Day: maio 28, 2020

‘Gabinete do ódio está no coração do governo Bolsonaro’, diz Política Democrática

Em editorial, revista da FAP diz ser urgente disseminar informação sobre a cara do governo

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos de luz sobre o governo”, diz o editorial da nova edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. De acordo com o texto, a pandemia do coronavírus é questão crucial para o Brasil vem sendo tratada com “descaso esperado” pelo presidente Jair Bolsonaro e sua equipe. “O chamado gabinete do ódio está no coração do governo”, alerta outro trecho.

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No mundo todo, o coronavírus matou mais de 355 mil pessoas até esta quinta-feira (28) e, no Brasil, quase 26 mil. No país, há 418,6 mil casos confirmados e 190,8 mil pessoas conseguiram se recuperar. “Uma vez que o problema, para o governo, não é a doença, mas as medidas que o consenso da ciência indica para sua contenção, caminhamos celeremente para a quebra de todos os recordes negativos”, afirma o editorial.

Provavelmente, de acordo com a opinião da revista Política Democrática Online, o Brasil atingirá números mais elevados do mundo, tanto no que respeita a óbitos quanto a empregos destruídos. “Essa a verdadeira face do governo. A face alternativa é fugaz, fruto da pressão das circunstâncias e se dissipa na sua ausência”, destaca o texto.

De acordo com o editorial, é urgente disseminar a informação sobre a cara do governo e fazer chegar a todos os cidadãos o alerta sobre os riscos que lhes são impostos.

O texto também diz que, considerando o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, “há identidade plena entre as barbaridades estampadas nos cartazes dos manifestantes, em circulação nos espaços mais tenebrosos das redes sociais, e o discurso do primeiro escalão do governo”, afirma.

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Fernando Schüler: A liberdade de expressão exige tolerância a ideias que detestamos, mas qual o limite?

Acordo sobre opiniões nunca foi uma tarefa simples nas sociedades abertas

"Instituições não são a democracia", diz o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em um tuíte, semanas atrás. O deputado segue fazendo considerações sobre o sentido da democracia ("é a vontade popular") e termina com uma afirmação: "Quem tem atacado tanto o Estado de Direito quanto a vontade popular é o STF".

A frase acima consta no despacho do ministro Alexandre de Moraes como exemplo de mensagens ilícitas ou fraudulentas (as expressões poderiam variar aqui: falsas, odiosas, agressivas) que justificam a operação policial realizada na quarta, no inquérito das fake news.

Outra mensagem diz simplesmente: "Doria e STF trabalhando em conjunto para matar o povo de fome". Essa não sei de quem é, o que é irrelevante. Há milhares de frases como essa, todos os dias, na internet. Aliás, há pouco mais de 30 anos, quando comecei a prestar atenção à política, escuto gente atribuindo a fome ou a miséria a esta ou àquela autoridade.

Outra mensagem parece mais globalizada: "Fui treinada na Ucrânia e digo: chegou a hora de ucranizar!". Sabe-se lá o que a frasista queria dizer com isso. Imagino que tenha a ver com a defesa de algum tipo de iliberalismo. Mas é só um palpite.

Há frases bem sem gracinha, do tipo "a maioria dos juízes nunca foi juiz", e, pasmem, "não querem se reformar". Há frases mais pesadas. Palavrões, que me permito não citar aqui, e bobagens, em regra mal escritas e de gosto duvidoso.

Discordo de todas aquelas frases e, ao contrário daquelas pessoas, tenho a Suprema Corte brasileira em alta conta. Dias atrás elogiei o ministro Celso de Mello pela sua recusa em proibir uma passeata exprimindo precisamente o tipo de ideias que as tais mensagens expressam.

Celso de Mello o fez com afirmação simples e precisa: não cabe ao Supremo ou à Justiça a "proibição estatal do dissenso".

Pois é o que nossa Suprema Corte faz agora. Já havia feito quando interditou uma publicação da revista Crusoé, por ser caluniosa ou falsa. À época, muita gente protestou, com razão. Houve editoriais de jornais respeitáveis. Agora os ventos mudaram.

O despacho do ministro diz suspeitar que as mensagens compõem uma complexa rede de pessoas que expõe "a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito".

Trata-se, sem tirar nem por, de punir o delito de opinião. Opinião individual ou organizada, não importa. Opiniões "perigosas" para a República. Opiniões, repito, que inundam as redes sociais, no Brasil e mundo afora, todos os dias.

O Estado brasileiro, pela mão de nossa Suprema Corte, se prepara para assumir a função de reguladora do grau de risco que uma frase ou grupo de frases podem trazer à República, às instituições ou à ideia mais geral da democracia.

É um caminho. Conhecendo o histórico do STF em defesa da liberdade de expressão, intuo que muitos de seus membros se sentirão incomodados ao passar os olhos por aquelas mensagens toscas e imaginar que alguém possa considerar que sua expressão não esteja garantida pela Constituição brasileira.

Ela está. Isso foi perfeitamente consagrado na histórica decisão tomada pelo próprio Supremo, quando da revogação da Lei de Imprensa.

O ministro Ayres Britto foi direto: "Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas".

Isso não exclui, por óbvio, o direito de resposta ou à reparação, sempre a posteriori. O que é estranho ao nosso ordenamento institucional, ao menos até agora, é a ideia de um Estado praticando um controle prévio e genérico de opinião, arbitrando o falso e o verdadeiro.

Isso pode mudar. O país pode migrar para um modelo de tutela do Estado sobre a opinião pública. Nesse caso, será preciso definir claramente quais são as ideias erradas, e quem faria esse controle na imprensa e nas redes sociais.

O problema aí é sempre o mesmo: as ideias erradas costumam sempre habitar o outro lado do mundo político, e um acordo sobre essas coisas nunca foi uma tarefa simples nas sociedades abertas.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


José Serra: Receita venezuelana

A conduta política de Bolsonaro evidencia que ele está seguindo a cartilha bolivariana

Ninguém se torna ditador de um dia para o outro. Em primeiro lugar, precisa desacreditar o regime democrático e o sistema representativo. Depois de insuflar as massas insatisfeitas contra a democracia e os representantes eleitos, o líder populista procura demolir as instituições e tudo o mais que impõe limites entre a sua vontade e a submissão do povo ao seu desejo de poder absoluto, transmutado em mito. O terceiro passo é angariar recursos de poder, apoio financeiro de setores das classes dominantes, e armar seus seguidores. Tudo isso em nome da liberdade do povo, supostamente usurpada por autoridades legitimamente constituídas.

Jair Bolsonaro costuma citar a Venezuela como o perfil preferido de seus adversários dentro e fora do País. As evidências de sua conduta política mostram, entretanto, que ele está, ao contrário, seguindo a cartilha bolivariana com certa persistência.

É longa a transmutação de um líder político, eleito por voto popular, em figura mítica onipotente. Hugo Chávez, depois do fracasso de sua tentativa de golpe armado, deu um primeiro grande passo revogando a Constituição venezuelana e adotando uma Constituinte unilateral. Sua tarefa foi facilitada pelo boicote de uma oposição moderada muito fragmentada, a tal ponto que boicotou as eleições. Uma situação muito similar à que se observou entre nós quando, mesmo diante da radicalização política dos extremistas, as forças democráticas moderadas nem sequer tentaram se unir contra a ameaça comum.

Seguiram-se a manipulação populista da economia, a cooptação das Forças Armadas e do setor produtivo, em grande parte estatizado e majoritariamente corrupto, e a manipulação do câmbio para beneficiar as elites. Apesar disso, e incapaz de se unir, o pouco que restou da oposição não podia ser tolerado e Hugo Chávez reinventou a Corte Suprema de Justiça, impondo-lhe a missão de servir, acima de tudo, à “revolução” bolivariana.

O passo decisivo da ditadura chavista foi dado pela criação, em 2009, de milícias armadas, a Guardia Civil Bolivariana, encarregada da defesa contra a crescente organização das oposições e neste ano transformada em braço oficial das Forças Armadas.

Diferentemente das organizações militares tradicionais, as milícias são organizadas em grupos armados dentro de empresas e repartições e em comunidades de residência. São principalmente essas milícias, e não as Forças Armadas, que efetuam a repressão às manifestações, os sequestros, as execuções, a invasão e ocupação da Assembleia Nacional, tudo praticado em nome do socialismo e da liberdade.

A opinião pública brasileira e o debate político estiveram, nos últimos dias, estupefatos pelo conteúdo perturbador de uma reunião entre as mais altas autoridades do País. Mas o que essa reunião põe a nu de mais relevante não é a suposta interferência de Bolsonaro em instituições de investigação e inteligência. É, sim, o propósito anunciado do presidente de armar o povo para que o cidadão comum ameace, com armas de fogo, as autoridades constituídas quando delas discordarem.

Nas palavras do presidente, ouve-se: “Eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um p..a de um recado pra esses b…a. Por quê que eu estou armando o povo” - sendo esses b…as governadores e prefeitos que não lhe agradam. Não se trata de um caso isolado. Os insultos ao Parlamento e ao Judiciário estão presentes desde a campanha eleitoral, tornaram-se pauta normal do presidente desde o fim de 2019 e, agora, agenda dominical do primeiro mandatário e de seu Ministério.

Em maio de 2019 Bolsonaro deu um passo nas pegadas de Chávez ao propor um pacto com os demais Poderes da República, convidando o Judiciário a colaborar com as agendas de governo, reiterando que era bom ter a Justiça a seu lado, quando o que cabe a ela é estar do lado da lei. Mais significativamente, na sequência da proposta de pacto, após criticar o Supremo Tribunal Federal por decisões supostamente contrárias às suas convicções políticas e religiosas, prometeu nomear para a Suprema Corte um evangélico, porque o Estado pode ser laico, “mas”, ressaltou, “eu sou cristão”.

Faltava, até agora, o modelo de mobilização de fiéis seguidores, que substituiu o voto popular, para manter no poder o sucessor de Chávez, derrotado nas eleições para a Assembleia Nacional. Trata-se das milícias bolivarianas, que o mantêm no poder mediante ataques armados às manifestações populares, praticam sequestros e execuções e invadem e ocupam o Parlamento.

Não é à toa que a opinião nacional e o Congresso têm reagido contra as tentativas do presidente de anular todas as cautelas e restrições ao acesso universal indiscriminado a armas letais, sob o pretexto de garantir a segurança dos indivíduos e de suas propriedades. Por trás dessa agenda existe, como esclarece o próprio Bolsonaro, uma agenda, até agora oculta, de armar seus fiéis seguidores para que possam resistir com armas na mão contra autoridades públicas que ousarem contrariar seus desejos e interesses.

*Senador (PSDB-SP)


Míriam Leitão: O ajuste depois da dívida a 100%

Todo gasto extra será financiado por aumento da dívida, depois será preciso ter um plano de reequilíbrio das contas públicas

O dinheiro que o Banco Central passar para o Tesouro, da valorização das reservas, só poderá ser usado para pagar dívida pública, mas de qualquer maneira ajudará indiretamente no financiamento das despesas. O BC deve transferir perto de R$ 500 bilhões para o Tesouro, mas, como explicou um integrante da equipe econômica, “não há mágica. Todo aumento de gasto extra este ano será financiado por aumento da dívida”. Ou seja, mesmo com a valorização das reservas e o resultado positivo do Banco Central transferido ao Tesouro, quando o dinheiro for gasto a dívida ficará maior. A ajuda indireta ocorre porque recursos que seriam usados para pagar a dívida poderão ser utilizados para outras despesas.

O lucro do Banco Central foi resultado da valorização do dólar e, segundo o “Estadão” de terça-feira, a equipe econômica deve pedir a transferência do resultado do BC no primeiro semestre para os cofres do Tesouro. Confirmei que de fato ocorrerá, porém, como me foi explicado, “isso é fonte de financiamento mas não reduz dívida”.

É que na nova lei que definiu o relacionamento entre Banco Central e Tesouro, o Ministério da Economia pode requisitar o resultado positivo da valorização das reservas, desde que a transferência seja aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, em situações de restrição de liquidez para financiar despesa.

— Quando o BC transfere os recursos para o Tesouro isso equivale à emissão monetária. Mas quando o Tesouro Nacional receber os recursos e gastar haverá expansão da liquidez e o BC terá que enxugar, aumentando as operações compromissadas — explicou o técnico da área econômica.

Em resumo, a valorização das reservas, em função da alta do dólar, vira resultado positivo do BC. Isso é transferido para o Tesouro, mas quando ele for gasto aumentará a dívida pública.

Há cálculos entre os economistas de que o Brasil pode acabar saindo desta crise com uma dívida perto de 100% do PIB. Um integrante da equipe com quem conversei me disse que está sendo estudada uma fórmula que permitirá em curto prazo a redução do endividamento. Outro técnico do governo, contudo, vê esse caminho com ceticismo. E diz que mesmo esse dinheiro que irá do Banco Central para o Tesouro não ajudará a resolver o problema do endividamento crescente do país.

Quando perguntado sobre como enfrentar as contas públicas após a pandemia, o ministro Paulo Guedes costuma dizer que basta aprovar as reformas. Há vários problemas nessa simplificação. O primeiro é saber de que reformas ele está falando. O projeto de reforma tributária nunca foi apresentado. A propósito, neste mês de maio completa um ano que o ex-secretário da Receita disse que no mês seguinte a proposta seria enviada ao Congresso. E nunca foi porque não existe. O projeto era a volta da CPMF, que foi rejeitada pelo presidente, mas continua na cabeça do ministro da Economia com o nome de imposto sobre transações. A reforma administrativa não foi aprovada por Bolsonaro, tudo o que se conseguiu foi embutir no projeto de socorro aos estados a proibição de aumento de salários que Paulo Guedes definiu naquela fatídica reunião com a frase “nós já colocamos a granada no bolso do inimigo”. Mas é bom lembrar que o presidente adiou a sanção do socorro aos estados, para dar tempo de policiais terem aumentos e aprovarem planos de contratação.

O segundo ponto é como um governo que decidiu fazer uma aliança de sobrevivência com o centrão vai aprovar propostas amargas que levem ao reajuste das contas públicas. Até porque o próprio presidente não estará disposto a se mobilizar. Como todos viram, Bolsonaro não ajudou na tramitação da reforma da Previdência. Ela foi aprovada apesar dele. Os novos nomeados pelo centrão para cargos estratégicos, onde há dinheiro, não foram para os cargos para fazer austeridade fiscal, evidentemente.

Além disso, antes de pôr em prática uma política de ajuste, será preciso ainda ter um plano de socorro à economia que estará muito fragilizada ao fim da pandemia. Será preciso gastar com a reconstrução.

Mas o fato é que o país sairá desta crise com uma alta relação dívida/PIB e precisará ter um plano para efetivamente reduzir o endividamento. Não basta repetir o clichê de que vai aprovar “reformas estruturantes”. Será preciso ter de fato um projeto de reequilíbrio fiscal.


Ascânio Seleme: Spy X Spy

A Polícia Federal é uma instituição do Estado brasileiro, não do chefe do executivo

Claro que cabe à Polícia Federal investigar malfeitos de governadores e outras autoridades estaduais, atendendo a determinação judicial. Também é da competência da PF abrir inquérito para apurar ataques contra membros do Supremo Tribunal Federal. As duas ações deflagradas ontem e antes de ontem são, portanto, absolutamente legais. Houve desvio de dinheiro público no Rio e a conduta do governador Wilson Witzel levanta suspeitas. Sobre as fake news contra o STF e seus ministros que infestam as redes sociais não resta qualquer dúvida, faltando apenas descobrir quem as financia, produz e dissemina.

As duas operações da Polícia Federal estão no meio de um redemoinho político. As ações de busca e apreensão feitas em endereços do governador Witzel, inclusive os dois palácios oficiais do governo, ocorrem pouco mais de um mês depois da intervenção do presidente Jair Bolsonaro na PF. Não que a polícia pudesse agir sozinha, mas ordens judiciais só existem porque são obtidas. Há elementos que corroboram a impressão de que houve uma incitação política no caso. Dois deputados bolsonaristas, Carla Zambelli e Anderson Moraes (ambos do PSL), deram declarações informando que haveria operação da PF antes de ela ocorrer.

Há duas semanas, Anderson disse que o “japonês da Federal iria bater na porta de Witzel”. Zambelli mencionou a operação na véspera, numa entrevista à Rádio Gaúcha. Disse que governadores estavam sendo investigados pela PF. Confrontada com o fato, afirmou que havia lido a informação na imprensa. Mentiu. Outro fator foi o apelido dado à operação antes mesmo de ela ser deflagrada. Tanto Zambelli quanto o assessor especial para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Filipe Martins, a chamaram de Covidão. O apelido ganhou as redes, alimentando o bolsonarismo radical.

O próprio Bolsonaro admitiu que a obra é sua. Ontem, ao falar aos seus seguidores na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que enquanto for presidente vai ter mais ações como a deflagrada contra Witzel. Ele confessou o crime. Não cabe ao presidente da República determinar que tipo de ação deve fazer a PF nem decidir contra quem ela deve operar. Por esta intervenção indevida o capitão está sendo investigado. A Polícia Federal é uma instituição do Estado brasileiro, não do chefe do executivo.

Nenhuma dúvida de que Witzel tem que responder sobre os crimes cometidos sob suas barbas. Há inúmeros indícios de que ele foi no mínimo conivente na compra superfaturada de respiradores e na contratação esquisita de hospitais de campanha.

Houve desvios, contratos foram assinados mesmo sendo amplamente desfavoráveis ao estado, sete hospitais foram contratados e apenas um foi entregue, e o subsecretário de Saúde está preso. Havia mesmo o que se investigar, mas não precisava do empurrão de Bolsonaro. A ação aparentemente furou a fila e teve motivação política.

Do outro lado, a ação de ontem em endereços de gente como Roberto Jefferson e Luciano Hang, dois dos mais fanáticos apoiadores de Bolsonaro, também tem um componente político, mas não guarda nenhuma semelhança com a incitação provocada por Bolsonaro sobre os desvios no Rio. Neste caso, os ofendidos são os ministros do Supremo, alvos de uma campanha de mentira, difamação e desestabilização sem precedentes nas redes sociais. Mais do que justa, a operação é obrigatória e defende não apenas juízes, mas a instituição e, em última instância, a própria democracia.

Os ataques contra o Supremo atingem a nação inteira. O ex-deputado Roberto Jefferson, um dos principais estimuladores a ataques ao STF, prega a sua dissolução e o compara ao nazismo. Ontem, o ex-deputado, condenado a mais de dez anos de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, disse que o presidente Bolsonaro deveria aposentar os onze ministros e nomear outros. Pregou um golpe, o aloprado. E, se restava alguma dúvida sobre a legitimidade da ação, ela desapareceu quando Carlos e Eduardo, dois dos três zeros de Bolsonaro, a condenaram.


Bernardo Mello Franco: Operação da PF expõe cloaca do bolsonarismo

A operação contra fake news abriu a tampa de um bueiro. Dele saltaram personagens da cloaca bolsonarista, que usa as redes para disseminar ódio e atacar instituições

O inquérito das fake news abriu a tampa de um bueiro. Dele saltaram milicianos virtuais, blogueiros pagos, vivandeiras de quartel e até um ex-mensaleiro. Personagens da cloaca bolsonarista, que usa as redes para disseminar ódio e atacar instituições.

A Polícia Federal dissecou o funcionamento de uma máquina de desinformação. Ela atua de forma coordenada, com disparos em massa, uso de robôs e impulsionamento de conteúdo. É uma estrutura profissional, que depende de apoio financeiro para gerar resultado.

Entre os alvos da operação, estão os empresários Luciano Hang, da Havan, e Edgard Corona, da SmartFit. Eles integram o Brasil 200, que se apresentava como um movimento liberal. Por trás da fachada reformista, estimulavam ataques a parlamentares, juízes e jornalistas.

O ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos da dupla desde julho de 2018. Seguindo o dinheiro, os policiais poderão esclarecer mistérios da eleição presidencial. As descobertas terão potencial para abastecer ações em curso no TSE.

A investigação também atinge ativistas de extrema direita como Sara Winter. Ex-feminista, ela chegou a organizar protestos contra o então deputado Jair Bolsonaro. Hoje integra uma milícia governista, que idolatra o capitão e defende o fechamento do Congresso e do STF.

Sua reação às buscas ilustra as práticas da turma. Em vídeos agressivos, ela ameaçou “infernizar a vida” do ministro Moraes. “O senhor nunca mais vai ter paz”, anunciou, entre ofensas e palavrões.

Os habitantes da cloaca dizem representar a “voz do povo” e ameaçam pegar em armas contra “traidores da pátria”. Puro fascismo, que encontra eco no discurso de deputados alinhados ao Planalto. Oito deles terão que depor à PF. Serão questionados sobre o gabinete do ódio, que tem conexões com a família presidencial.

Em mais um ato de submissão, o procurador Augusto Aras pediu a suspensão do inquérito. Bolsonaro acusou o golpe e convocou uma reunião de emergência no palácio. No dia em que o Brasil chegou a 25 mil mortes pelo coronavírus, o presidente voltou a ignorar a pandemia. Preferiu socorrer a sua milícia virtual.


Merval Pereira: PGR à mercê da política

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo

O pedido extemporâneo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para que seja suspenso o inquérito sobre fake news aberto há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) só tem explicação no clima de tensão que dominou o Palácio do Planalto com a operação de ontem da Polícia Federal contra apoiadores do presidente Bolsonaro.

Sendo assim, o Procurador-Geral coloca o Ministério Público à mercê da disputa política que ora se desenvolve no país, prejudicando sua credibilidade. Suas idas e vindas sobre o tema, apontadas pelo partido político Rede, demonstram que ele se deixou levar pelas incertezas da política, sem emitir pareceres técnicos. De olho grande na vaga do STF que abrirá em novembro, dizem seus críticos.

A cronologia dos fatos é impressionante. Quando assumiu o cargo, Aras discordou de sua antecessora, Raquel Dodge, que, em abril do ano passado, declarou-se contrária à abertura do inquérito sem a presença do Ministério Público, e deferiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Rede no sentido de suspendê-lo.

O novo Procurador-Geral, em outubro, manifestou-se pela validade do inquérito, e classificou de imprestável a ADPF. Ontem, seis meses depois, o mesmo Aras mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito baseado na mesma ação do Rede.

O presidente Bolsonaro já havia dito ao então ministro Sérgio Moro que o inquérito que abrangia parlamentares bolsonaristas era “mais um motivo para a mudança”, referindo-se à Polícia Federal.

A operação de busca e apreensão autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nas casas dos investigados poderá revelar, através dos celulares e computadores, toda intrincada rede de montagem do que pode ser, segundo o STF, uma organização criminosa dedicada a espalhar mentiras, injúrias, difamações contra os adversários políticos e a disseminar noticias falsas com intuitos políticos.

Essa central de mentiras e difamação teria uma base instalada dentro do Palácio do Planalto, que os parlamentares ouvidos na investigação chamaram de “gabinete do ódio”. Assessores do governo comandam desde lá os ataques coordenados aos “inimigos”, e o principal orquestrador seria o vereador Carlos Bolsonaro, o 02 do presidente.

O ministro Alexandre de Moraes foi até mesmo cauteloso, e não aceitou o pedido para fazer busca e apreensão nas casas dos parlamentares investigados, que foram apenas intimados a depor.

Esse inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news tem ligações indiretas com as ações que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a campanha presidencial da chapa Bolsonaro-Mourão, acusada de ter se beneficiado de esquemas ilegais de distribuição de fake news e impulsionamentos de propagandas políticas de WhatsApp.

O temor do Planalto é que, como já está acontecendo, partidos políticos peçam para que o TSE incorpore as provas coletadas às ações em curso, ganhando dinâmica própria o pedido de impugnação da chapa.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou-se surpreendido pela operação policial, mas foi informado pelo ministro Alexandre de Moraes, que abriu vista por uma semana para ele se manifestar sobre as diligências.

O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu à operação com um Twitter onde confunde ação penal com investigações. Afirmou que o STF não está cumprindo a Constituição, que diz que o Ministério Público é o dono da ação penal pública, mas essa questão já fora dirimida lá atrás, quando Raquel Dodge arquivou o processo justamente com esta argumentação.

O ministro Alexandre de Moraes decidiu que “o sistema acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública, porém não a estendeu às investigações penais”.

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo, atingindo uma coesão poucas vezes vistas. A Polícia Federal continua sob suspeita depois da interferência de Bolsonaro, e mesmo as ações de hoje podem ser atribuídas ao fato de o ministro Alexandre de Moraes não ter deixado que a nova administração trocasse os agentes que trabalham há quase um ano no inquérito.

O Legislativo, depois que o Centrão aderiu ao governo, está excessivamente cauteloso, tendo o presidente Rodrigo Maia perdido o controle do plenário. E a atitude cambiante do Procurador-Geral da República coloca em xeque também o Ministério Público.


Jornalismo, comunicação e política nas redes sociais é tema de webconferência

Evento online é parte de ciclo de debates realizado pelo Observatório da Democracia; FAP faz retransmissão

O Observatório da Democracia, fórum que reúne oito fundações partidárias, discutirá o tema “Jornalismo, comunicação e política nas redes sociais” na oitava webconferência do ciclo “Diálogos, vida e democracia” nesta quinta-feira (28).

O debate será transmitido on-line e gratuito, às 14h30, pelo canal no Youtube do Observatório (clique aqui). Em seu site, na sua página no Facebook e em seu canal no Youtube, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) fará a retransmissão da videoconferência.

Nesta rodada, a mediação será feita por Renata Mielli, jornalista e coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. O jornalista e diretor do portal Brasil 247, Leonardo Attuch, o também jornalista e diretor de redação da Revista Fórum, Renato Rovai, e o diretor da AP Exata – Inteligência em Comunicação Digital, Sergio Denicoli, serão os debatedores.

Na última segunda-feira (25), foi a vez do tema “Crise, comunicação e democracia” ser debatido no ciclo de webconferências do OD. Participaram como debatedores os deputados e as deputadas federais Lídice da Mata (PSB-BA), Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), Túlio Gadelha (PDT-PE) e David Miranda (PSOL-RJ), e o senador Humberto Costa (PT-PE). Esta sétima edição foi comandada pelo coordenador do Centro de Memória Trabalhista e membro da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (FLP-AP), Henrique Matthiesen.

Além da FAP, que é vinculada ao Cidadania, o Observatório da Democracia é formado pelas Fundações Perseu Abramo (PT), João Mangabeira (PSB), Mauricio Grabois (PCdoB), Lauro Campos e Marielle Franco (PSOL), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), da Ordem Social (PROS) e Claudio Campos.

Os vídeos das webconferências ficam disponíveis no canal do Observatório da Democracia no Youtube e dentro de cada matéria sobre cada webconferência publicada no site da FAP, assim como no canal da fundação no Youtube e em sua página no Facebook.

O ciclo de debates on-line “Diálogos, vida e democracia” irá ocorrer durante os meses de maio, junho e julho com o objetivo de debater, em profundidade e com palestrantes renomados, o panorama social, político e econômico atual no Brasil, além de desenhar um retrato do país hoje, considerando as perspectivas para o futuro.


William Waack: Para onde levam os inquéritos

Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF

Onde hoje mora o perigo para Bolsonaro não é no Congresso, é no STF. E não é no inquérito que resultou das acusações do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro ao sair do governo. É no inquérito das fake news, também no Supremo, que começou há mais de um ano atirando nos “procuradores de Curitiba” como principais suspeitos de articulações contra o STF e acabou acertando no esquema bolsonarista de pressão e propaganda que, suspeita-se, é articulado em parte desde o Palácio do Planalto.

Não cabe aqui discutir todos os aspectos jurídicos relacionados ao inquérito, que começou impondo censura a órgãos de imprensa (logo derrubada), corre em sigilo e transforma o STF em investigador e juiz ao mesmo tempo. Integrantes da corte acham que o tal inquérito virou uma metralhadora giratória nas mãos do ministro Alexandre de Moraes – o mesmo se ouve na PGR, que foi contra, depois a favor, e agora contra de novo, mas são coisas que ninguém admite em público.

Em outras palavras, o mundo correto jurídico acha o inquérito abominável, porém ainda mais abominável o que representam as redes bolsonaristas. Uma vez que essa ação dirigida pelo Supremo tem como alvo quem se organizou para destruir a institucionalidade, o inquérito é amplo o suficiente para, eventualmente, levar a uma acusação política grave, além de criminal contra seus alvos. Difícil de calcular são as consequências do tipo de ambiente que provoca.

Os alvos da vez são personalidades das redes bolsonaristas, empresários amigos do presidente e parlamentares que o apoiam. Na lista figura também um ministro, o da Educação, que deverá ser ouvido pelo que disse na já célebre reunião ministerial do dia 22 de abril não no inquérito relacionado a Moro, mas no inquérito das… fake news contra o Supremo. No Legislativo o mesmo inquérito do Supremo reforça uma CPMI para apurar… fake news nas eleições.

Outra voz que ganhou destaque nos últimos dias, a do empresário Paulo Marinho, ex-adepto convertido em inimigo do presidente, também deve ser incluída no que o TSE tem investigado, via corregedoria (considerada mais contundente pelos especialistas) como abuso de poder econômico e político nas eleições de 2018, incluindo disparos em massa de mensagens em redes sociais e, claro, fake news.

Por um lado, o empenho dos atingidos por operações da PF deflagradas por Alexandre de Moraes em caracterizar os ministros do STF como meros adversários políticos, fora o resto, vai em boa parte ao encontro do que pensam militares graúdos que manifestam (tão somente nos bastidores) descontentamento com os rumos gerais do governo, mas não escondem a fúria com o que consideram ingerência indevida do Judiciário nos negócios do Executivo. A reação ao STF forja um tipo de “união”.

Por outro, o que as redes bolsonaristas em geral e o presidente em particular conseguiram com os sucessivos ataques às pessoas dos ministros foi levar o STF a uma inusitada convergência de posturas entre ministros divididos por querelas pessoais ou pelas sérias dúvidas quanto ao inquérito das fake news. Em outras palavras, em que pesem as divergências internas, a resposta do STF tem sido mais institucional do que “pessoal”.

Os ministros do STF reiteram em uníssono que o Judiciário está sendo atacado pelos que não aceitam fiscalização ou limitação de poderes, não respeitam o pacto federativo, interferem em órgãos do Estado (como Polícia e Receita Federal) por motivos pessoais ou políticos, agem contra a saúde pública ao desrespeitar critérios técnicos e científicos no combate ao coronavírus, desprezam a educação e mobilizam setores do eleitorado contra instituições como Legislativo e Judiciário. Em resumo, Jair Bolsonaro.

Nos bastidores do mundo do direito em Brasília admite-se que não surgiram até aqui evidências contundentes para basear eventual denúncia da Procuradoria que “automaticamente” encurtaria a permanência de Jair no Planalto. Tal desfecho só poderia surgir de um julgamento político no Congresso, reitera-se. É exatamente o que um grupo dentro do STF espera conseguir.


Sergio Fausto: Com democracia e bom governo detivemos a aids

Essa memória não pode ser destruída, porque nos serve para enfrentar o desafio da covid-19

Uma das vigas-mestras da mitologia bolsonarista é a afirmação falsa de que, entre o fim do regime autoritário e a o atual governo, o País esteve entregue aos interesses mesquinhos da pequena política e à degeneração moral da sociedade. Bolsonaro seria o líder providencial com a missão de restabelecer o primado do interesse nacional, com maiúsculas, e dos valores tradicionais, protetores da vida.

Essa mitologia se esfarela a cada dia com a expansão de casos de covid-19 pelo território brasileiro e o crescimento do número de mortos. Em lugar de se guiar pelo interesse maior da sociedade, liderando um esforço nacional de combate aos efeitos sanitários e socioeconômicos da pandemia, o mito se dedica a agitar as suas hostes, em manifestações contra o Congresso e o STF, a proteger a si e aos seus com investidas contra a autonomia da Polícia Federal e a cerrar fileiras com a pequena política para preservar o seu mandato. Um espetáculo de desgoverno como nunca antes se viu na História deste país.

Tão importante quanto mostrar que o rei está nu é desconstruir a sistemática campanha de desmoralização do período de conquista e consolidação da democracia no Brasil. Nada mais oportuno do que comparar a politização descabida e a descoordenação da resposta à covid-19 com a construção da política pública de combate à aids, doença infecciosa que crescia velozmente no Brasil no final do século passado.

Não se trata de desconhecer as diferentes formas de transmissão e as distintas consequências para a saúde pública e a economia provocadas pelo HIV e pelo novo coronavírus, mas de destacar os fatores que levaram o Brasil a se tornar um exemplo mundial de sucesso no combate à aids. Essa memória não pode ser destruída, pois nos serve para enfrentar o desafio atual.

O Brasil fez do combate à aids uma política de Estado. Contribuiu para tanto a democratização da sociedade, que se tornou mais aberta e mais engajada graças à liberdade de imprensa e ao aprendizado feito na luta contra o regime autoritário. Particular importância teve o movimento gay, que, defendendo o grupo social no qual era maior a prevalência da doença, soube fazer alianças e tornar o combate à aids um tema de interesse geral da sociedade. Contribuiu também a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 1988, decisivo na distribuição dos antirretrovirais quando estes se tornaram disponíveis na segunda metade dos anos 90. Igualmente decisiva foi a compreensão por sucessivos governos de que a doença não deveria tornar-se objeto de disputa política mesquinha. Em 1996 o Congresso aprovou lei tornando gratuita a distribuição do chamado “coquetel antiaids” na rede do SUS e governo federal, junto com Estados e municípios, concretizou a medida.

Ao contrário da previsão do Banco Mundial, que previra 1,2 milhão de pessoas infectadas, o Brasil tinha na virada do século 600 mil indivíduos com o vírus do HIV. Nos anos seguintes, a taxa de mortalidade caiu a menos da metade. A mudança drástica na trajetória da doença não teria sido possível se uma coalizão ampla de forças não tivesse vencido resistências conservadoras que, desde o início, procuram minimizar e estigmatizar a doença como “um câncer gay”.

Respaldado por bons resultados, o Brasil ganhou protagonismo na cena internacional, em particular quando se colocou a questão da quebra de patentes dos antirretrovirais, detidas por grandes empresas farmacêuticas. Em 2001, na inauguração da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, o Brasil foi autor da proposta que abriu caminho para que as empresas se dispusessem a reduzir o preço de venda daqueles remédios.

Sem antiamericanismo, mas também sem subserviência, o Brasil enfrentou a posição capitaneada pelos Estados Unidos. A decisão favorável à proposta brasileira tornou a compra de antirretrovirais acessível a muitos países que de outra maneira não poderiam comprá-los em quantidade minimamente suficiente, mesmo com os recursos a fundo perdido mobilizados pelo programa das Nações Unidas.

Para que fique claro o custo de decisões erradas tomadas em momentos cruciais, recorro, para concluir, ao exemplo negativo da África do Sul, país onde quase 20% da população adulta se encontram hoje infectados pelo HIV. Parte importante da responsabilidade por essa tragédia humanitária se deve ao desatino do ex-presidente Thabo Mbeck, no poder entre 1999 e 2008. Alegando que a compra de antirretrovirais custaria muito dinheiro e que não haveria comprovação científica de que a aids fosse causada pelo vírus HIV ou suscetível à ação daqueles remédios, Mbeck resistiu até onde pôde às pressões internas e externas para fazer a coisa certa. Só o fez depois que a Corte Suprema do seu país, acionada por movimentos da sociedade civil, o obrigou a tanto. Estima-se que a resistência de Mbeck a comprar e distribuir os antirretrovirais tenha custado mais de 300 mil vidas.

Ainda é tempo de evitar que o Brasil enverede por semelhante descaminho.

*Diretor-geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP