Day: agosto 1, 2020

Ascânio Seleme: Fascistas e antifascistas

Quando o deputado Eduardo Bolsonaro atacou as manifestações antifascistas de junho passado, chamando seus participantes de terroristas, as pessoas relevaram, embora fosse a palavra do terceiro zero do presidente da República. Tratava-se de mais do mesmo. O personagem já havia demonstrado inúmeras vezes seu desamor à democracia. E, depois, embora fosse filho do homem, não era o homem. Não era o governo, não representava a nação. Levou os pitos habituais e a vida seguiu.

Agora, não. Acabaram as dúvidas daqueles que ainda viam o governo simplesmente como liberal de direita ou dos que o classificavam apenas como conservador. A revelação de que um obscuro departamento do Ministério da Justiça monitora um grupo antifascista formado por servidores públicos da área de segurança e professores universitários críticos ao governo explicitou definitivamente seu caráter extremista. Quem fiscaliza e faz dossiê sobre pessoas e instituições que pregam contra a restrição da liberdade pode ser chamado, no mínimo, de antidemocrático.

Parece piada, mas não é. O repórter Rubens Valente, do UOL, revelou na sexta-feira da semana passada, que uma Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça investiga e já produziu um dossiê sobre o movimento Policiais Antifascismo e sobre professores que se opõem ao governo Bolsonaro. Trata-se na verdade de uma investigação subterrânea, sem objetivo, por não haver crime, e sem acompanhamento do Ministério Público ou de um juiz. Uma investigação ilegal, criminosa.

Para o Ministério da Justiça, a xeretice da Seopi tem a intenção de prevenir práticas ilegais dos funcionários públicos e de garantir a segurança. O argumento é ridículo. O objetivo é político. A investigação ilegal é uma forma de monitorar e manter sob vigilância opositores de Bolsonaro. Porque, e agora é oficial e tem carimbo do Ministério da Justiça, o governo trata antifascistas como perigosos inimigos. Inimigos políticos a serem investigados, denunciados e abatidos. Aliás, estes em questão já foram de certa forma denunciados.

O dossiê sobre os professores e os policiais antifascistas foi distribuído entre órgãos de segurança nos estados e no Distrito Federal. Na prática, estimula a repressão, uma vez que sugere que os dois grupos são capazes de desestabilizar a segurança. Trata-se de uma rematada bobagem. Eles representam exatamente o contrário disso. Ao se posicionarem contra o fascismo, dizem claramente serem contra autoritarismo e violência.

Observação necessária. A Secretaria de Operações Integradas, um órgão de inteligência, que em português verdadeiro significa espionagem, foi criada no atual governo, ainda na gestão do ministro Sergio Moro. Mas, de acordo com a reportagem do UOL, o dossiê foi elaborado já no comando do ministro terrivelmente evangélico André Mendonça. Nenhuma dúvida quanto ao seu caráter, certo?

Outro detalhe importante. O zerinho de Bolsonaro voltou a falar depois que a matéria teve repercussão. Agora, como se fosse em nome da administração. Ele indagou no Twitter se as pessoas querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento antifas. Foi um deboche, se fosse uma pergunta séria, a resposta seria SIM! O governo seria melhor. Apontaria para a tolerância e a civilidade. Mas o zerinho tem razão, não dava mesmo para esperar por este gesto de grandeza de um governo tão pequeno.

Nenhuma saudade
No dia 27 de agosto de 1980, há 40 anos, uma carta-bomba explodiu nas mãos da secretária do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Dona Lyda Monteiro da Silva morreria logo depois, ao dar entrada no Souza Aguiar. O artefato decepou-lhe um dos braços e provocou diversas mutilações no seu rosto e em seu torso. Outras três bombas foram enviadas para a Câmara Municipal do Rio, para a sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e para o jornal “Tribuna da Luta Operária”, órgão do Partido Comunista do Brasil. A da Câmara deixou seis feridos, a da “Tribuna” era de baixa potência, explodiu de madrugada e só causou danos materiais. A da ABI foi desmontada, depois de o presidente da entidade, Barbosa Lima Sobrinho, ter sido alertado por um telefonema anônimo. Eram os facínoras da ditadura tentando impedir a abertura em curso no governo do último general. Um ano depois, dois desses gorilas implodiram eles mesmos e o regime no atentado malsucedido do Riocentro. Ao contrário de Regina Duarte, o país não tem nenhuma saudade daqueles dias sombrios. Por Isso, todo movimento antifascista é bem-vindo.

Perda da confiança
A diferença fundamental entre Collor e Bolsonaro, a despeito de tantas semelhanças entre os dois, é que Bolsonaro não confiscou a poupança dos brasileiros. Três dias depois da posse, Collor perdeu a confiança dos seus eleitores. Ele decepcionou tanto que caiu na primeira boa chacoalhada. Nestes dias de silêncio do capitão, alguns envergonhados voltam a falar abertamente em seu favor. Tudo o que o eleitor não bolsonarista de Bolsonaro quer é uma desculpa para dizer, nem que seja para ele mesmo, que não errou.

Mitos
Até a segunda metade do século 19, as pessoas não acreditavam que pandas existissem de fato. Achavam que era uma lenda, um mito. Os primeiros a comprovar que os ursos com cara de bonequinho de pelúcia frequentavam a terra de Deus foram cientistas. Só Bolsonaro não enxerga que os cientistas estão sempre um ou dois passos na frente do resto de nós.

Rede de ódio
Quer saber como funciona o “gabinete do ódio”? Quer entender como ele opera? Como funciona seu mecanismo de criação e distribuição de fake news? Quer conhecer as consequências políticas que ele é capaz de gerar e até onde pode chegar? Então assista ao filme “Rede de Ódio”, do diretor polonês Jan Komasa. Disponível na Netflix.

Ecoanxiety
Relatório da Associação Americana de Psicologia descreveu uma nova síndrome neurológica. Trata-se do que a entidade chamou de “ecoanxiety”, o que seria, em tradução livre, uma ansiedade ecológica. Ela define um novo comportamento social que se traduz na forma de um “medo crônico da falência ambiental”. Enquanto isso, no Brasil, Ricardo Salles segue sendo ministro.

Marchons, marchons
Um milhão e meio de galões de vinho da Alsácia vão virar álcool em gel. O maravilhoso vinho branco da região Nordeste da França, ao longo da fronteira alemã, será transformado em álcool e distribuído em hospitais e postos de saúde. A primeira razão, claro, é a pandemia de coronavírus que exigiu um aumento brutal da fabricação desse higienizador de mãos. Em segundo lugar, um boom na produção de vinho local. Os vinicultores, contudo, prefeririam estocar o excesso e vender em ano de baixa. Mas, enfim, guerra é guerra.

Paula e Caetano
Uma das melhores brincadeiras digitais dessa pandemia são as conversas de Paula Lavigne com Caetano Veloso, em que ela insiste para ele fazer um vivo numa rede social. Os diálogos entre os dois são fabulosos. Caetano, todo mundo sabe, é um gênio. Muito bom ver um gênio na versão caseira. O resultado é até mais interessante do que uma live que, aliás, vai sair. Melhor que eles, só o Adnet.

Nota de 200
Fala sério. Para quê o governo vai confeccionar a nota de R$ 200? Não tem sentido. Por três razões, aliás. Primeira e óbvia, cada dia mais as pessoas usam cartões de crédito e débito para pagar contas. Segunda, o avanço das compras on-line impulsionado pela pandemia veio para ficar. Terceira, troco para nota de R$ 100 já é difícil, imagina para a de R$ 200.

Pra quê direito?
Projeto de lei que impõe limites à arrecadação de direitos autorais a autores e intérpretes de música recebeu esta semana alguns adendos. Além da isenção da cobrança em quartos de hotéis e de navios de cruzeiro, que é sua motivação original, o projeto agora inclui cultos ou eventos realizados por organizações religiosas, pelas Forças Armadas, pelas polícias militares e pelos corpos de bombeiros.

Errado
Estudo mostra que 97% de todas as pesquisas on-line no Brasil são feitas por meio do Google. Tem alguma coisa muito errada por aqui.


Eros Grau: La Casserole também para sempre!

No futuro, meu pai, o Donda, o Paulo Bomfim e eu desceremos do Céu para almoçarmos lá

Começo a escrever estas linhas lembrando a afirmação contida numa linda canção para sempre em meus ouvidos, Porto dos Casais: é sempre bom lembrar coisas passadas! Maravilhosamente, mais e mais quando elas permanecem no presente.

Retomo em minhas mãos nossa edição do dia 13 de junho passado e lá reencontro o que escrevi sobre o Itamarati. De repente me dou conta de que bom mesmo é relembrarmos o todo, sobretudo quando alguns pedaços do passado são parcelas do presente! Restaurando o tempo – uso o verbo restaurar sorrindo! –, uma encantadora porção do tempo cá em minha memória é o restaurante (!) La Casserole, no Largo do Arouche.

Retornando ao passado é, agora, como se eu lá estivesse, caminhando pela chácara de José Arouche de Toledo Rendon, primeiro diretor – entre 1827 e 1833 – das minhas velhas e sempre novas Arcadas do Largo de São Francisco. Passeio por esse espaço e, concomitantemente, pelo Tempo. Em seguida, no início dos anos 60, ao lado de meu amigo Prado Veppo, poeta de Santa Maria, lá no Rio Grande do Sul, ouvindo-o declamar os primeiros versos de um dos seus mais belos poemas: Largo do Arouche, praça do amor, amplo mercado, sexo e flor.

A vida não apenas pode ser, a vida é maravilhosa!

Novamente transitando pelo tempo, retorno à São Paulo do início dos anos 50 e caminho por ali com meu pai, carregando flores que compramos para minha mãe numa barraca em frente ao La Casserole. Depois, 1954, aos domingos almoçávamos nós três, lá nos instando para sempre, no Casserole. O tempo veio passando e permanecemos juntos. Hoje também por conta da Academia Paulista de Letras, ao seu lado, onde encontro meus confrades, elas e eles, todas as quintas-feiras nos finais de tarde. Nestes últimos meses via Zoom, em razão da pandemia que estamos a suportar.

E lá está o Casserole, há 66 anos. Roger e Touna, sua esposa, o abriram em maio de 1954. Depois que Roger se foi para o Céu, em 2005, encontrei-a algumas vezes por lá. Serena, elegante, sorrindo para mim, sempre na mesa 21. Ela também se foi em 2009. Sua filha Marie, minha amiga generosa, o dirige desde 1987. Hoje ao lado de seu filho, Leo.

De repente é como se seu tio, Georges Henry, estivesse também ao nosso lado. Diretor musical da TV Tupi lá no passado, amigo próximo de Tito Madi e Henri Salvador, escreveu um belo livro que tenho entre as mãos agora, Um Músico... Sete Vidas. Ao envelhecer passou a viver em Amparo, em 2017 de lá também partindo para o Céu.

Recanto de afeto, desfruto o Casserole sem limites. Comer muito, muito bem, reencontrar amigos, recuperar o passado. Relembro momentos inesquecíveis que lá vivi. Quase ao lado de Di Cavalcanti e Procópio Ferreira e, de verdade, ao lado de meu amigo Ulysses Guimarães. E outros seres humanos maravilhosos hoje na mesma mesa que eu, especialmente os da APL, a nossa academia.

Alguns almoços por lá são inesquecíveis. Um deles em 2006, almoço de sexta-feira com Eduardo Kugelmas – o Donda –, meu irmão de coração desde o início dos anos 50, irmão que se foi deste mundo no dia 14 de novembro de 2006. Conhecemo-nos em 1951, quinto ano do primário no então chamado Instituto Mackenzie. Depois disso, tudo. Tudo, mil momentos de amizade e fraternidade, ele na Faculdade de Filosofia da USP, então na Maria Antônia. Episódios marcantes nos tempos duros e sofridos dos anos 60. Sua ida para o Chile, depois Paris e retorno ao Brasil. Logo após a sua volta veio passar longo período em nossa casa em Tiradentes, onde agora estamos já há meses isolados, Tania e eu, por conta dos maus momentos que suportamos. Nosso derradeiro encontro nesta esfera foi no Casserole, em 2006, mas estou certo de que no futuro estaremos juntos.

Além dele Paulo Bomfim, meu Amigo com maiúscula, a respeito de quem tenho mil momentos a relembrar. Belos almoços em seu apartamento, um nosso encontro no pátio das velhas Arcadas no dia 25 de outubro de 2017, quando lá fixaram uma placa em sua homenagem. Cá está ele, ao nosso lado agora, superando o Tempo. A dizer-nos que o Universo não existe, o que há em torno de nós é o Multiverso. Por isso o nosso encanto com o Largo do Arouche, as barracas de flores, e as flores renascerão para sempre no e a partir do Casserole.

O Céu, diz o Álvaro Moreyra num lindo poema, é uma cidade de férias, de férias boas que não acabam mais! Daí que no futuro – tenho certeza – estaremos todos juntos reunidos, reunidos lá no Céu. E de lá meu pai, o Donda, o Paulo Bomfim e eu um dia desceremos à Terra para almoçarmos, todos juntos reunidos, no Casserole. Meu pai relembrando as flores que comprávamos para minha mãe na barraca em frente, o Paulo em dúvida a propósito de passarmos ligeiramente pela APL, unicamente para uma olhada. Nada prontamente decidimos, meu pai sussurrou “já volto, vou só pegar umas flores” e o Donda disse tudo: “Vamos mudar de assunto, apenas lembrar, relembrar nosso derradeiro almoço aqui, Eros e eu, em 2006. O Tempo não existe, mas nosso Casserole existirá para sempre!”.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA FACULDADE DE DIREITO  DA USP, FOI MINISTRO DO STF


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro já adota tom de campanha em viagens

Presidente afasta postura beligerante em giro pelo País; ele tenta capitalizar medidas aprovadas pelo Congresso, até quando foi contra, e obras de gestões passadas

Tânia Monteiro e Jussara Soares, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Era o presidente Jair Bolsonaro em visita oficial anteontem às cidades sertanejas de São Raimundo Nonato, no Piauí, e Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, mas a roupa, o cabelo, o chapéu de couro e o discurso eram de candidato. A cena já tem data marcada para se repetir e revela uma mudança na estratégia do presidente, que cada vez mais irá trocar o discurso beligerante, que marcou a primeira metade do seu governo e o levou a ser ameaçado por impeachment, por uma série de viagens onde irá capitalizar medidas aprovadas pelo Congresso, muitas das quais foi contra, e obras iniciadas em gestões passadas.

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Em Bagé (RS), Jair Bolsonaro conversou com apoiadores e provocou aglomerações; presidente deve intensificar viagens pelo Brasil Foto: Alan Santos/PR

Pesquisas apontam que foi Bolsonaro quem mais ganhou com o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 dado aos trabalhadores informais que perderam renda por causa da pandemia do novo coronavírus. Mesmo que tenha inicialmente se posicionado contra o benefício, para o eleitor o que fica é que o dinheiro entrou na conta, foi pago pela Caixa Econômica Federal, portanto, pelo presidente. Sobre inaugurar obras, Bolsonaro costuma dizer que vai concluir o que seus antecessores deixaram inacabado.

Embora o foco seja o Nordeste, tradicional reduto eleitoral petista e pelo qual quer avançar já com vistas à reeleição, a meta é passar por diversos Estados. O tour presidencial, que vai incluir visita a uma ponte em construção, ocorre num cenário em que várias regiões ainda registram aumento de casos da covid-19 e o País se aproxima das 100 mil mortes pela doença. O risco é calculado. O presidente aproveita para carimbar nos governadores e prefeitos a responsabilidade pelo desemprego por imporem o isolamento social, ignorando que essa é a forma mais eficaz de combater a propagação do vírus, segundo autoridades sanitárias.

Com as viagens, o presidente também tem aproveitado para reforçar sua nova base de apoio no Congresso. No giro que fez anteontem por Piauí e Bahia, levou a tiracolo o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), e o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), dois dos principais líderes do Centrão

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Presidente em São Raimundo Nonato, no Piauí Foto: Alan Santos/PR

“O povo foi ao seu encontro (de Bolsonaro) sem qualquer mobilização. Nordeste não é esquerda. Não tem ideologia. É um povo muito necessitado. Se o governo atende suas necessidades, o povo apoia”, afirmou Elmar, que acompanhou o presidente na inauguração de uma adutora do rio São Francisco em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia. A transposição teve início no governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva e foi encampada por todos os seus sucessores.

Expandir o eleitorado, até agora, limitado à classe média antipetista, e se afastar do discurso mais radical de parte de seus apoiadores fazem parte da nova cartilha de Bolsonaro. E o auxílio de R$ 600 tem papel fundamental na nova estratégia.

O governo promete para os próximos meses investir na política de distribuição direta de renda e transformar o auxílio num novo programa, batizado de Renda Brasil, uma reformulação do Bolsa Família, marca da gestão do ex-presidente Lula, que o ajudou a cooptar os votos do eleitorado de baixa renda. 

Políticos do Nordeste admitem que o pagamento do auxílio nos últimos meses ajudou a melhorar a popularidade de Bolsonaro na região. “Há um vazio deixado pelo Lula. As pessoas sabem que ele não é mais candidato e elas não são de esquerda. O auxílio que virá do Renda Brasil é mais que o Bolsa Família”, disse Ciro Nogueira. Proposta em análise pelo Ministério da Economia prevê um uma elevação do benefício médio de R$ 190,16 para R$ 232,31 por família.

O cientista político e economista da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas avalia que, com o auxílio de R$ 600 e outras ajudas financeiras na pandemia, Bolsonaro conseguiu estancar a ideia de “fim de governo” e se descolar da conjunção de crises na saúde, na economia, na política e no mercado externo. “Neste momento de crise profunda, foram injetados R$ 250 bilhões na ponta da linha, fora o saque do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), o que impediu que houvesse depressão e o desemprego fosse imensamente maior do que o registrado”, disse.

Para o cientista político Carlos Mello, do Insper, esse ganho do presidente em popularidade, neste momento, contudo, não deve se estender até as eleições de 2022. “Vamos ver como será lá na frente, pois existem problemas fiscais a serem enfrentados. É uma aposta. Dependerá de como a economia estiver na época das eleições e como isso refletirá no bem-estar das pessoas”, disse.

Agenda

Após dar a largada no giro pelo País em viagem a Bahia e ao Piauí anteontem, Bolsonaro esteve ontem em Bagé, no Rio Grande do Sul, onde fez uma visita a uma escola cívico-militar. Lá, repetiu mais uma vez o ex-presidente Lula ao desembarcar vestindo um poncho, vestuário tradicional gaúcho.

Na próxima semana, nos dias 6 e 7, estão previstas viagem para Baixada Santista e para o Vale do Ribeira, onde deve visitar a obra de uma ponte em Eldorado (SP), cidade de 15 mil habitantes onde vivem sua mãe e familiares. Ainda em agosto, Bolsonaro deve voltar ao Nordeste. 


El País: América Latina viverá a recessão 'mais abrupta da história', alerta Cepal

Comissão da ONU alerta que não haverá reativação da economia sem controle do coronavírus e propõe renda básica emergencial como uma das soluções para construir um Estado de bem-estar na região

A reativação econômica da América Latina terá que esperar. Um novo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) adverte que, se a curva de contágios da covid-19 não for achatada o quanto antes, as consequências serão devastadoras. A região registra 4,5 milhões de casos positivos da doença e quase 190.000 mortes, além de problemas como a taxa de informalidade trabalhista superior a 50%, desemprego, pobreza, desigualdade e sistemas de saúde frágeis. Em um cenário semelhante, qualquer hipótese de recuperação é especulativa. “No plano social e econômico, a pandemia desatou uma inédita crise econômica e social e, se não forem tomadas medidas urgentes, poderia se transformar em uma crise alimentar e humanitária”, adverte o documento, apresentado pela comissão nesta quinta-feira na sua sede, em Santiago, através de videoconferência.

O panorama econômico descrito pela Cepal e pela OPAS para a América Latina é desolador. A recessão provocada pela pandemia “é a mais abrupta da história”, com uma queda média superior a 9% nos PIBs nacionais em 2020. Os demais indicadores acompanharão o desmoronamento: o desemprego chegará a 13,5%, a pobreza subirá sete pontos, indo a 37,3%, e a desigualdade se agravará ainda mais, com uma alta de 4,9 pontos no índice de Gini. “Os altos graus de desigualdade acompanhados de elevados níveis pobreza, informalidade, desproteção social e limitado acesso à saúde oportuna e de qualidade explicam os altos custos sociais que a pandemia está tendo na região”, diz o relatório.

As fragilidades estruturais golpeiam com mais força os mais pobres, que não podem destinar recursos próprios a custear gastos extraordinários em saúde, ao mesmo tempo em que sua renda se ressente da paralisia econômica. A Cepal calcula que 95 milhões de pessoas devem pagar gastos de saúde do seu próprio bolso, e que pelo menos 12 milhões ficarão ainda mais pobres devido a estes desembolsos. A urgência deve deixar claras as prioridades. A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, adverte que “não há dilema entre saúde ou economia, porque o primeiro é a saúde”.

pandemia expôs a fragilidade dos sistemas públicos de saúde, resultado de anos de baixo investimento: 4% do PIB, contra 6% recomendados pela OMS. “A covid-19 evidenciou fragilidades dos sistemas de saúde da América Latina. São sistemas de saúde segmentados e fragmentados”, diz Bárcena. A situação é tão grave que a diretora da OPAS, Carissa Etienne, diz que a região pode “perder em alguns meses vários anos de avanços no âmbito da saúde”. “Enfrentamos um desafio sem precedentes. É necessário criar condições econômicas e sanitárias para que não deixemos ninguém para trás”, diz.

A Cepal ensaia modelos de solução, baseados no apoio público aos setores mais vulneráveis. “Precisamos mudar nosso modelo de desenvolvimento, nosso paradigma, torná-lo mais sustentável e habitável”, diz Bárcena. “O grande desafio”, acrescenta, “é que haja um novo pacto para construir um Estado de bem-estar com políticas sociais de ampla cobertura. Por exemplo, as mulheres que estão a cargo dos cuidados deveriam receber uma renda básica, porque o que estão fazendo é um serviço à sociedade”. Entre as políticas de Estado necessárias para rebater os efeitos dela crise, a Cepal propõe uma renda básica emergencial, um bônus contra a fome e planos de proteção do setor produtivo, além da consolidação de sistemas universais de proteção social e a adoção de políticas fiscais progressivas.


El País: Saúde deixa de divulgar balanço de remédios em falta enquanto cloroquina abarrota estoques

Dados mais recentes do Conselho Nacional dos Secretários da Saúde são da semana de 12 a 18 de julho. Medicamentos escassos são usados em pacientes graves para a internação em UTIs

pandemia de coronavírus segue com toda força em diferentes zonas no Brasil, mas um eixo central da política sanitária de Jair Bolsonaro continua a ter um só nome: cloroquina. O Ministério da Saúde acumulava no início de julho mais de 4 milhões de comprimidos do medicamento, utilizado contra a malária, lúpus e outras doenças, mas sem eficácia comprovada contra a covid-19. Paralelamente, os serviços médicos e secretarias de Saúde de vários Estados relatam há cerca de dois meses que estão com dificuldades em adquirir remédios essenciais para tratamento do coronavírus nas UTIs dos hospitais. Eles são usados sobretudo para intubação e sedação de pacientes. Essas dificuldades acontecem no momento em que o país já confirmou ao menos 92.475 mortes por covid-19 e 2.682.465 contágios, segundo dados divulgados nesta sexta-feira, pelo Ministério da Saúde. Somente nas últimas 24 horas foram registrados 1.212 novos óbitos e 52.383 novos casos. O ministério também considera que 1.844.051 pessoas estão recuperadas.

Contudo, o presidente do Conass, Carlos Eduardo Oliveira Lula, demonstrou nesta sexta-feira que segue preocupado com o abastecimento de remédios usados para a intubação de pacientes e pediu ao Ministério da Saúde que adote medidas estratégicas para evitar o pior. “Por precaução, tentaria acelerar um processo de compras com a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde]”, afirmou ele durante a 5ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite. Todos os Estados participam atualmente de um pregão de compra do remédios anunciado pelo ministério no mês passado. Mesmo assim, Lula alertou para a necessidade de que Governo Bolsonaro esteja preparado para uma eventual demora no processo de aquisição. O ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, garantiu que alternativas estão sendo discutidas, entre elas a aquisição por meio das Opas.

Na última semana, Pazuello chegou a afirmar no Paraná que sua pasta ajudaria o Estado em caso de desabastecimento e que, se fosse preciso, se valeria da logística militar para fazer uma entrega emergencial. “Em poucas horas, em um dia, proporcionaremos um estoque de emergência para que os remédios não acabem”.

A escassez de medicamentos essenciais nas UTIs não é novidade para Pazuello. O Ministério da Saúde recebeu sucessivos alertas desde maio de que alguns remédios essenciais na sedação e analgesia de doentes graves nas UTIs estavam se esgotando, como informou o jornal O Estado de S. Paulo. Um documento do Comitê de Operações de Emergência do Ministério da Saúde também recomendou que se omitisse as informações sobre a escassez de suprimentos médicos e medicamentos, relatou o jornal O Globo. Em um documento interno, o ministério também passou a dizer que não é de sua responsabilidade proporcionar equipamentos de proteção individual (EPI), respiradores e leitos de hospital aos Estados e municípios, de acordo com o Estado de S. Paulo. Tudo isso acontecia ao mesmo tempo que Pazuello priorizava a distribuição de cloroquina para as secretarias da Saúde.

No início da pandemia acreditava-se que a cloroquina poderia ser eficaz contra a covid-19, mas diversos estudos e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) dizem que ou não tem comprovação ou ainda é muito cedo para afirmar que o medicamento é eficaz. A principal investigação conduzida no Brasil por hospitais privados, e publicada na semana passada no The New England Journal of Medicine, concluiu mais uma vez que o medicamento não deve ser prescrito nem mesmo em casos leves da covid-19. “Há evidências confiáveis de que não há eficácia e, portanto, não faria sentido a prescrição para pacientes hospitalizados”, afirmou o pesquisador Alexandre Biasi, diretor do instituto de pesquisa do Hospital do Coração de São Paulo. “Quando não funciona, não funciona, e paciência”.

Apesar do alerta da comunidade científica, o Ministério da Saúde continua indicando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina na etapa inicial do tratamento da covid-19. Já Bolsonaro, que continua a fazer seu périplo pelo país após se declarar livre da covid-19, assegura que se curou utilizando a medicação. Nesta sexta, ao inaugurar condomínios populares em Bagé, no Rio Grande do Sul, voltou promover o medicamento. “Olha só. Cloroquina. Não é que eu apostei. Eu estudei a questão junto com médicos, via como estava sendo feito no mundo, em especial em países da África e quando você não tem alternativa, não proíba o médico que por ventura queira usar aquele tratamento”, argumentou. “Se não fosse essa tentativa e erro da questão do receituário off label, fora da bula, muitas doenças ainda estariam até hoje existindo no mundo”.

O presidente também admitiu que a eficácia da cloroquina não foi comprovada cientificamente. “Agora ainda não temos alternativa. O pessoal fala ‘ah, não tem comprovação científica’. Todos nós sabemos que não tem comprovação científica, agora não tem também ninguém cientificamente dizendo que não faz efeito. É o que tem. Então vamos usar, ora. Ouvindo o médico, obviamente”.

Num discurso confuso, Bolsonaro, que defende a reabertura irrestrita da economia em meio à pandemia, minimizou as circunstâncias sem precedentes da crise e cobrou que a população “enfrente” a covid-19 que já matou quase 100.000 oficialmente. Afirmou que a miséria provocada pela crise pode abrir as portas do país para “o socialismo”. “É isso que vocês querem no Brasil? Temos é que enfrentar as coisas, acontece. Eu estou no grupo de risco. Eu nunca negligenciei, eu sabia que um dia ia pegar, como infelizmente, eu acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do que? Enfrenta”, afirmou o mandatário. Em seguida emendou: “Lamento. Lamento as mortes, tá certo? Morre gente todo dia de uma série de causas e é a vida. Minha esposa agora tá, depois de quase um mês que peguei o vírus, ela pegou”.


Marcus Pestana: Eleições em meio à pandemia

Entre tantos desafios que o país tem pela frente diante da pandemia da COVID-19, que já nos levou mais de noventa mil vidas brasileiras, temos programadas eleições municipais em 2020.

Numa atitude sensata, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional adiando o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo para 29 de novembro, confiante que até lá a curva de contaminação e óbitos tenha cedido substancialmente.

Sempre achei que o poder local é o mais importante na determinação da qualidade das políticas públicas. Acesso à saúde, qualidade do ensino, habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, desenvolvimento social são tarefas que se definem no concreto na instância municipal. O governo federal induz políticas, cuida de questões gerais como política econômica, defesa nacional e relações exteriores, mas aquilo que interessa às pessoas é bem ou mal executado no plano municipal. Os governos estaduais concentram a política de segurança pública, apoiam os municípios, mas a interface direta com os cidadãos é feita na esfera municipal.

O poder local é o mais próximo da população e o controle social sobre a ação pública é muito maior. A centralidade do poder local foi realçada ao extremo na gestão do combate à pandemia.

A eleição de 2020 será completamente diferente de todas as outras. Tudo indica que a onda devastadora do “novo pelo novo” contra a “velha política” perderá força. Atributos clássicos que sempre foram importantes – experiência, competência, capacidade de formar e liderar equipes, conhecimento sobre políticas públicas – tendem a ser revalorizados.

Em boa hora, o Congresso Nacional ampliou o horário eleitoral de rádio e TV de 10 para 15 minutos diários o programa e de 70 minutos para 100 minutos diários as inserções durante a programação. Isto por que o combate à COVID-19 e o necessário distanciamento social impedirão o uso intensivo de ferramentas clássicas como comícios, grandes reuniões, presença dos candidatos no trabalho de porta em porta, visitas domiciliares, etc.

Surgiu logo uma crítica ao Congresso Nacional, que julgo equivocada e precipitada, alegando que as redes sociais supririam a necessidade dos candidatos se comunicarem com o eleitor. Ledo engano, está provado que as redes sociais operam em “bolhas”, cada um pregando para convertidos ou sendo objeto de violenta ação de adversários, que não visam o diálogo, mas a desconstrução de imagem.

Principalmente a disputa majoritária para prefeito produz a decisão coletiva a partir da comparação entre os candidatos. O candidato que já tem 90% de conhecimento na população não teria tantos problemas, por já ter construído uma imagem, positiva ou negativa, junto às pessoas. Mas um candidato novo precisa se tornar conhecido, depois respeitado, mais à frente admirado, e assim se habilitar a conquistar o voto de confiança dos eleitores. As redes sociais são inegavelmente importantes, mas não substituem a televisão e o rádio. Tanto que a audiência cresce nos últimos dias quando uma parcela enorme da população mais despolitizada procura se informar para definir o voto a partir da comparação entre o conjunto de candidatos.

O importante é que façamos boas escolhas. O Brasil vive uma crise dramática e aos futuros prefeitos e vereadores cabe papel essencial na construção do Brasil pós-pandemia.

*Marcus Pestana, foi deputado federal (PSDB-MG)


Merval Pereira: Mau sinal

Nunca a liberdade de expressão foi tão discutida entre nós como nos últimos dias, o que é um mau sinal. Sempre que se tem que reafirmar uma das pedras fundamentais da democracia, significa que ela está em perigo. São muitas as razões para que o tema atual seja esse, e o santo nome da liberdade de expressão é usado em vão com frequência jamais vista. Começando pelo desenrolar do caso das contas que disseminavam notícias fraudulentas bloqueadas por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso acabou destacando uma das muitas possibilidades tecnológicas dos novos meios que podem ser usadas para o bem e para o mal. As contas bloqueadas no Brasil foram transferidas para o exterior para continuar a atacar a democracia e suas instituições, mas o Facebook recusa-se a bloqueá-las novamente, alegando que a legislação brasileira não abrange outros países, e diz que assim está ajudando a manter a liberdade de expressão.

Essa é uma escusa marota, pois caso um pedófilo use o mesmo estratagema para se esconder atrás de um IP estrangeiro para continuar agindo no Brasil, certamente nenhum novo meio digital desses se recusará a auxiliar a Polícia para prendê-lo. Ou se alguém, para superar a legislação de direitos autorais, se registrar no exterior para ver uma série ainda não liberada no Brasil, poderá ser punido. Caso usasse o seu IP do Brasil, seria logo avisado que o vídeo não está disponível naquela região.

Da mesma maneira, se o Supremo Tribunal Federal (STF) considera que essas contas são utilizadas para cometerem crimes no Brasil, não cabe ao Facebook confrontar a decisão, mas impedir que elas sejam divulgadas aqui. Soa como uma censura, mas o ministro Alexandre de Moraes explica que não se trata de determinar que qualquer outro país cumpra uma decisão da Justiça brasileira, mas sim que o Facebook não permita que do Brasil se possa visualizar os perfis bloqueados, mesmo que, fraudulentamente, tenham mudado o IP para os EUA.

O ministro também explica em sua nova decisão que não há censura prévia, mas de fatos pretéritos. Os bloqueados poderão abrir novas contas, aqui mesmo no Brasil, não havendo nenhuma proibição para que continuem a se manifestar em novas contas e em entrevistas.Se praticarem crimes de novo, serão responsabilizados.

A liberdade de expressão também esteve sob ataque com algumas decisões recentes do governo. Um relatório sigiloso produzido pelo ministério da Justiça cita mais de 570 servidores públicos, muitos ligados à área de segurança, identificados como membros de movimentos antifascismo.

O governo alega não se tratar de investigação, mas admite que monitorou servidores contrários ao governo. O Ministério Público Federal (MPF) deu dez dias à Justiça para explicar a medida, que não se baseia em inquérito ou decisão do Judiciário.

Esta é uma diferença básica entre essa ação, que mais parece uma atividade de polícia política, e a do Supremo, que deriva de um inquérito que, se na sua origem foi questionado e usado abusivamente como no caso de censura à revista eletrônica Crusoé, hoje, depois de correções, está avalizada pelo plenário do STF e pela opinião pública, e se demonstrou um instrumento eficiente para conter essa avalanche de fake news organizada com objetivos claramente políticos ilegais.

Outra norma, esta editada pela Controladoria-Geral da União (CGU), defende punição a servidor público que critique o governo nas redes sociais. De acordo com a nota técnica, o funcionário público pode ser enquadrado por “descumprimento do dever de lealdade” se as mensagens divulgadas produzirem ‘repercussão negativa à imagem e credibilidade’ da instituição que integra. Um exemplo claro: se um funcionário de órgão da Saúde se manifestar contra a adoção de cloroquina no combate à Covid-19, poderá ser punido.


Míriam Leitão: Economia global em escombros

De Genebra, o embaixador Roberto Azevêdo me disse ontem que o comércio no mundo vai cair 13% em 2020. Em volume, o comércio encolheu 18% no segundo trimestre e ele acha que a recuperação será modesta nos próximos meses. Ao final, o mundo terá no ano uma crise maior do que a de 2008/2009. Ficou claro esta semana o tamanho do tombo. O número americano parece cataclísmico, mas o 32,9% é anualizado. O PIB americano diminuiu, na verdade, 9,5% em relação ao trimestre anterior, no indicador a que estamos acostumados.

A Alemanha caiu 10,1%, ou seja, um pouco mais do que os 9,5% dos Estados Unidos. Nos EUA, a maneira de apresentar o número é pegar o resultado do trimestre e extrapolá-lo para o ano inteiro, como se aquele resultado fosse se repetir por quatro trimestres. Aí deu esse fim de mundo. Mas a queda, mesmo vista na comparação com o trimestre anterior, já assusta. O PIB americano havia encolhido no começo do ano. A dúvida é se as tensões entre os Estados Unidos e a China vão aprofundar ainda mais a recessão.

— O impacto da pandemia, com a virtual paralisia das principais economias, é tão expressivo que o efeito das tensões entre Estados Unidos e China, ainda que importante, fica apequenado. A redução das tensões entre as duas potências terá um papel bem mais importante durante a etapa de recuperação econômica. Uma distensão entre os dois países ajudaria a economia global a crescer mais fortemente no pós-pandemia — diz Azevêdo.

No Brasil, há vários problemas extras. Um deles é qual é o limite dos erros que o governo Bolsonaro pode cometer na sua relação com a China? Na quinta-feira, houve a demonstração pública de desprezo por parte do presidente. Ele elogiou a vacina que está sendo desenvolvida, mas avisou que falava da Universidade de Oxford, “e não daquele outro país”. Bom, aquele outro país é o responsável por ter amortecido o tombo do nosso comércio no primeiro semestre. O mundo comprou menos 15% do Brasil, a China comprou mais 15%. A economia chinesa apresentou números positivos no segundo trimestre, de 3,2%. Depois de ter encolhido 6,8%.

Do ponto de vista de investimentos, eles são importantes também. Esta semana mesmo o Ministério da Infraestrutura começou um roadshow virtual para atrair investidores para a Ferrogrão, projeto que liga Sinop (MT) a Mirituba (PA). Dois dos investidores contatados foram a CCCC e a CRCC. Chinesas.

Não é a primeira vez, não será a última, que o governo Bolsonaro lança ofensas gratuitas sobre os chineses. Parece um teste para saber até que ponto eles aguentarão. Mas nessa roleta chinesa nós somos a parte vulnerável. Dos ataques racistas de Abraham Weintraub aos delírios persecutórios de Ernesto Araújo, passando pelas grosserias de Bolsonaro&Filhos, o governo agride diariamente o nosso maior parceiro.

Na saída dos escombros deste ano difícil, o Brasil precisará também dos organismos financeiros multilaterais. Abraham Weintraub é inimigo confesso das boas maneiras, do foco em questões relevantes, e do que ele define como “globalismo”. Os bancos multilaterais seriam instrumentos desse inimigo. O ministro Paulo Guedes cedeu às pressões para indicá-lo. Ele ficará no cargo até outubro, pelo menos.

Ontem saíram os dados de outras economias europeias. No segundo trimestre, a França caiu 13,8%, acumulando 19% de queda no ano, a Itália, 12,4%, a Espanha, 18,5%, acumulando 22%. Na Espanha, o único setor a crescer foi a agricultura, como aqui no Brasil. A zona do euro encolheu 12%. Segundo o “Financial Times”, a retomada está sendo ameaçada pelos riscos de novas ondas e será “lenta e desigual”.

O ano está difícil para todos. A China, que teve indicadores melhores no segundo trimestre, voltou a ter alta de casos de Covid-19 em algumas áreas. Diante desse quadro, Azevêdo disse à Christiane Amanpour, na CNN, que o mundo está assistindo à maior contração em tempos de paz desde os anos 1930. E a grande questão que está posta é quão rapidamente o mundo pode se recuperar. Perguntei ao embaixador, que está deixando a OMC, como ele vê a situação do Brasil:

— Com muita preocupação, porque o desempenho econômico do país no futuro imediato estará inevitavelmente ligado à sua capacidade de controlar a pandemia, cujo quadro atual no país é muito inquietante.


Adriana Fernandes: Chaminé no teto

Gogó em torno da defesa do teto de gastos não está mais adiantando no Congresso

No seu quarto ano de aniversário, o teto de gastos está sob pressão porque falhou em um dos principais argumentos vendidos pelo governo Michel Temer para a sua aprovação.

Até agora, não deu certo a premissa de que a regra fiscal que trava o controle das despesas comprimiria o Orçamento e levaria o Congresso e o Executivo a terem de escolher as mais urgentes prioridades da população, como saúde e educação, para irrigar os recursos.

Ao longo desses anos, também não prosperou a tão propalada revisão dos chamados gastos tributários com incentivos fiscais, que no Brasil consomem 4,2% do PIB. O corte desses benefícios foi engavetado pelo governo e pelo Congresso.

A tal escolha das prioridades não funcionou e tem encorajado de forma legítima a sociedade, por meio de organizações que representam essas áreas, a buscar o seu quinhão para que os seus recursos não sejam contraídos num ambiente de recessão econômica e de vigência de uma regra fiscal muito restritiva, como o teto.

Na disputa pelo espaço apertado do Orçamento, o limite do teto foi ao longo do tempo sendo capturado por setores da sociedade apadrinhados pelos grupos de poder instalados no Palácio do Planalto. Quem grita mais leva.

É disso que se trata a reação recente dos movimentos sociais em defesa da educação, saúde e dos programas sociais, que pedem mudanças na regra do teto.

Independentemente de quem vença a guerra de números que tem sido travada em torno de quanto se perdeu ou ganhou com o teto, a verdade é que os representantes dessas áreas não querem ficar amarrados pelas restrições da regra fiscal enquanto buracos no Orçamento são abertos para despesas muito menos prioritárias.

O exemplo mais gritante pode ser visto nas concessões para os militares, Ministério Público e Judiciário. Só com um penduricalho no salário dos militares, o Brasil vai gastar R$ 26 bilhões em cinco anos.

A reação desse movimento social é de natureza bem diferente daquela que move integrantes do governo a tentar burlar o teto de gastos a todo custo para expandir investimentos numa lista de obras arquitetada sem transparência e com destino certo: a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Ficou tudo mais embolado com a pandemia da covid-19. Reportagem do Estadão desta semana revelou com detalhes as forças dentro do governo (e dentro da própria equipe econômica) para fazer gambiarras com o teto. Propostas não faltam, até mesmo com o uso do dinheiro que deveria estar sendo aplicado com a urgência necessária para o combate dos efeitos do novo coronavírus.

O governo, que até a pandemia comprimia os gastos sociais a ponto de acumular uma fila de dois milhões de pedidos de benefícios, agora quer turbinar o programa Renda Brasil, a sua versão repaginada do Bolsa Família, para dar porta de saída ao auxílio emergencial de R$ 600. E, é claro, impedir que a popularidade do presidente caia.

Do ponto de vista do Ministério da Economia, foram quatro anos de verdadeira “guerrilha” dos técnicos para impedir que as forças destruidoras do teto avançassem sobre o pouco de espaço que existe no Orçamento.

Sucessivas investidas ocorreram para aprovar despesas que nada têm a ver com as prioridades mencionadas acima. Bombas foram desarmadas. Outras prosperaram. Quanta energia empregada nesse trabalho! Em pelo menos duas vezes, a máquina administrativa ficou em situação de quase shutdown (paralisação) para atender às restrições legais do teto.

Em muitas dessas batalhas, a equipe econômica foi buscar guarida no Tribunal de Contas da União (TCU) para que a Corte arbitrasse decisões que deveriam ser resolvidas pelo próprio Executivo. Disputas essas, muitas vezes travadas entre o Ministério da Economia e o Palácio. A favor da equipe econômica, está o medo dos presidentes da República de ter o mesmo destino da ex-presidente Dilma Rousseff: a condenação por irresponsabilidade fiscal.

Como esse não é o papel do TCU, a tática de terceirização de responsabilidade decisória está se exaurindo. Funcionou no governo Temer e no primeiro ano do governo Bolsonaro, mas agora não está colando mais.

Mal desenhado por não permitir acionar os gatilhos automáticos de corte de despesas para evitar o seu estouro, o teto agora vive o seu momento mais difícil. Os seus defensores dentro da equipe econômica, que acreditam ser ele a principal âncora da política fiscal, estão atordoados com a velocidade e a força do processo dentro do governo pela sua mudança.

Perguntam eles ao ministro Paulo Guedes: por quanto tempo o senhor acha que vai conseguir convencer o mercado a financiar o governo indo para o décimo ano com déficit, em 2023, e sem nenhuma expectativa de voltar ao superávit, além de uma dívida pública caminhando para 100% do PIB?

Fora da área econômica, o drama é outro: garantir dinheiro para a retomada do crescimento.

O que não está certo é que esse debate seja feito às escuras. Basta de dribles! Que a discussão seja aberta e transparente para evitar que se acabe colocando uma “chaminé” no teto a serviço, novamente, de interesses menores.

Gogó em torno da defesa do teto não mais está adiantando. É preciso um plano organizado de saída desse impasse fiscal com o Congresso.


Miguel Reale Júnior: Os súditos do presidente

Há nexo de causalidade entre o mau exemplo de cima e a prepotência sobre o uso de máscara

A pandemia faz aflorar a sensação plena de nossas contingências e fragilidades. Integramos agora, independentemente de nossa origem, cor, condição social, sexo, religião ou time de futebol, uma mesma categoria: potenciais vítimas da covid-19.

Tal importa em visitar e praticar o valor solidariedade social, fruto da consciência viva de dependermos cada qual do outro. Assim, cooperamos com o nosso próximo, esperando que ele também colabore conosco, para, em irmandade, juntos, superarmos o inimigo comum.

A noção de planetário pertencimento à nova categoria de potenciais vítimas do vírus desfaz eventual sensação de ser o outro um inimigo, uma fonte de desgraça, pois todos somos, sem o querer, concomitantemente, destinatários ou transmissores do mal. Esta recém-experimentada condição, que nos retira de nossas atividades habituais, impõe a humildade de reconhecer que se deve aos demais a atenção de cuidados para protegê-los.

O pertencimento a uma situação geral perigosa deve unir, e não confrontar, fazendo surgir espírito comunitário, a ser vivido na rua, no prédio de moradia, no supermercado, nos ônibus, consistente no respeito à vida de todos, mesmo porque a proteção dos circunstantes também significa a defesa de si mesmo.

Todavia não é o que se está a verificar em parcela da nossa sociedade, ao negar o valor da solidariedade e se arvorar imune à peste, para por comodidade ou arrogância desrespeitar a vida alheia e não colaborar com o bem comum.

Já Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras, José Olympio editor, 1949, pág. 132 e seguinte), estudando a formação cultural do Brasil, anotava ser absolutamente nula a solidariedade social entre nós, havendo apenas pequenos traços de solidarismo local sem nenhuma significação geral, concluindo: “O brasileiro é fundamentalmente individualista”.

Há na rejeição ao uso da máscara recusa a se submeter a qualquer regulamentação, configurando uma regressão ao estado da natureza, em termos de Hobbes, ao se impor a própria vontade sem responsabilidade social e sem controle de si mesmo, a ponto de se permitir lesionar quem exige respeito às normas sanitárias.

Causa indignação um ex-presidente do Tribunal de Justiça e outro desembargador, do alto de sua prepotência, afrontarem a legítima regulamentação por decreto autorizado por lei federal, para se negar a usar máscara como o comum dos mortais. O que mais espanta, todavia, é a violência da reação ao se ser cobrado a cumprir a regulamentação e a regra moral da solidariedade. O desembargador, ao rasgar e jogar no chão a multa, ultrapassou a linha da contestação para atuar com agressividade.

Esta violência assusta ainda mais quando se verifica que pessoas comuns, sem nenhum desvio pregresso de conduta, reagem violentamente quando questionadas por estar sem máscara.

Podem ser colhidos diversos exemplos de norte a sul do País. Em Belo Horizonte, motorista de ônibus negou-se a transportar três pessoas sem máscara, que é obrigatória na capital mineira. Ainda tentou explicar não dever pôr em risco a vida de todos os passageiros, mas foi inútil: a mulher, ao descer, o estapeou-o no rosto (www.g1.globo.com/minas-gerais/noticia/20/07/20). .

Em Alagoas um cidadão repreendeu policial militar aposentado por não usar máscara. O policial derrubou-o, chutou-o e agrediu-o, mesmo deitado, gritando: “Usa máscara quem quer!”
(diariodopoder.com.br.brasil-e-regioes/alagoas/policial). Na cidade de Catalão, em Goiás, dono de bar idoso foi agredido e teve a perna quebrada por um cliente ao ser-lhe pedido que usasse máscara (www.noticias.uol.com.br/cotidiano/2020/06/29).

Mais outra: homem entrou sem máscara em supermercado em Vacaria (RS) e ao ser advertido pelo gerente, na discussão, esfaqueou-o (Estado, 21/6). Também na cidade de Registro, sul do Estado de São Paulo, policial foi agredido por empregados de loja após solicitar que usassem máscara. O policial lesionado disse ter sido “degradante a situação, pois queria a proteção deles e dos demais e por cobrar essa preocupação” foi agredido” (www.jornaldebrasilia.com.br/nahorah/policial). .

O que desencadeia essa violência de pessoas normais em face de simples pedido de respeito às normas sanitárias durante uma pandemia, obrigação óbvia como medida de solidariedade social?

Além do insolidarismo vigente em nossa cultura, “se farinha pouca, meu pirão primeiro” (Bezerra da Silva), há evidente nexo de causalidade entre o mau exemplo que vem de cima e o exercício prepotente e agressivo da população ao ser cobrada pelo não uso de máscara (oglobo//globo.com/sociedade/especialistas-explicam). Se o presidente da República profere o insolidário “E daí?” e vai a bar, barraca de cachorro quente, aglomeração contra o Congresso e o Supremo, sem máscara, cujo uso ridiculariza, com que autoridade se exige esse uso com ares de reprovação?

É uma vertente do “sabe com quem está falando?”. Está falando com um súdito do presidente.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


Demétrio Magnoli: Vírus ainda mais contagioso controla os portões escolares, a política eleitoral

Um ano sem aula cobrará preço devastador em vidas intelectuais e profissionais amputadas

Vejo, melancólico, as fotos de Adriano Vizoni, das escolas públicas fechadas (Folha, 27.jul). Lembro das primeiras escolas em que dei aulas, em Carapicuíba e Caucaia do Alto, nos idos de 1978. A placidez com que o Brasil encara a interrupção eterna do ano escolar é um retrato em preto e branco do desprezo nacional pelos pobres —e pela educação.

Cito os estudos científicos sobre as escolas básicas suecas, que nunca fecharam, e alemãs, reabertas em maio? Eles mostram o risco irrisório do retorno parcial às aulas, sob os conhecidos protocolos sanitários, durante o declínio das infecções. Menciono a orientação do Centro de Controle de Doenças dos EUA —são médicos, não agentes de Trump— de próximo retorno às aulas (bit.ly/30ac7AZ)? Melhor não.

"Você quer matar as crianças, os professores, os pais e os avôs!"; "arauto da necropolítica!"; "genocida!". As réplicas rituais surgem, aos gritos, de quem jamais lerá estudo algum —mas não cansa de empregar a palavra "ciência".

Falar em escolas já produziu até uma nova especialidade acadêmica. Um matemático da FGV criou um modelo profético que garantia a morte de milhares de crianças em poucas semanas de aulas. Depois, voltou atrás, alegando "empolgação", reconhecendo equívocos de comunicação e estratosféricas incertezas estatísticas. Com o vírus, ao lado da Matemática Pura e da Aplicada, nasceu a Matemática Empolgada.

"Uma única vida perdida", porém, seria suficiente para manter as escolas fechadas, concluiu o matemático, jogando no lixo seu monumento estatístico em ruínas. De acordo com o modelo mental hegemônico entre governantes e especialistas fechados na bolha da alta classe média, crianças sem aula foram isoladas em tubos de vácuo: não brincam nas ruas, não retornam às suas casas e, portanto, não transmitem o vírus.

Sindicatos de professores concorrem, em corporativismo, com associações de policiais. A simples menção à hipótese longínqua de reabertura escolar deflagra ameaças de greves. Dirigentes das entidades querem evitar a volta às aulas até o advento da vacina. O fenômeno é mundial: um manifesto do sindicato de professores de Los Angeles lista dezenas de pressupostos para a reabertura, inclusive a implantação de um sistema universal de saúde nos EUA. Esqueceram de exigir a prévia abolição do papado.

O Plano São Paulo prevê a retomada de aulas apenas um mês depois de todas as regiões atingirem em uníssono a etapa amarela. Por que uma escola paulistana não pode reabrir enquanto ainda pesam restrições sanitárias em Araçatuba? João Gabbardo, do centro de contingência, explicou que o obstáculo não decorre de critérios epidemiológicos, mas de uma norma de uniformidade da Secretaria de Educação.

De fato, um outro vírus, ainda mais contagioso, controla os portões escolares. O nome dele é política eleitoral.

Os pais têm medo, um sentimento compreensível, em parte derivado da "empolgação" jornalística. Nos dias em curso, a notícia lateral de que a França foi obrigada a fechar novamente algumas dezenas de escolas soterra a informação sobre a reabertura em segurança de 40 mil escolas. Nesses tempos, apesar do elogio editorial à ciência, um matemático empolgado ganha as manchetes que ignoram pesquisas epidemiológicas baseadas em evidências.

Na escola, as crianças aprendem a aprender. Um ano sem aula cobrará preço devastador em vidas intelectuais e profissionais amputadas. Bons professores sabem disso —e não precisam curvar-se às ordens dos chefões sindicais.

Como os médicos e enfermeiros, eles têm o dever cívico de levantar as mãos, declarando-se prontos a enfrentar riscos muito menores. De minha parte, vai aqui uma mensagem de voluntariado ao governo estadual: estou pronto a voltar a meus 19 anos, substituindo professores recalcitrantes em qualquer escola pública —até a vacina.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Julianna Sofia: Guedes adere ao vale-tudo para recriar CPMF

Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF

No vale-tudo de Paulo Guedes (Economia) para desinterditar o debate sobre a recriação da CPMF, o ministro usa técnicas de um diversionismo pouco sofisticado para sugestionar a opinião pública, majoritariamente contrária ao novo (antigo) tributo.

Nas investidas mais recentes, o economista de Jair Bolsonaro vincula a instituição do imposto, a um só tempo, à desoneração de 25% da folha de salários das empresas, à ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda e ao financiamento de parte do novo Bolsa Família (Renda Brasil).

Com as finanças públicas exauridas, Guedes não abre mão do dinheiro grosso que poderia amealhar com uma alíquota mínima de 0,2%: R$ 120 bilhões. Há planos por uma taxação de até 0,4%. Joga iscas ao empresariado, à classe média e à população de baixa renda para capturar o mundo político —atmosfera na qual nunca orbitou.

Por inabilidade ou dissimulação, a equipe econômica insiste não se tratar de reempacotamento da CPMF, pois o novo tributo incidiria sobre pagamentos, sobretudo compras no e-commerce. Das falas desencontradas e dos vazamentos seletivos de informações, conclui-se, porém, que a intenção vai além de criar um “imposto do Rappi”, restrito ao ambiente digital, de cunho moderno e elitizado.

Pagamentos de qualquer tipo, compras inclusive em dinheiro, estariam sujeitos à tributação devido ao registro digital —hoje válido até para o pãozinho na padaria. Impostos sobre transações vigoram atualmente apenas em uma dúzia de países, como Paquistão, Venezuela, Argentina e Sri Lanka.

A aversão do Congresso é liderada por Rodrigo Maia, para quem a contribuição trava a economia: "Minha crítica não é se é CPMF, se é microimposto digital, se é um nome inglês para o imposto para ficar bonito, para tentar enrolar a sociedade”. A despeito das reações, com o centrão a tiracolo e sem mover um músculo, Bolsonaro autoriza Guedes a se aventurar mais uma vez na busca por apoio.