a agência de inteligência do governo foi utilizada pelo presidente para fins pessoais. O caso, revelado pela revista Época.

Futuro partidário
A disputa pela Presidência da Casa tem importância também na decisão de Bolsonaro sobre o partido ao qual irá se filiar. Aliados têm orientado o presidente sobre a importância de ele contar com uma estrutura partidária para tentar a reeleição em 2022. Depois de não obter as assinaturas suficientes para criar o Aliança pelo Brasil, o presidente tem mantido conversas com lideranças de diferentes legendas, principalmente, do Centrão.

Na semana passada, ele voltou a dizer que anunciará o nome de sua nova sigla em março, ou seja, após o resultado da eleição da Câmara. Conforme afirmou, um dos partidos com os quais tem conversado é o PP, do deputado Arthur Lira (AL), líder do Centrão e candidato do Planalto para suceder Maia no comando da Casa –– Bolsonaro foi filiado ao PP até 2016. Entre outros partidos do bloco parlamentar, o presidente também tem na mira o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), o PL e o Republicanos.

Um deputado filiado a um desses partidos, ouvido pelo Correio, afirmou que o presidente seria recebido de braços abertos, desde que não pretenda assumir o controle da legenda. Nessas discussões, Bolsonaro tem insistido que só formalizará uma filiação se puder assumir o comando de sua nova sigla, com autonomia, principalmente, para acessar os recursos dos fundos partidário e eleitoral.

O deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, já deixou claro, em diferentes ocasiões, que não abriria mão do comando da legenda para Bolsonaro. “Não abro mão do Republicanos, nem para o presidente”, tem repetido o parlamentar, que retirou a candidatura à Presidência da Câmara e passou a apoiar Lira.

Migração constante
Desde que ingressou na política, em 1988, o presidente Jair Bolsonaro passou por oito partidos:

1988 a 1993PDC
1993 a 1995PPR
1995 a 2003PPB
2003 a 2005PTB
2005PFL
2005 a 2016PP
2016PSC
2017firmou
compromisso
com o Patriotas
2018 a 2019PSL
2019 a 2020sem partido