Day: outubro 5, 2020

Sergio Lamucci: As incertezas fiscais e o efeito sobre a retomada

Se persistirem as incertezas fiscais, a recuperação da economia, que já terá desafios como a fraqueza do mercado de trabalho e o fim do auxílio emergencial, será ainda mais difícil

As incertezas em relação às contas públicas brasileiras em 2021 aumentaram ainda mais nos últimos dias, por causa da confusão quanto ao financiamento de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família e das rusgas entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho. Para completar, pioraram as perspectivas de avanço da reforma tributária e da administrativa. Se os juros futuros seguirem em alta e o câmbio continuar a se desvalorizar, como reflexo do agravamento dos riscos fiscais, a recuperação da economia poderá ser ameaçada, num quadro de deterioração das condições financeiras. Os juros básicos em níveis ineditamente baixos ficarão em xeque.

A Selic a 2% ao ano é um dos maiores trunfos para o pós-pandemia. A avaliação dominante é que a taxa poderá continuar nesse nível por alguns trimestres, apesar da alta forte dos preços dos alimentos, um reflexo da disparada da inflação no atacado, devido à desvalorização do câmbio e ao aumento das commodities. O ponto é que a ociosidade na economia é monstruosa, o que tem se traduzido em preços de serviços em níveis muito baixos, inferiores a 1% no acumulado em 12 meses.

Além disso, as expectativas de inflação estão sob controle. As previsões apontam para um IPCA abaixo das metas perseguidas pelo Banco Central (BC) em 2020 e 2021 e exatamente no alvo em 2022 e 2023.

A continuidade dos juros nos atuais níveis é fundamental para impulsionar a economia, que amargou uma recessão cavalar entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016, cresceu a uma taxa um pouco superior a 1% ao ano em 2017, 2018 e 2019 e terá o maior tombo da história em 2020, por causa do impacto da pandemia. Os efeitos das taxas baixas ficam claros no “crescimento expressivo de setores sensíveis a crédito - principalmente o imobiliário e, em segunda medida, o de vendas de automóveis”, como nota, em relatório, o Itaú Unibanco. Além disso, os juros menores contribuem para aliviar a situação fiscal, num cenário em que a dívida bruta se encaminha para 100% do PIB. Para completar, taxas baixas ajudam a situação financeira de empresas e famílias.

Colaborar para que os juros possam seguir nos níveis atuais deveria ser uma das prioridades do governo. Isso exigiria um compromisso firme com o ajuste das contas públicas, necessário num país que tem uma dívida elevada, com taxas variáveis e prazos relativamente curtos. O que se vê, porém, não é isso. Os sinais são de que, para montar o programa de transferência de renda, não há disposição de tomar decisões difíceis. A percepção é que o teto de gastos será furado em 2021 por meio de algum subterfúrgio. Na semana passada, houve o anúncio da ideia estapafúrdia de financiar o Renda Cidadã com parte dos recursos destinados ao pagamento de precatórios e ao Fundeb (o fundo para complementação da educação básica). A proposta foi bombardeada pelos especialistas em contas públicas, que classificaram a iniciativa de usar dinheiro dos precatórios como “contabilidade criativa” e “pedalada fiscal”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, se disse por fim contrário à medida, mas esteve presente no anúncio da proposta, não se opondo naquele momento a ela. Nesse cenário, há uma piora significativa dos preços dos ativos brasileiros. Os juros futuros e o risco país aumentam, o câmbio se deprecia e a bolsa cai.

Essa combinação leva a um aperto das condições financeiras. Nas estimativas do ASA Investments, “mantidos os patamares atuais de nível de juros futuros, risco país, índice Bovespa e outros indicadores, teríamos o crescimento econômico de 2021 reduzido para 1,2%, contra nossa projeção de 2,1%, já substancialmente abaixo do consenso Focus, de 3,5%”, aponta a instituição. “Teríamos um crescimento pífio, que nos condenaria a manter uma taxa de desemprego praticamente inalterada ao longo de 2021, em torno de seu recorde histórico de 16%, número que estimamos para o final deste ano”, dizem os economistas do ASA. Se o câmbio ficar muito pressionado, os aumentos de preços, hoje concentrados principalmente nos alimentos, podem se disseminar. As expectativas de inflação começariam a piorar, levando o BC a ter que elevar a Selic prematuramente.

Fazer um programa de transferência de renda mais amplo é uma ideia que faz todo o sentido num país tão desigual quanto o Brasil. A proposta, contudo, precisa ser bem desenhada. É possível concebê-la e executá-la sem recorrer a malabarismos fiscais, como usar recursos dos precatórios. Mas isso requer decisões complexas e eventualmente impopulares, como unificar programas sociais já existentes.

Adotar medidas para tentar driblar o teto de gastos vai piorar o risco fiscal, elevando ainda mais os juros futuros e a cotação da moeda americana. O teto tem problemas, como a dificuldade para acionar os gatilhos que controlariam em especial os gastos com o funcionalismo. Além disso, as despesas não financeiras da União só poderão aumentar 2,13% em 2021, o que levará a cortes expressivos nos gastos discricionários (como custeio da máquina e investimento). Trata-se, porém, da âncora fiscal que dá alguma previsibilidade para as contas públicas do país. Uma eventual mudança do teto precisaria ser conduzida com muita habilidade, combinada a medidas que reduzam a rigidez do orçamento - como uma reforma administrativa de fato ambiciosa - e aumentem o potencial de crescimento da economia - como a reforma tributária.

A administração de Jair Bolsonaro vai na direção oposta. A disputa entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, evidencia a falta de rumo do governo de um presidente que só pensa na reeleição e não se dispõe a contrariar grupos de interesse. A percepção crescente é que não haverá iniciativas para deter a expansão das despesas obrigatórias e que a agenda de reforma vai ficar à deriva. Marinho e a ala política do governo planejam medidas que tendem a furar o teto, num quadro de isolamento cada vez maior de Guedes.

Se persistirem as incertezas fiscais, a recuperação da economia, que já terá desafios como a fraqueza do mercado de trabalho e o fim do auxílio emergencial, será ainda mais difícil. As condições financeiras apertadas vão minar a retomada e o cenário para o investimento seguirá turvo, afetando o crescimento de um país que desde 2014 exibe um desempenho econômico lamentável.


Bruno Carazza: Como as economias morrem

Depois do teto, próxima vítima poderá ser a autonomia do Bacen

As ambições de um político o tornam capaz de passar por cima de anos de amizade e a desprezar laços de parentesco mesmo em momentos difíceis de saúde - o que dirá em relação a compromissos com a estabilidade econômica do país.

Em 1959, Lucas Lopes era o ministro da Fazenda do presidente Juscelino Kubitschek. Companheiro fiel desde os tempos da campanha de JK para o governo de Minas, o engenheiro foi o cérebro por trás da criação da Cemig - polo indutor da industrialização mineira, que catapultou JK ao primeiro plano da política nacional - e idealizador do famoso Plano de Metas, o programa desenvolvimentista que prometeu entregar “50 anos em 5”. JK e Lucas Lopes eram tão próximos que seus filhos vieram a se casar.

Depois de presidir o BNDE (o “S” só viria a ser acrescentado no início da década de 1980), Lucas Lopes foi escalado para comandar a economia do país em meio ao desequilíbrio das contas públicas gerado principalmente pela construção de Brasília. Ao lado de Roberto Campos, concebeu o Plano de Estabilização Monetária (PEM), cujo propósito era deter o crescimento do déficit público por meio de um controle mais rígido dos gastos e aprovar uma minirreforma tributária destinada a aumentar a arrecadação, além de reduzir a expansão do crédito para aliviar a inflação. A dupla Lopes & Campos ainda planejava rever a política de incentivos para o café e iniciou negociações de um novo empréstimo junto ao FMI para evitar uma crise cambial.

Qualquer ministro da Fazenda que tenha que defender a austeridade fiscal frente a um presidente que só pensa na sua popularidade vive em permanente estresse - e o de Lucas Lopes era tão grande que ele acabou sofrendo um infarto em 30 de maio de 1959. Com o grande amigo (e futuro consogro) correndo risco de vida, JK não pensou duas vezes: nomeou o expansionista Sebastião Paes de Almeida em seu lugar, rompeu com o FMI, autorizou um reajuste no preço do café e ampliou ainda mais os gastos públicos para entregar a nova capital dentro do prazo. Se o populismo de um político não respeita nem os laços pessoais mais íntimos, não serão as instituições econômicas que o deterão.

Em 2018 foi lançado o best-seller “Como as Democracias Morrem”, escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores de ciência política de Harvard. O argumento central do livro é que líderes autoritários estariam sorrateiramente enfraquecendo as instituições ao rejeitarem as regras do jogo democrático, encorajarem a intolerância e a violência e restringirem as liberdade civis, atacando especialmente a imprensa.

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro vem sendo apontado como o exemplar brasileiro dessa nova safra de governantes que buscam permanecer no poder e impor suas vontades não pelo uso de tanques e metralhadoras, mas por forçarem diuturnamente as grades de proteção da democracia.

A aliança firmada com o Centrão nos últimos meses tende a arrefecer esses temores. Cada vez mais refém da “velha política” para proteger a si mesmo e à sua família de processos e também para ampliar sua aprovação entre a população mais pobre do Norte e do Nordeste, parece que não é mais a democracia quem corre perigo no Brasil - mas sim a economia.

Bolsonaro colheu os frutos imediatos da enorme injeção de recursos públicos para combater os efeitos do coronavírus sobre trabalhadores e empresas. Com a popularidade em níveis recordes, inebriou-se com a perspectiva de uma vitória fácil quando tentar a reeleição. O problema é que 2022 está muito distante.

Os sinais de desequilíbrio na economia brasileira aparecem em todas as frentes. O déficit e a dívida pública estão em trajetória explosiva, elevando o risco-país e afugentando o capital externo. A saída de investidores pressiona a taxa de câmbio, que encarece insumos importados e estimula o agronegócio e indústrias nacionais a direcionarem suas vendas ao exterior. Os índices no atacado já mostram uma forte inflação de custos e os consumidores nos supermercados se assustam com os preços dos alimentos.

Tecnicamente, não há muita dúvida sobre o caminho para recuperar o equilíbrio. Passado o pior da pandemia, caberia ao governo recolher a artilharia fiscal montada para combater a covid e avançar nas causas estruturais de um desequilíbrio que já incomodava desde antes da chegada do vírus: trabalhar pela aprovação das PECs emergencial e do pacto federativo e atacar uma reforma administrativa muito mais corajosa do que a apresentada ao Congresso no mês passado.

O problema é que o receituário técnico entra em colisão com as ambições políticas de Bolsonaro. Um ajuste rigoroso pode abortar a recuperação e inviabiliza a continuidade dos agrados distribuídos aos futuros eleitores de 2022. O teto de gastos parece ser a primeira vítima do populismo fiscal do Palácio do Planalto. Mas é pouco provável que o ataque às instituições econômicas pare por aí.

O abandono do teto e a falta de comprometimento do governo com a sustentabilidade das contas públicas elevarão ainda mais o câmbio ao longo de 2021 e 2022, pressionando a inflação. Estará o presidente preparado para ver o dólar romper a barreira dos R$ 6 ou R$ 7? À medida em que a eleição se aproximar, será que Bolsonaro aceitará passivamente aumentos na taxa de juros?

Uma vez derrubado o teto de gastos, quem entra na mira do populismo presidencial é a autonomia operacional do Banco Central. Para não colocar em risco seus planos eleitorais, não me surpreenderia se Bolsonaro tentasse influenciar o Comitê de Política Monetária por uma maior leniência com a inflação ou até mesmo pela busca de soluções “criativas” para conter a taxa de câmbio, como o uso mais intenso das reservas internacionais ou medidas de controle de saída de capitais.

Nestes novos tempos, são incomuns as grandes rupturas macroeconômicas provocadas por declaração de moratórias, confisco de poupanças ou rompimento com o FMI. O perigo hoje em dia é o sorrateiro enfraquecimento das instituições econômicas por líderes populistas que só pensam em permanecer no poder a qualquer custo.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Carlos Pereira: Maldição ou virtude?

Virtude governativa emerge de instituições de controle fortes e independentes

Nos últimos anos, cinco dos ex-governadores do Rio de Janeiro (Moreira Franco, Antony Garotinho, Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão) já foram ou ainda estão presos. Por ampla maioria, o Superior Tribunal de Justiça manteve o afastamento do governador Wilson Witzel.

A Assembleia Legislativa acaba de aprovar, por 69 votos a zero, a continuidade do processo de impeachment do governador por crime de responsabilidade. O prefeito da capital, Marcelo Crivella, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral por abuso de poder político e está inelegível por 8 anos.

O que esses eventos recentes dizem do que de fato está acontecendo no Rio de Janeiro? Estaria o Rio de Janeiro condenado à maldição de maus governantes?

O sistema democrático não nasceu necessariamente para gerar eficiência ou resultados consistentes com as nossas preferências. Mas para garantir liberdade competitiva à população na escolha de seus representantes e proporcionar resolução pacífica de conflitos sociais a partir da representação/inclusão dos mais variados interesses no jogo político. Raramente a democracia seleciona os melhores governantes. E mesmo quando o faz, não demora muito para que os eleitos frustrem as expectativas dos eleitores.

A qualidade da democracia, portanto, não é produto dos atributos ou crenças particulares do eleito, mas da qualidade institucional e da capacidade das organizações de controle de fiscalizar e impor medidas repressivas a comportamentos desviantes.

Impor sanções políticas e judiciais a seis de seus governantes não é trivial nem frequente em democracias. Essa performance sugere robustez das organizações de controle estaduais e capacidade de atuação coordenada e conjunta com organizações de controle de outras esferas, principalmente a federal.

É, portanto, míope quem enxerga na situação do Rio de Janeiro apenas a maldição da corrupção, sem perceber que há também virtude institucional.

Com isso não se está ingenuamente argumentando que as instituições de controle no Rio de Janeiro seriam perfeitas. Na maioria das vezes elas agem tardiamente e de forma retrospectiva ao invés de preventiva. As punições ocorrem quando os maus governantes já não estão mais no poder e os prejuízos de suas administrações predatórias já foram consumados.

Embora as organizações de controle tenham apresentado relativa capacidade na responsabilização e punição de governantes, elas ainda não o fazem de forma tão eficiente a ponto de desencorajar o mau comportamento.

Parece que os ganhos esperados com comportamentos desviantes continuam sendo maiores que os riscos de os governantes serem pegos em práticas desonestas. Isso acontece porque as chances de se detectar corrupção são ainda relativamente muito baixas.

O fortalecimento das organizações de controle não é linear. Além do mais, o sistema político é por demais protetivo dos governantes de plantão que dispõem de várias garantias legais e procedimentais que tornam a atividade criminosa atrativa e de relativo baixo risco.

A virtude na administração pública não decorre da conversão moral ou de compromissos políticos de governantes eleitos. Bons governos surgem da existência de organizações de controle fortes e independentes.


Celso Rocha de Barros: Se Trump vencer no tapetão, pode encorajar bolsonaristas a retomar retórica golpista

Para quem está tentando moderar Bolsonaro, se não for possível que Trump vença fácil, talvez seja melhor que perca feio

Donald Trump foi internado com Covid-19. Ao que parece, ao menos nesse round, sua briga com os fatos terminou com vitória dos fatos. Trump está internado com uma doença cuja gravidade negou, e não está sendo tratado com o protocolo que seus puxa-sacos recomendaram para o grande público ao redor do mundo.

Tudo isso pode virar. Se tiver a forma leve da doença, Trump pode dizer, como Bolsonaro, que tinha razão em negar sua gravidade. Se ficar incapacitado ou morrer, seus adeptos podem radicalizar na teoria da conspiração e questionar a legitimidade da vitória de Biden, que já parecia bastante provável antes da internação.

Alguns analistas notaram a similaridade entre a internação de Trump e a facada em Bolsonaro em 2018. As primeiras pesquisas não indicam uma onda de simpatia por Trump, mas também foi assim em 2018 no Brasil. E Bolsonaro foi, sim, beneficiado por não precisar se expor na campanha, deixando que um país desesperado com a política projetasse nele o que queria ver.

Mas não é claro que as mesmas condições vão valer para Trump. O republicano está concorrendo à reeleição, de modo que não se trata mais de ninguém projetando nada sobre ele. Todo mundo já sabe o que Trump é. Além disso, em 2018 Bolsonaro já liderava as pesquisas quando sofreu o atentado. Trump está razoavelmente atrás de Biden.

É mais um elemento de incerteza em uma eleição americana que já se anunciava explosiva. Se a sucessão de Trump se converter em crise política, pode haver consequências especialmente graves para o Brasil.

Vários e bons analistas já escreveram sobre os efeitos que uma vitória de Biden teria sobre o bolsonarismo. Mesmo se Biden não jogar contra Bolsonaro, certamente não jogará a favor, e nosso isolamento diplomático deve atingir níveis inéditos.

Mas há um outro cenário possível que recebeu menos atenção: uma vitória de Trump com corrosão institucional. Se Trump for eleito dentro das regras, as coisas devem continuar como estão.

Mas se vencer no tapetão, porque não aceitou a derrota, porque pediu recontagem, porque sua indicada para a Suprema Corte ajudou a anular votos por correspondência, ou porque a milícia Proud Boys espalhou terror pelas ruas, o radicalismo bolsonarista vai se sentir encorajado pela radicalização americana.

Afinal, os Proud Boys são a versão gringa da “turma do artigo 142” que Bolsonaro tentou beneficiar com a liberalização da importação de armas.

Isso poderia, inclusive, frustrar o esforço de acomodação de Bolsonaro dentro do sistema político brasileiro. Esse acordão vem forte faz alguns meses, e teve uma grande vitória com a indicação de Kassio Nunes para o STF.

Se Amy Barrett, a juíza conservadora recentemente indicada por Trump para a Suprema Corte, já estiver no tribunal durante uma manobra para anular votos democratas, os radicais brasileiros perguntarão: Kassio Nunes teria coragem de anular os votos do PT?

De qualquer forma, para quem está tentando moderar Bolsonaro, se não for possível que Trump vença fácil, talvez seja melhor que perca feio, sem chance de virar no tapetão.

Se Trump tentar melar o jogo e isso contaminar a política brasileira, não será a primeira vez que a direita americana incentivará golpes na América Latina, mas será a primeira vez que o fará pelo exemplo.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Ricardo Noblat: Bolsonaro antecipa votos do ministro que nomeou para o Supremo

Jamais se viu isso

Nunca antes na história deste país um presidente da República revelou com antecedência como deverá votar ministro indicado por ele para o Supremo Tribunal Federal. Pois foi o que fez, ontem à noite, Jair Bolsonaro a pretexto de defender o desembargador Kássio Nunes Marques, que não foi sequer sabatinado ainda no Senado como manda a lei. Sua nomeação depende disso.

Em sua conta no Facebook, Bolsonaro irritou-se com o comentário de um leitor insatisfeito com a escolha de Kássio: “Presidente, próxima indicação ao STF indica o Lula”. Primeiro, ele respondeu assim: “Ele tem mais de 65 anos. Estude e se informe antes de acusar as pessoas”. Em seguida, para alegria do Centrão, disse que a nomeação de Kássio “é completamente sem volta”.

Acrescentou: “Kassio é contra o aborto (votará contra a ADPF 442 caso seja pautada). É pró-armas nos limites da lei (ele é CAC). Defende a família e as pautas econômicas (quem duvida que aguarde as votações). Resumindo, ele está 100% alinhado comigo”. A ADPF 442 é a ação que tramita no Supremo pedindo a descriminalização do aborto. CAC é colecionador de armas.

Faltou dizer como Kássio votará o pedido de suspeição de Sérgio Moro que, segundo a defesa de Lula, comportou-se de modo parcial no processo do tríplex do Guarujá; as ações contra a Lava Jato; e o caso do senador Flávio Bolsonaro denunciado pelo Ministério Público do Rio por lavagem de dinheiro, organização criminosa e expropriação do salário de servidores públicos.

Bolsonaro ocupou grande parte do seu domingo a oferecer explicações nas redes sociais para seus devotos que não engoliram a nomeação do novo ministro. Em maio do ano passado, o desembargador Kássio liberou uma licitação do Supremo para a compra de lagostas e vinhos caros, derrubando a decisão de uma juíza federal que a vetara. Um devoto escreveu:

– Péssima escolha. Está criando cobras que lhe darão o bote.

Bolsonaro retrucou: “Aguarde, outra mentira”. Outro devoto lembrou o voto de Kássio contra a extradição para a Itália do terrorista Cesare Battisti, acusado por quatro assassinatos e que agora cumpre prisão perpétua. Bolsonaro retrucou: “[Kássio] participou de julgamento que tratou exclusivamente de matéria processual e não emitiu opinião ou voto sobre a extradição”.

Foi lacônico quando outro dos seus seguidores perguntou por que no sábado à noite ele foi à casa do ministro Dias Toffoli, do Supremo, comer pizza e assistir ao jogo do Palmeiras contra o Ceará: “Preciso governar. Converso com todos em Brasília. Um abraço”. Parte do domingo de Toffoli também foi gasto com respostas à pergunta se fez certo em confraternizar com Bolsonaro.

“Eu sou um cara que gosta de unir as pessoas, que todo mundo se divirta. Confraternizar. Foi uma confraternização, ninguém falou de trabalho. Não estávamos aqui para discutir assunto sério”, disse o ministro. Nos bastidores, ele tem dito que é preciso manter a harmonia entre os Poderes e que não há nenhum prejuízo de que a cúpula deles se reúna com alguma frequência.

Quanto mais Toffoli tenta justificar a cena de promiscuidade explícita com Bolsonaro, mais escandalosa ela fica. Só grandes amigos se abraçam com tanto carinho. Isso nada tem a ver com harmonia entre os Poderes. Impensável que um ministro da mais alta Corte de justiça seja tão íntimo do presidente da República que pode justamente ser alvo de muitas de suas decisões.

Nada faltou na cena reveladora das entranhas do poder que serviu para reforçar a convicção de que a independência dos tribunais é coisa para inglês ver. Toffoli e Bolsonaro sem máscara em meio à pandemia; abraçados quando se recomenda o distanciamento; à porta da casa do ministro e não dos gabinetes oficiais de um ou do outro; observados por um policial sem máscara.

À tiracolo de Bolsonaro, Kássio, focado em conquistar a simpatia dos futuros colegas e o voto dos senadores que poderão lhe abrir as portas do tribunal. Presente ao regabofe, Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado. É ele que presidirá a sessão para aprovação do nome de Kássio. Empenhado em se reeleger, suplica ajuda a Bolsonaro e faz tudo para agradá-lo.

São favas contadas no Senado a aprovação de Kássio. A sabatina será mera formalidade. Desde sua fundação no século XIX, o Senado só recusou cinco indicações para ministro do Supremo, todas feitas por Floriano Peixoto, o segundo presidente da República do Brasil que passou à história como “o marechal de ferro”, tantas foram as revoltas que esmagou durante seu governo.

No final de maio último, um dia depois de o Supremo fechar o cerco contra o “gabinete do ódio” comandado pelo vereador Carlos, o Zero Dois, Bolsonaro perdeu as estribeiras e afirmou que “ordens absurdas não se cumprem”. Em tom exaltado, criticou a operação da Polícia Federal que atingiu seus aliados no âmbito do inquérito das fake news. Por fim, gritou: “Acabou, porra!”.

De lá para cá, trocou de arma. Descobriu que a melhor forma de vencer o Supremo é cooptar o maior número possível dos seus integrantes, expondo suas fraquezas. Está se dando bem até aqui.


Fernando Gabeira: De costas para o gol

Há quem não veja o futuro e prefira soltar uma boiada para pisotear sonhos realizáveis

Desde o célebre livro de Stefan Zweig, e mesmo antes dele, o Brasil é reconhecido como o país do futuro. Às vezes, parece que o futuro chegou, e revistas estampam na capa um Cristo Redentor em forma de foguete subindo aos céus. Às vezes, a ideia toma a forma de um gigante que desperta e caminha com decisão. Para onde, José?

Apesar de toda essa fantasia, sinceramente não conheço um momento da história em que a possibilidade real de encontro com o futuro seja tão concreta.

A base dessa presunção é o fato de que a teoria econômica evoluiu no planeta. Não se acredita mais que o progresso é indissociável da destruição ambiental. A própria natureza deixou de ser vista como uma externalidade, um elemento passivo, um simples insumo. Agora, é vista como o centro da produção.

Nesse contexto, o Brasil não só emerge como uma potência ambiental, mas como o território onde mais se produz vida no planeta. As concepções mudam, e nada parece mais fora do lugar hoje do que a tese de que a conservação da natureza é um entrave ao progresso econômico.

Acaba de ser publicado o livro “Brasil, paraíso restaurável”, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib. Caldeira não é um idealista alheio às engrenagens reais da economia. Escreveu o livro “Mauá: empresário do Império” e também uma “História da riqueza no Brasil”, ampla e inteligentemente pesquisada.

O livro sobre o Brasil como potência ambiental é amparado em gráficos e mapas destinados a mostrar que a natureza preservada é o centro de criação do valor econômico.

Um dos capítulos do livro tem este título: “Queimar florestas é queimar dinheiro”. Nele é possível saber que os créditos de carbono no mundo hoje superam o volume das exportações brasileiras. Os créditos são dinheiro disponível para manter florestas em pé, retendo o carbono no subsolo.

Isso sem contar com produções sustentáveis, como as de açaí e castanha, e as incontáveis potencialidades das plantas.

É essa nova visão que faz com que empresas e fundos de pensão se interessem pela defesa do meio ambiente. De um modo geral, supõe-se que esse interesse é para agradar a consumidores, uma operação de marketing. Pode até ser isso também, mas hoje esse aspecto já se torna secundário.

O grande obstáculo para o Brasil ocupar esse espaço no mundo é o governo, que ainda associa progresso com destruição ambiental. A ideia de passar uma boiada sobre as normas de proteção é um eufemismo. Na verdade, querem passar bandos de javalis que devoram tudo pela frente.

No governo militar houve um encanto com esse tipo de progresso. Campanhas do tipo “bem-vinda poluição” circularam pelo mundo tentando atrair capitais já em declínio no Norte.

A destruição da Floresta Amazônica era vista como um triunfo da ação humana sobre a natureza. A mata era vista como um mito a derrubar para que se pudesse faturar.

Mas isso foi há meio século. É compreensível que a cabeça de Bolsonaro tenha se congelado na década dos 70, e ele sonhe com uma, duas, três, muitas Cancúns.

Mas os militares leem, viajam, frequentam cursos, seminários. Não poderiam respaldar essa política destrutiva, na esperança de nos tornarmos um país como os outros do século passado.

Não é só pelo processo destrutivo. Mas pelas evidências de um caminho econômico mais fértil, pela imensa possibilidade de o Brasil, finalmente, encontrar um futuro que não seja um efêmero foguete de capa de revista ou um sonolento gigante se pondo em marcha.

Desta vez, não seria um voo de galinha, mas sim a consciência de ser o país mais rico do mundo, em vida e energia, uma potência ambiental que explora racionalmente suas vantagens e reduz suas deformações como a disparidade de renda.

O futuro finalmente chegou. Há quem não o veja e prefira soltar uma boiada para pisotear sonhos realizáveis.

O Brasil talvez seja o único país hoje presente na agenda da eleição presidencial americana. Seria uma conspiração para derrubar nossas matas, esgotar nossos minérios e celebrar uma volta ao século XX? Ou um novo pacto para o futuro?


Cacá Diegues: Um bom candidato

Tomara que Felipe Neto consiga influenciar os brasileiros

A revista “Time” elegeu Felipe Neto como uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Tomara que eles tenham razão. Tomara que o jovem youtuber, com seus quase 40 milhões de seguidores, consiga influenciar os brasileiros com suas críticas ao populismo de direita no poder e à oposição em que “há somente o interesse pelo protagonismo”. Exemplos históricos nos mostram que só se vence um regime autoritário popular com sensata, tolerante e ampla frente política. Uma frente difícil de montar entre nós, graças ao estrelismo de líderes da oposição, que ainda vivem sob preconceitos, com a cabeça noutros tempos.

Fiel leitor das seções de cartas nos jornais que leio, encontrei outro dia essa preciosa mensagem de Nila Maria do Carmo Siqueira, no GLOBO: “Caetano Veloso só queria liberdade para cantar. Gerson King Combo, cantor de soul e funk, só queria liberdade para dançar. E por isso foram alvos da ditadura militar. Em pleno século XXI, só queremos liberdade para pensar. Quem nos perseguirá?”.

Como Nila, Carol Solberg, craque do nosso vôlei, bicampeã mundial, campeã brasileira de 2018 e eleita a melhor jogadora daquela temporada, resolveu desabafar publicamente e, em Saquarema, durante etapa do circuito, gritou o que pensava: “Fora Bolsonaro!”. Foi, por isso, denunciada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, pelo puxa-saquismo da Confederação Brasileira de Voleibol, que não se importou quando os jogadores Wallace e Maurício, às vésperas da eleição de 2018, apoiaram Bolsonaro em pleno Campeonato Mundial. E era mesmo um direito deles, não sei onde está escrito que esportista não se manifesta.

A sinceridade de Carol está sendo castigada por ameaça de suspensão e multa de R$ 100 mil, sob o pretexto de que seu grito em quadra pôs em risco o patrocínio do Banco do Brasil ao vôlei. Com que percentagem desse patrocínio os cartolas que se irritaram com Carol se remuneram? Que tal se esses senhores assistissem na televisão a um jogo da NBA, quando os jogadores americanos de basquete se ajoelham na quadra, em protesto contra o racismo, muitas vezes estimulado por seus próprios dirigentes? E não se trata apenas de uma voz corajosa e solitária como a de Carol, mas de uma multidão de vozes de profissionais de uma atividade. Não sei se nossos esportistas chegarão, um dia, a esse nível de solidariedade. Mas é talvez por isso que, na ausência dela, o populismo de direita ganha eleição democrática.

Por isso e porque sabe mentir. Como mente comumente, graças à internet sem lei, às redes sociais em que faz propaganda política e eleitoral sem escrúpulos e sem respeito à verdade. No redemoinho de ódios que se tornou a sociedade brasileira, as redes sociais são o lodo em que ele se forma com violência e sem medidas.

Foi num desses fenômenos arbitrários de opinião que anônimos fizeram recentemente uma celebração inquisitorial, queimando livros de Paulo Coelho. Uma celebração tão ignorante que o “sacerdote” do ritual maldizia Paulo Freire como autor, enquanto queimava “O Alquimista”. Sou leitor de Paulo Coelho, acho que li todos os livros dele. Mas, mesmo que não o admirasse, como se pode curtir, admitir ou participar de uma missa negra como essa, uma celebração da burrice e da ignorância, adesão explícita ao autoritarismo cultural. Uma violência aos costumes de um país que se deseja democrático.

Quando uma pessoa esbarra com um momento difícil em sua vida, é natural que procure novas explicações para eventos novos. Ela pode procurá-las com um analista profissional, que vai fazê-la entender o que se passa. Ou pode cair de boca nos acontecimentos, triturá-los em nome da felicidade perdida. Na política não pode ser assim. Não podemos entregar a esperança da democracia nas mãos de um “analista profissional”, um ditador de hábitos e costumes; como também não temos por que nos oferecer, em sacrifício suicida, ao destempero da sociedade em que vivemos. O mais saudável é ouvirmos quem sofre como nós sofremos e pensa como nós pensamos, mas não está prejudicado por velhos métodos e astúcias manjadas. Alguém que será capaz de agir como agiríamos, se ainda tivéssemos o mesmo entusiasmo.

Um cara como Felipe Neto, um bom candidato para 2022.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro decide indicar Jorge Oliveira para ministro do TCU

Jorge Oliveira foi preterido na escolha do futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), para a qual foi escolhido Kassio Nunes.

Jussara Soares, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, deve ser o indicado do presidente Jair Bolsonaro para ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

Jorge Oliveira foi preterido na escolha do futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Para a vaga, foi escolhido o desembargador Kassio Nunes. O presidente fará nova indicação para o STF no ano que vem, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, em julho.

No TCU, o cargo a ser ocupado por Jorge Oliveira deve ser aberto com a aposentadoria do presidente do TCU, José Múcio Monteiro. Múcio esteve na sexta-feira com Bolsonaro, quando o avisou que se aposentará no dia 31 de dezembro, mas  vai protocolar o pedido nesta semana.

O nome de Jorge Oliveira precisa ser aprovado pelo Senado. Primeiro, passa por um sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Em seguida, o nome é avaliado pelo plenário. O salário bruto de um ministro do TCU, cargo vitalício, é de R$ 37,3 mil mensais. Esse valor não inclui os penduricalhos, como auxílio-alimentação, ressarcimento com gastos de saúde, entre outras vantagens. 

Com a ida de Jorge Oliveira, Bolsonaro terá que indicar um novo um novo ministro da Secretaria-Geral. O mais cotado é o secretário especial de Assuntos Estratégicos,  almirante Flávio Rocha.

Relação com Bolsonaro

Filho do capitão do Exército Jorge Francisco, morto em 2018, e que por 20 anos foi chefe de gabinete de Bolsonaro na Câmara de Deputados, o ministro tem uma relação próxima com o presidente.

Advogado e major da Polícia Militar, Oliveira foi chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e também padrinho de casamento do parlamentar. Ele iniciou o governo no comando da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ). Depois, acumulou o posto e o cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral.

Em abril, Oliveira era o nome preferido de Bolsonaro para substituir o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública. De acordo com relatos feitos ao Estadão, Oliveira recusou o cargo, alegando que a indicação dele reforçaria a acusação de Moro de que o presidente tenta interferir na Polícia Federal.


Marcelo Godoy: Heleno chefia contra-ataque bolsonarista no meio ambiente e na diplomacia

Depois de defender ações contra o Congresso, o ministro do GSI agora concentra seus ataques aos críticos da política ambiental do governo

Caro leitor,

Depois de dois anos de governo, Jair Bolsonaro criou uma base no Congresso. Parece ter compreendido como lidar com o Supremo Tribunal Federal, depois de integrantes do bolsonarismo terem defendido um putsch, que seus expoentes designavam como "intervenção militar", para fechar o tribunal e o Parlamento, silenciar a oposição e defender as boquinhas no governo. Se o presidente pôs cera nos ouvidos para não ouvir o canto dos blogueiros inconformados, só o tempo dirá. Só o tempo dirá se trocou a uso da força pela força da cooptação de adversários.

Bolsonaro pode obter sua détente, mas não significa que tenha abandonado sua guerra fria. Como diz Spinoza em seu Tratado Político, "a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia". Esta o bolsonarismo parece ser incapaz de construir. A começar dentro do próprio governo, como mostram Paulo Guedes, Rogério MarinhoSérgio MoroLuiz MandettaSantos Cruz etc. O problema é anterior à paz armada com as outras instituições da República. Ele surge não apenas quando há desorganização e ausência de etiqueta no Planalto, mas também quando não se compreende a liberdade.

Bolsonaro já esbravejou em reuniões contra a falta de unidade de princípios e atropelos de ministros. Em governos organizados, somente o presidente da República manifesta-se sobre os mais variados temas. Mas alguns dos generais do Planalto parecem desconhecer a subordinação ao presidente ou acham suas estrelas mais reluzentes do que as do capitão. Isso já foi percebido por oficiais ouvidos pela coluna. Não se trata aqui apenas daquele que não pode ser demitido, por ser o vice-presidente da República.

Para esses militares, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como assessor do presidente não deveria expressar opiniões sobre temas que não são de sua responsabilidade no governo, como o Meio Ambiente. Ou será que Ricardo Salles – goste-se ou não dele – não é o responsável pela área, ainda que sob a vigilância de outro general, Hamilton Mourão, e seu Conselho da Amazônia? Ora, qualquer general chamaria de desleal a ação de um hipotético comandante militar da Amazônia que resolvesse dar palpites públicos sobre o Comando Militar do Sul.

Por que então Heleno se comporta de forma diferente no governo? Por que deixou os padrões militares para trás para adotar os da política? Ou será que Heleno ocupará o papel de ideólogo de seu grupo, antes reservado a Olavo de Carvalho? Foi para o canal do YouTube de Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente que acredita que sua propaganda substitui o jornalismo independente, que ministro do GSI resolveu dizer que o governo ainda não teve tempo para executar a sua política para a Amazônia. E as pessoas de bom senso podem imaginar o que isso significa, quando o general afirma que a floresta tropical suporta "maus tratos".

"Nós sabemos exatamente o que temos de fazer na Amazônia brasileira e no Pantanal, só que não houve tempo ainda de colocar em prática, de colocar gente para fazer isso", diz Heleno. Mas o governo não mudou normas e regulamentos na área, impediu a queima de máquinas de garimpeiros, passou quase dois anos afastando fiscais e punindo quem tentava coibir a desordem e foi acusado de leniência com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros, enfim, com desmatadores e incendiários de toda ordem para pôr a culpa do que acontece na floresta e no pantanal em ONGs, índios e caboclos? Quem planta ideologia colhe incêndios.   

Mas não é isso o que pensa Heleno. Ele prefere pôr a culpa nos governos da Nova República, os tais 40 anos de intervalo entre o reino dos militares e a redenção bolsonarista. O sorridente Heleno se transforma no Bandarra do bolsonarismo, levando aos seus compatriotas a miragem de um Quinto Império. Em vez de d. Sebastião, oferece ao povo a figura de Jair Bolsonaro. Diz o ministro: "Nós temos 80% da cobertura florestal da Amazônia preservada. A Europa tinha 7%, hoje tem 0,1%. Mas agora ganharam a condição de nos criticar diariamente, nós somos os 'grandes vilões' do meio ambiente no mundo." 

Às ameaças dos anos 1970, o Movimento Comunista Internacional e as ONGs a serviço de poderes estrangeiros, Heleno acrescenta potências europeias que cobiçam nossas riquezas. O Bandarra do governo, que já foi o tradutor-mór de Bolsonaro, adverte que a Amazônia é "o destino manifesto do Brasil" e afirma que "integrar a região é a prioridade nacional". A professora Adriana Barreto de Souza, da Universidade Federal Rural do Rio, mostra em A Defesa Militar da Amazônia, entre história e memória, como a defesa da região se articula com a batalha de Guararapes nas representações militares. E como a doutrina da resistência ao agressor externo vincula a luta contra o invasor holandês ao presente da floresta.

É o passado que não passa na floresta. Heleno ainda afirma: "Agora, gente fora do Brasil que não tem moral para nos criticar, que acabou com suas florestas, criticar com a veemência que critica, querer nos colocar como vilões do meio ambiente, não dá para aceitar". E conclui, reclamando da imprensa, pois “notícias ruins trazem prejuízo”. Ou seja: culpa o carteiro pelo aviso de cobrança. Por fim, diz que pretende convidar embaixadores estrangeiros para sobrevoar a Amazônia e, assim, pararem de "falar bobagens". Eis o que o Brasil precisaria saber...

Há duas semanas, Heleno defendeu sanções contra produtos da Alemanha e da Suécia em caso de boicote a produtos brasileiros. Depois, disse que não queria citar países, pois poderia ser injusto e até causar um problema diplomático. Ainda bem que se tratava apenas de entrevista para uma rádio e, certamente, nenhum representante desses países escuta o que o ministro diz a jornalistas. Por fim, se Salles pode ser tratorado, por que Ernesto Araújo iria reclamar sobre os pitacos de Heleno na diplomacia brasileira?  Por achar que os defensores do meio ambiente eram gente mal-intencionada, o governo teve de fazer as Operações Verde Brasil 1 e 2.

Para ser justo, Heleno não é o único oficial general a pensar assim. Um importante brigadeiro consultado pela coluna sobre as declarações do ministro e suas consequências para a diplomacia e a economia brasileiras, disse:  "Acho muito mimimi por parte de países, ONG’s , intelectuais e artistas estrangeiros sobre um assunto interno do Brasil. Isso é antigo e extremamente suspeito. A soberania brasileira tem que ser respeitada. Nenhum desses organismos tem que se intrometer nisso. Como brasileiro de bem, é o que penso!"  Do jeito que o governo vai, alguém ainda vai sugerir a prisão de índios e caboclos para, enfim, pacificar a floresta.


O Estado de S. Paulo: Doença de Trump interrompe campanha em momento chave para o republicano

Atrás de Joe Biden nas pesquisas, campanha do atual presidente esperava reforçar aparições públicas na reta final

Por Philip Rucker, Josh Dawsey e Annie Linskey, The Washington Post, O Estado de S.Paulo

Para a campanha de reeleição do presidente dos Estados UnidosDonald Trump, outubro deveria ser o mês da reviravolta. Depois de ficar atrás do candidato democrata Joe Biden durante todo o ano, Trump pensou que a semana passada seria o momento chave para garantir seu segundo mandato, desqualificando seu oponente durante o primeiro debate para  expandir sua coalizão de eleitores, levantando mais dinheiro e organizando comícios maiores.

Não funcionou da maneira que ele imaginou.

Os últimos sete dias foram uma sequência de contratempos. A revelação no The New York Times de que Trump pagou pouco ou nenhum imposto de renda federal nos últimos anos; um desempenho beligerante no debate - que pode ter afastado muitos eleitores -; a prisão de seu gerente de campanha recentemente rebaixado na Flórida; e, finalmente, a hospitalização do presidente por covid-19 por causa de um surto do novo coronavírus na Casa Branca, depois dele ter minimizado a pandemia e zombado das diretrizes de saúde pública.

Ao mesmo tempo, a vantagem financeira de Biden permitiu que o democrata dominasse as ondas de rádio da televisão, e algumas pesquisas recentes mostram que sua vantagem sobre Trump se mantém estável ou até cresce.

Apesar dos prognósticos otimistas do médico de Trump no fim de semana, a doença do presidente paralisou sua campanha a apenas quatro semanas da eleição, e com os eleitores já votando antecipadamente em muitos Estados.

"Isso efetivamente congela a campanha em um ponto em que o presidente está em desvantagem", disse o pesquisador Neil Newhouse, que não trabalha para a campanha de Trump, mas aconselha muitos outros candidatos republicanos. "Este é o período de tempo que esperávamos preencher a lacuna e isso o torna ainda mais desafiador."

Os assessores de Trump reconhecem que a doença do presidente não ajudou porque chamou a atenção nacional para a forma como seu governo lidou com a pandemia. Eles também dizem que o fato de o presidente estar hospitalizado prejudica o que ele vê como seu principal atributo sobre Biden: sua aparência mais forte e resistente em comparação a Biden.

"Sempre que a conversa é sobre coronavírus, não é útil para nós", disse um alto funcionário do governo, que, como alguns outros entrevistados para esta matéria, falou sob a condição de anonimato.

Biden procurou chamar a atenção para a pandemia e apresentar um contraste na liderança. Por exemplo, ele se comprometeu a divulgar os resultados de todos os seus testes de coronavírus, um contraste com a falta de transparência em torno dos resultados dos testes de Trump e do histórico médico, tanto recentes quanto passados.


Marcus Vinicius Oliveira analisa desafios da esquerda com base na via chilena

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, historiador toma como base livro de Alberto Aggio

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em 1970, a coalizão da Unidade Popular elegeu Salvador Allende como presidente do Chile, conforme analisa o doutor em história Marcus Vinicius Oliveira, em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online. “Tal eleição representava, para não só o Chile, mas também as esquerdas, o desafio de elaborar as transformações históricas necessárias para a construção do socialismo dentro da ordem e das instituições democráticas, o que implicava a produção de uma novidade no patrimônio das culturas políticas das esquerdas socialistas e comunistas, habituadas a uma visão instrumental da democracia e aferradas aos paradigmas revolucionários”, afirma.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos com acesso gratuito em seu site. Em seu artigo, Oliveira analisa, cinco décadas após o início da “experiência chilena”, o livro “Democracia e socialismo: a experiência chilena”, de Alberto Aggio (1993), marcando suas potencialidades para a compreensão dos dilemas políticos contemporâneos.

“Na medida em que não abandonava os posicionamentos revolucionários, as ações da Unidade Popular terminaram por pressionar a própria ordem democrática que havia permitido sua ascensão ao poder, “ escreve o doutor em história, para continuar: “Incapaz de compreender os rumos da revolução passiva chilena, a coalizão política vitoriosa, em determinados momentos, procurou, sem consensos políticos estáveis, acelerar e aprofundar o ritmo das transformações históricas, contribuindo para o rompimento daquele consenso democrático”.

De acordo com o autor do artigo, é preciso refletir em torno dos significados da experiência para a política contemporânea. “Não revisitamos a ‘experiência chilena’ para perscrutar seus fracassos ou mesmo reconstruir a oportunidade perdida para a construção do socialismo no século XXI”, afirma.

Distante de qualquer perspectiva socialista, segundo Oliveira, a via chilena dialoga com o nosso tempo na medida em que marca um ponto de inflexão que aponta a necessidade de abandono das expectativas revolucionárias e um redirecionamento das políticas de esquerda para o enfrentamento da democracia, enquanto perspectiva civilizacional capaz de garantir transformações históricas, sem a perda das liberdades e das individualidades.

“Cinco décadas após, o desafio apontado por Aggio na via chilena, marco da história da política democrática das esquerdas de hoje, ainda nos pertence”, afirma o doutor em história. Para o presente, conforme acrescenta, marcado pela ascensão de discursos autoritários e de perspectivas antipolíticas, considerar o tempo da política significa abandonar o sentido de ruptura como um momento condensado no tempo, tanto quanto compreender que o enfrentamento desse desafio civilizacional ocorre em uma temporalidade alongada e multidirecional, na qual devemos produzir os caminhos a partir dos dilemas do presente.

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