Day: abril 21, 2020

O Estado de S. Paulo: Nove partidos planejam ingressar com notícia-crime por participação de Bolsonaro em ato

Legendas também decidiram fazer atos virtuais com a participação de lideranças que estavam em campos opostos há anos, como Lula, Marina Silva e Ciro Gomes

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo

Presidentes e dirigentes de nove partidos de oposição reunidos nesta segunda-feira, 20, por videoconferência, decidiram ingressar com uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro por ter participado de um ato pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e pela destituição dos governadores na tarde de domingo, 19. Além disso, as legendas decidiram fazer uma série de atos virtuais com a participação de lideranças que estavam em campos opostos há anos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os ex-presidenciáveis Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), entre outros.

A ideia é que a notícia-crime seja apresentada por entidades da sociedade civil e não pelos partidos e seja acompanhada de um amplo processo de mobilização com a presença de artistas e dos principais líderes da oposição.

A estratégia seria um ¨caminho rápido¨ para afastar Bolsonaro. Caso o STF aceite a denúncia, um pedido de autorização para o presidente ser processado é encaminhado à Câmara. Com votos de 342 dos 513 deputados, Bolsonaro seria afastado por 180 dias. O processo de impeachment demoraria mais de seis meses.

Os partidos pretendem levar a propostas a entidades da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outras, para que elas sejam as signatárias da ação.

Em paralelo, os partidos (PSOL, PT, PCdoB, PDT, PSB, Rede, PCB, PV e Rede) decidiram realizar uma série de atos virtuais contra Bolsonaro, com o mote ¨em defesa da vida, da democracia e do emprego¨. Os caciques se revesariam em "lives" com grandes artistas.

A ideia surgiu durante uma reunião de trabalho do fórum dos presidentes das siglas. A líder do PT, Gleisi Hoffmann, perguntou durante a reunião como cada partido está tratando o "Fora Bolsonaro". Alguns, como o PCdoB, disseram ser contra. O argumento é que a campanha abriria espaço para pressões por um pedido de impeachment e em caso de permanência, Bolsonaro sairia mais fortalecido.

Depois de recusar duas vezes propostas de correntes minoritárias, o PT deve empunhar a partir de amanhã a bandeira do "Fora Bolsonaro". Lula vai participar de uma reunião remota com as bancadas na Câmara e no Senado.

Segundo fontes do partido, o ex-presidente está convencido da necessidade de o partido ser mais incisivo no enfrentamento ao governo. Desde o início da crise causada pela pandemia do coronavírus o PT, maior partido da oposição, vem tentando assumir uma posição de destaque mas perdeu o protagonismo para lideranças como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).


Segredo da mão impressa na gruta de Lascaux instiga historiador Ivan Alves Filho

Em artigo na revista Política Democrática Online, autor se debruça sobre o assunto e aponta hipóteses

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O que significa, exatamente, aquela mão impressa numa gruta de Lascaux, no interior da França? Será que alguém sabe dizer ao certo? Estamos diante de mais um daqueles mistérios insondáveis da humanidade?”. As perguntas são do jornalista e historiador Ivan Alvez Filho, em artigo que ele produziu para a revista Política Democrática Online. A publicação é produzida a editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), e todos os seus conteúdos são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade.

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Em todo caso, diz o autor no artigo, a questão sempre o fascinou. “Penso em várias hipóteses. Primeiro, o homem teria percebido que a mão o diferenciava dos animais. Daí o destaque dado a ela. Afinal, ele era o único ser a ficar de pé, com as mãos liberadas, portanto. E o raio de visão consideravelmente ampliado”, afirma, para continuar: “As datas calculadas pelos arqueólogos para a idade das pinturas rupestres de Lascaux se aproximam dos 30 mil anos, época em que o homem já era perfeitamente homo sapiens erectus. Faz certo sentido”.

Outra hipótese, de acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática Online, implicaria aceitar que o homem quis legar para a posteridade um testemunho de sua passagem pelo mundo. “Como se, subitamente tomado de uma consciência de indivíduo, ele se dispusesse a comunicar, transmitir, registrar sua humanidade àqueles que fatalmente lhe sucederiam”, diz ele.

A consciência humana em gestação revelava, segundo o historiador, que o homem não era imortal. “E a pintura o teria auxiliado a expressar isso, a deixar sua marca para o futuro. Ou seja, nós. É razoável pensar assim. Nascia o mundo do simbólico, que também nos diferencia dos animais. Karl Marx chegou a dizer que o pior dos arquitetos é superior a melhor das abelhas por fazer uso de sua imaginação”, acentua.

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Luiz Carlos Azedo: O jogador

“Seu gesto pode ser interpretado como crime de responsabilidade, se houver ligações entre os organizadores do ato de domingo e o chamado ‘gabinete do ódio’”

O pior dos mundos nesta pandemia de coronavírus no Brasil seria uma crise institucional, num momento em que as instituições políticas precisam convergir para combater a doença e mitigar os seus efeitos na economia. Em circunstâncias normais, o maior interessado nesse esforço coordenado seria, sem dúvida, o presidente da República, mas acontece que Jair Bolsonaro faz tudo ao contrário. Como no domingo, quando foi ao ato de extrema-direita em frente ao quartel-general do Exército para apoiar manifestantes que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma intervenção militar.

É difícil compreender seu comportamento, que foge à racionalidade, num momento tão dramático da vida nacional. O gesto de domingo, como não poderia deixar de ser, aprofundou o isolamento político de Bolsonaro. Foi repudiado pelos ministros do Supremo, pelos líderes da Câmara e do Senado, por instituições da sociedade civil e provocou um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para que o STF apure as responsabilidades pela organização do ato, que atenta contra a democracia, nos termos da Lei de Segurança Nacional. Bolsonaro foi poupado pelo Ministério Público Federal, mas o presidente do Cidadania, Roberto Freire, e o líder do partido na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), se encarregaram de requerer à PGR que investigue também os que participaram do ato.

Ontem, ao sair do Palácio da Alvorada, Bolsonaro minimizou os acontecimentos de domingo. Disse que em nenhum momento endossou os pedidos de fechamento dos demais poderes e de intervenção militar. Ironizou: “O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou presidente da República (…). Eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu? Falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial. O que eu tomei de providência contra a imprensa? Contra a liberdade de expressão?”

Mas Bolsonaro revelou preocupação com o que aconteceu, quando nada porque sabe que seu gesto pode ser interpretado como crime de responsabilidade, sobretudo se houver ligações efetivas entre os organizadores do ato e o chamado “gabinete do ódio”, o grupo ideológico que o assessora na Presidência. “Em todo e qualquer movimento tem infiltrado, tem gente que tem a sua liberdade de expressão. Respeite a liberdade de expressão. Pegue o meu discurso, dá dois minutos, não falei nada contra qualquer outro poder, muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso, é invencionice, é tentativa de incendiar uma nação que ainda está dentro da normalidade”, disse Bolsonaro, em defesa prévia.

Bolsonaro estimula uma militância fanatizada, que defende claramente um golpe de Estado. Militarizou seu governo a tal ponto que hoje existem mais generais na Esplanada do que em todos os governos do regime militar. Toda vez que tem um problema e não consegue resolver, apela aos ex-colegas de farda. Seu problema não é chegar ao poder, é a ambição de ter poderes absolutos, pois não consegue administrar a institucionalidade da própria Presidência, em situações emblemáticas, como a de domingo, desrespeitando a liturgia do cargo que ocupa. Não digere o sistema de pesos e contrapesos que normatiza as relações com o Congresso e o STF. No fundo, como um Luís XIV, tem uma visão absolutista da Presidência: “Eu sou realmente a Constituição”.

Isolamento
Enquanto isso, a epidemia avança. No balanço do Ministério da Saúde divulgado ontem, já são 2.575 mortes (no domingo, eram 2.462, aumento de 5,6%, ou seja, 113 óbitos a mais), num universo de grande subnotificação: apenas 40.581 confirmados (no domingo, eram 38.654, aumento de 5%, sendo a taxa de letalidade de 6,3% de letalidade). São Paulo tem 1.037 mortes e 14.580 casos confirmados. Bolsonaro minimiza a progressão da epidemia, diz que 70% da população será contaminada e “não adianta querer correr disso”. Lida com a morte como aquele general que manda seus soldados resistir apenas para ganhar tempo para a própria retirada, sabendo que o front está perdido e eles voltarão para casa dentro de um saco plástico: “Aproximadamente 70% da população vai ser infectada. Não adianta querer correr disso. É uma verdade. Estão com medo da verdade?”, afirmou.

Bolsonaro dobra a aposta de altíssimo risco: “Espero que esta seja a última semana desta quarentena, desta maneira de combater o vírus, todo mundo em casa. A massa não tem como ficar em casa, porque a geladeira está vazia”, disse. Assim, estimula a população a desrespeitar a quarentena, culpando governadores e prefeitos pela retração econômica e pelo desemprego, embora a situação esteja se agravando no sistema público de saúde, como em Manaus e Fortaleza, à beira do colapso. Seu novo ministro da Saúde, Nelson Teich, foi eclipsado. Não pode abrir a boca pra falar sobre o aconteceu no domingo. Não pode criticar Bolsonaro nem endossar suas ideias equivocadas.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-jogador/


Marco Aurélio Nogueira: Sobre homens e monstros

O personagem que governa o País encontrou na pandemia a oportunidade que acalentava para produzir caos, morte, desunião, confusão.

Ninguém pode dizer que está surpreso. Em 2018 elegeu-se um presidente com um prontuário bem fornido. Como indisciplinado, arruaceiro, com dificuldades para cumprir ordens ou bater continência. Foi expulso do Exército por insubordinação. Enquanto na ativa, quis jogar bombas em quartéis e se preocupou em agitar a tropa. Contra o que? Contra tudo, em nome de ideias vagas e de simpatia explícita pela violência, pela tortura e pela ditadura.

Elegeu-se assim uma pessoa que ao longo da vida se mostrou despreparado para as batalhas mais simples. Um personagem tosco, sem qualquer refinamento intelectual, que durante 30 anos montou um bunker com os filhos e alguns fanáticos para tomar de assalto o Estado brasileiro. O quartel-general foi a Câmara dos Deputados, de onde a malha se expandiu, envolvendo políticos tradicionais, milicianos e uma chusma de desqualificados. Nenhum técnico, nenhum intelectual, mas muitos oportunistas, à espreita para descolar uma boquinha quando a hora chegasse.

2018 foi um ponto fora da curva. Há quem prefira analisá-lo como decorrência do impeachment de Dilma Rousseff, visto como um “golpe” que teria aberto a estrada para a extrema-direita. Não é uma visão majoritária, especialmente porque não leva na devida conta a decomposição política que vinha em marcha desde antes e a responsabilidade do PT na ausência de governo, que encorpou a ponto de provocar verdadeira metástase no sistema político, misturando-a com doses cavalares de corrupção e instrumentalização da máquina pública.

Naquele ano, o desencanto do eleitorado com o PT e a esquerda somou-se à incompetência dos políticos democráticos, que se deixaram consumir pela vaidade e pela arrogância, não foram capazes de articular um programa de ação e acabaram por entregar a Presidência de mão beijada para o personagem que estava ali, pronto para agitar, na hora certa, uma hora agônica, que simbolizava o fim de uma época política.

O que assistimos hoje é só um desdobramento desse quadro. O personagem continua solto, com o mal crescendo dentro dele. Piorou muito depois que chegou ao poder. Sentiu-se em condições de fazer tudo e mais um pouco. Contou com militares a seu lado, que aderiram a ele com a expectativa de conseguir controlá-lo. Organizou uma rede de robôs e influencers para espalhar suas mensagens, suas mentiras, seu veneno. Beneficiou-se da covardia de tantos políticos, da falta de clareza dos partidos, da reprodução na opinião pública de uma ideia de que a “política tradicional” era inútil, um desperdício para o País. Foi-se mantendo, ora esperneando, ora agitando os fanáticos, ora minando as instituições. De governo mesmo, não se teve notícia.

O personagem se isolou no seu novo bunker, o Palácio do Planalto. Foi perdendo a guerra que se prontificou a lutar. Manteve a pose de que estava vencendo com a ponta da caneta, demitindo e nomeando. Fazendo lives diárias com os seguidores amontoados na porta do Palácio. Agredindo e ofendendo os que ousavam discrepar ou fazer fluir a informação, como os jornalistas.

O monstro passou a dominar por completo o personagem. Encontrou na pandemia a oportunidade que acalentava para produzir caos, morte, desunião, desencontro, horror, confusão. Adubou esse habitat e fez dele a rampa de lançamento para seguir atacando a população, os políticos, o STF.

Manteve a ressonância entre os fanáticos, como era de se esperar. Eles são como o rebanho que se deixa arrastar para lá e cá. Batem bumbos, fazem carreatas, agridem e ameaçam.

O personagem foi sendo levado pelos aplausos fáceis, tirando vantagem da lentidão das instituições, que não reagem com rapidez, jogando um partido contra outro, governadores contra prefeitos, povo contra povo.

Agora que o caldo está entornando, algumas perguntas ficam soltas no ar.

Como foi possível que um País como o nosso tenha chegado a esse ponto?

Onde estão as figuras “responsáveis” que integram o governo, que nada falam, nada fazem, a tudo assistem como se se tratasse de uma comédia bufa ou de um drama de horror? Continuarão escondidos atrás da “prudência”, da “minimização de danos”, enquanto o fogo se alastra na Esplanada e invade recônditos inesperados?

Onde estão os democratas ativos e responsáveis, permanecerão adormecidos, confusos, olhando para urnas, fazendo cálculos mesquinhos, bem nessa hora em que boa parte do destino nacional pode estar sendo definida? Onde estão os grandes da República, os chefes das instituições, os defensores das melhores tradições?

E os eleitores que sufragaram o personagem em 2018, continuarão a vê-lo como uma solução, como o “mal menor”, agora que o monstro tomou conta daquele corpo e daquela mente de modo irremediável?


Marcelo Calero: O Itamaraty prevalecerá

Cabe à diplomacia profissional a tarefa de limpar o rastro de imundice do gabinete do ódio

A crise internacional sem precedentes e as situações extremas que vivemos na luta contra a pandemia do novo coronavírus jogaram luz sobre profissões até então pouco valorizadas e mesmo desconhecidas na nossa sociedade. Este é o caso dos diplomatas, funcionários públicos do Serviço Exterior Brasileiro, cuja contribuição é essencial ao desenvolvimento do país, seja em tempos de paz, seja em tempos de guerra.

Nas últimas semanas, provocações desrespeitosas feitas por integrantes do governo federal e dirigidas a autoridades estrangeiras chocaram o brasileiro boa-praça, que prefere a amizade ao conflito, e nos lembraram que cultivar boas relações com todas as nações, dos Estados Unidos à China, é sempre o melhor caminho. Além de termos interesses recíprocos, sabemos que, cedo ou tarde, podemos precisar de ajuda de quem menos esperamos. O que muitos ignoram é que são justamente os diplomatas que atuam discretamente na construção e na manutenção do relacionamento com outros países. Organizados em um corpo técnico experiente e especializado, esses servidores diuturnamente informam, negociam e representam os interesses do Brasil mundo afora. Em linguagem clara: cabe à diplomacia profissional a tarefa de limpar o rastro de imundice deixado pelo gabinete do ódio no trato amador de nossas relações internacionais.

Temos igualmente acompanhado o aumento da atividade consular, que é a assistência dada aos brasileiros no exterior. Desde o momento em que países restringiram a circulação de pessoas para conter o coronavírus, centenas de diplomatas deram início a esforços incansáveis de repatriação de nacionais impedidos de retornar ao Brasil. De acordo com informações oficiais, 13.250 cidadãos foram repatriados até 16 de abril. No entanto, nosso desafio continua: mais de cinco mil brasileiros em 80 países permanecem na expectativa de reencontrar suas famílias.

Durante os quase 13 anos em que sirvo como diplomata, inspirei-me em profissionais que sempre tiveram compromisso inabalável com o Brasil, não importava o presidente que estivesse no poder. Mesmo que discordasse das ideias, seus nomes sempre remetiam à ética, à correição e à inteligência. Assim como ocorre nas Forças Armadas, esses diplomatas reforçam a ideia de que ocupamos uma carreira de Estado, fundada no respeito aos interesses permanentes do Brasil, portanto imune ao voluntarismo e aos caprichos dos governos de plantão.

Ao longo de décadas, nomes como Azeredo da Silveira, Araújo Castro, Saraiva Guerreiro, Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa, Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas e Carlos Calero deram ao Itamaraty um sólido legado. Hoje, atravessamos momento de impensável desprestígio internacional e baixa moral entre os diplomatas – desde jovens secretários a experientes embaixadores. Antes um modelo a seguir, o Brasil agora é sinônimo de chacota em escala global. Enquanto o mundo vive a Indústria 4.0, chefias do Ministério das Relações Exteriores abraçam o obscurantismo, o terraplanismo, o negacionismo da ciência – inclusive da pandemia – e a perseguição àqueles que ousam pensar diferente.

Como todos os tempos sombrios da história, este também passará. Por esse motivo, ofereço mensagem de otimismo e esperança, bem como homenageio os colegas pelo Dia do Diplomata, celebrado em 20 de abril – referência ao nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira. Nossa carreira é magnífica e nós somos gigantes. Sigamos firmes em nosso propósito de fazer o melhor para os brasileiros e pelo Brasil. O ciclo de insegurança, fraqueza institucional e tropeços ficará para trás. Caberá a nós a tarefa de reconstruir o Itamaraty e recolocar os brasileiros e o Brasil no lugar de destaque que merecem no cenário internacional. Viva o Itamaraty, viva o Serviço Exterior Brasileiro!

Marcelo Calero é deputado federal (Cidadania-RJ) e diplomata de carreira


Ana Carla Abrão: Inconfidência

Não é justo o setor público aumentar gastos com pessoal enquanto o privado corta salários e demite

Embora para muitos passe quase desapercebido, hoje é feriado nacional. Dia que se celebra a Inconfidência Mineira e que marca a data em que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi executado. Mas estamos numa época em que feriados e dias de semana se confundem numa rotina em que horas, dias e semanas se arrastam num mesmo ritmo, sempre à espera do fim dessa pandemia, quando poderemos voltar às ruas e à normalidade.

A boa notícia é que, ao menos no Brasil e graças às medidas de contenção adotadas tempestivamente, a situação parece estar sob controle. Isso não minimiza a dor dos que perderam amigos e familiares nem tampouco alivia a pressão diária sobre os profissionais de saúde e os agentes públicos. A má notícia é que, apesar dos números controlados até aqui, nós não nos livraremos da pandemia tão cedo e ainda não estamos totalmente preparados para lidar com isso.

Embora seja imprescindível que se discutam e se planejem ações de flexibilização do isolamento, há que se entender que a transição para um novo normal precisa de bases que estão por serem construídas. Dentre elas, as medidas econômicas de médio e longo prazos, que vão além das medidas emergenciais ainda em fase de implantação, mas que podem ser estruturalmente comprometidas se não obedecermos alguns princípios. E eles passam, necessariamente pelas questões fiscais, nosso grande e maior gargalo muito antes da pandemia pousar por aqui.

Não completamente internalizada pela classe política, pelos gestores públicos, pelo setor privado e pela população, a verdade é que teremos de conviver com a pandemia ao longo dos próximos 12-18 meses. Isso significa, em linguagem política, que os pouco menos de três anos restantes dos mandatos de governadores e do presidente da República se desenham agora completamente distintos do que era previsto até dois meses atrás.

Em finanças públicas, essa distância entre o que era e o que será se traduz nos orçamentos públicos, que desde já perderam qualquer aderência com os orçamentos aprovados e, consequentemente, com os resultados e metas fiscais previamente definidos não só para 2020, mas para os próximos anos.

Linhas de despesa se inverteram, fontes de arrecadação sumiram e prioridades de política pública mudaram, adicionando complexidade aos esforços de ajuste fiscal e de retomada econômica que existiam até pouco tempo.

Em particular nos Estados, que são a linha de frente do combate à pandemia, os desafios fiscais – que já não eram pequenos – se tornaram um pesadelo que nos aguarda ali adiante. A queda no ICMS já se aproxima dos 20% nos Estados mais afetados e não vai se reverter ao longo dos próximos meses dada a elevação da inadimplência que se soma à fraqueza da atividade econômica. Nas despesas, os gastos de saúde – cuja vinculação constitucional estipula um piso de 12,5% da receita corrente líquida – já superam os 20% e não deverão ceder de forma significativa nos próximos meses. Logo, não há como não defender um socorro a Estados, que estão tendo suas contas implodidas e, ao contrário da União, têm (felizmente) severas limitações para se endividar.

Mas a premissa de salvamento tem de levar em conta dois princípios fundamentais: já havia um profundo desequilíbrio estrutural previamente à crise da covid-19 e ele se agravará caso as medidas não sejam temporárias e focalizadas no combate à pandemia. O segundo deles se refere à composição das despesas nos Estados e à dinâmica que canaliza para despesas de pessoal boa parte dos recursos livres que entram nos Tesouros locais.

Repisando os números: cerca de 70% das receitas dos Estados são consumidas por despesas de pessoal. Além disso, dada a estrutura de carreiras presente na totalidade desses entes, essas despesas crescem entre 5% e 7% ao ano, independentemente de reajustes salariais. Os motores desses aumentos são as promoções e progressões automáticas, além de incorporações de gratificações por tempo de serviço aos salários e a constante necessidade de novos concursos públicos para suprir a falta de mobilidade e os efeitos do fator T (em que a aceleração das carreiras leva todos ao topo muito rápido e desassiste o atendimento na ponta). Compensar as perdas de arrecadação dos Estados sem que haja como contrapartida a interrupção dessa dinâmica significa agravar a situação de desigualdade no Brasil e aprofundar os desequilíbrios estruturais da máquina pública. Enquanto o setor privado corta salários e demite, não é justo que o setor público continue aumentando seus gastos com pessoal e canalizando recursos para se retroalimentar.

Que este feriado atípico seja usado como uma oportunidade de resgate desses princípios por parte dos nossos parlamentares. Afinal, a inconfidência aqui não está no socorro e, sim, na falta de visão de futuro.

* ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN.


Pedro Fernando Nery: A desigualdade planejada

Sentenciamos os mais pobres a um futuro pior ao empurrá-los para a periferia distante

A história humana é marcada pela tensão entre os benefícios de nos aglomerarmos em cidades e os custos das doenças infecciosas. Assim observou Matthew Yglesias, do jornal Vox, sobre o coronavírus. Já no ótimo livro Cidade Caminhável, pré-covid, o urbanista Jeff Speck pontificara sobre as vantagens do adensamento, criticando as espaçadas cidades americanas baseadas em desenhos tidos como mais salubres.

Os ganhos econômicos da cidade densa podem ser vislumbrados em um “experimento” do governo americano no século passado, que pagou para que famílias pobres se mudassem para partes ricas de sua cidade. Como mostrou Raj Chetty, de Harvard, a nova vizinhança se mostrou fundamental para a mobilidade social. Isto é, o bairro em que uma criança cresce afeta o seu salário quando adulto.

Ainda que o mecanismo não seja completamente compreendido pelos economistas, especula-se que estar mais próximo de melhores serviços e de pessoas mais escolarizadas e de maior renda contribua para o resultado. Assim, cidades com regras rígidas de construção, ao empurrar os mais pobres para periferias distantes, os sentenciariam a um futuro pior.

Ninguém deve fazer isso tão bem quanto a aniversariante do dia, Brasília. Passadas seis décadas da sua inauguração, sua utopia de igualdade deu lugar a umas das capitais mais desiguais do Brasil. Seu zoneamento rígido faz com que parte expressiva da população tenha de viver bem longe do seu Plano-Piloto. A partir dali, garimpam oportunidades em uma economia em que boa parte da renda é distribuída pelo instrumento elitista do concurso público.

As anedotas são abundantes. Mais de 300 mil pessoas moram em Águas Claras ou em Águas Lindas. A primeira é espécie de zona franca das restrições do distante Plano-Piloto, vendida por corretores de imóveis como a “Manhattan do Cerrado”. Edifícios altos, próximos uns dos outros, sem os enormes descampados do plano de Lúcio Costa. Dos anos 90 para cá, Águas Claras virou destino de uma elite que não está disposta aos preços inflados do avião. “O coronavírus chegou em Brasília, já fez dois concursos e financiou um apartamento em Águas Claras”, diz a piada.

Os nomes são parecidos, mas Águas Claras contrasta com Águas Lindas. A primeira tem o IDH da Noruega, a segunda, o da Palestina. Ali moram os que rumaram para Brasília, mas não conseguiram lugar nos quase 6 mil km2 do Distrito Federal. Águas Lindas já é o quinto município mais populoso de Goiás. É um dos mais violentos do Brasil, com taxas de homicídios que rivalizam com as da Baixada Fluminense.

Dentro do DF, a cidade planejada convive com o que pode ser a maior favela do Brasil: se chama Sol Nascente. De ocupação recente, ela se situa nas imediações da cidade-satélite de Ceilândia. Ceilândia foi criada nos anos 70, com a realocação de populações que ocupavam áreas públicas no Plano-Piloto, no âmbito da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI, que batizou a cidade). O Sol Nascente é a Ceilândia da Ceilândia.

Ceilândia aparece nos versos de Faroeste Caboclo, a famosa canção de Renato Russo de 1987 (é o lugar onde o protagonista é assassinado). O filme, de 2013, porém, não foi filmado lá: para imitar as condições da cidade-satélite brasiliense na época, as cenas foram filmadas nas ruas sem asfalto do Jardim ABC. Essa “nova Ceilândia” fica formalmente em um município goiano. A apenas 2 km dali, ergue-se um gigantesco condomínio, franquia do Alphaville na capital de maior PIB per capita do País.

Há exatos dez anos, Niemeyer afirmava que a evolução do desenho igualitário para uma cidade desigual o entristecia, no que avaliou como “divisão intolerável”.

Após o trauma da pandemia e diante do remédio do distanciamento social, o economista Tyler Cowen receia que esse tipo de zoneamento excludente ganhe ímpeto, à medida que fortaleça o movimento conhecido como Nimby (“no meu quintal não”, em inglês). São os que defendem regras rígidas para as construções a fim de evitar a desvalorização dos seus imóveis e mais trânsito na vizinhança – às vezes, também com alegadas preocupações ambientais.

Já no polo contrário, a visão liberal se preocupa com a redução da oferta de imóveis que pressiona o preço dos aluguéis, e com o espraiamento decorrente que afasta os mais pobres de oportunidades. O êxito no combate à pandemia de metrópoles densas como Hong Kong e Cingapura deverá ser o contraexemplo contra a brasilianização.

Este é um ano de eleições municipais: a experiência de Brasília mostra que elas podem importar tanto para a desigualdade quanto o que se decide no Congresso Nacional.

* DOUTOR EM ECONOMIA


Paulo Sotero: Por um diálogo além da capacidade de Trump e Bolsonaro

A covid-19 indica a ciência como caminho para aproximação com os Estados Unidos

A cooperação internacional não é a praia de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro. Mas é campo fértil e promissor para cientistas do Brasil, dos Estados Unidos e de outros países com história de combate a epidemias trabalharem juntos para decifrar a covid-19, conter o contágio e desenvolver uma vacina para o vírus que já matou dezenas de milhares de pessoas e poderá matar milhões.

“A Índia e o Brasil têm grandes indústrias de vacina”, escreveu Donald G. McNeil Jr., do New York Times, em ampla reportagem publicada no domingo sobre o longo caminho à frente para conter o vírus. Epidemiologistas dos EUA, da Índia, da China, da França e do Reino Unido sabem que o desenvolvimento científico no Brasil nasceu do combate a epidemias e endemias, como escreveu Simon Schwartzman em Um Espaço para a Ciência, uma história da formação da comunidade científica no Brasil, fundada por médicos pioneiros, como Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Carlos Chagas e Adolfo Lutz, na virada do século passado. Vem do legado desses gigantes a boa tradição de nossa medicina sanitária, reconhecida mundo afora e que permitiu ao País, em tempos recentes, enfrentar com sucesso as epidemias de HIV-aids, Sars e zika.

Não é somente na ciência que o Brasil pode e deve agir em interesse próprio e da humanidade e contribuir para conter o flagelo da covid-19. Arthur Silverstein, um historiador da medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, sugeriu, na mesma reportagem do New York Times, que o governo americano assuma o controle e esterilize grandes cubas de fermentação de cervejarias e alambiques de produção de bebidas destiladas e os ponha a serviço da produção em grande escala de uma vacina segura, quando esta for descoberta. Eis aí um convite à Ambev e aos grandes fabricantes de cachaça para redirecionar parte de sua capacidade de produção para o bom combate à pandemia.

A cooperação brasileira pode ir além, se governantes como Trump e Bolsonaro deixarem de usar o flagelo para fazer demagogia com coisa séria e ouvirem o conselho de cientistas como a médica Luciana Borio. Nascida no Rio de Janeiro, Luciana Borio trabalhou na unidade de prevenção de pandemias criada no Conselho de Segurança da Casa Branca na administração do republicano George W. Bush, fortalecida pelo democrata Barack Obama e esvaziada em 2018, sabe-se lá por quê, por Trump. Formada pela Escola de Medicina da Universidade George Washington, na capital americana, a médica atuou como cientista chefe da Food and Drug Administration e não tem paciência para conversas sobre as virtudes cantadas por Trump e seu seguidor brasileiro do remédio antimalária cloroquina e do antibiótico azitromicina no tratamento dos males causados pela covid-19. “É um completo absurdo”, afirmou ela ao Times. “Disse à minha família que, se eu pegar a covid, não me deem esse coquetel.”

O potencial de colaboração na luta contra a pandemia entre cientistas, empresários e formuladores de políticas públicas nos dois países indica o caminho de relações produtivas que o Brasil e os Estados Unidos podem construir para além da retórica diplomática vazia. Foi o que aconselhou Thomas A. Shannon em palestra no Wilson Center, no final de 2013, depois de servir como embaixador dos EUA em Brasília. O diplomata afirmou que a conectividade crescente entre os dois países em vários campos tornaria suas sociedades os vetores principais do relacionamento entre os dois países e mais importante do que as ações dos governos.

Hoje, os governos Trump e Bolsonaro, populistas ultraconservadores adeptos da estratégia do caos, não apenas não ajudam, como atrapalham. Isso foi ilustrado há poucas semanas pelo injustificável desvio, por ordem da Casa Branca, de respiradores e materiais de proteção hospitalar comprados na China pelo governo da Bahia, durante uma escala em Miami. De nada adiantou a suposta proximidade entre Trump e Bolsonaro ante a necessidade premente do líder americano de lidar com as consequências da resposta tardia e errática que deu à pandemia, interceptando em aeroportos dos EUA voos carregados de mercadoria médica destinados não apenas ao Brasil, mas também ao Canadá, à Alemanha e à Espanha.

A perda de popularidade de Trump e suas chances minguantes de reeleição em novembro, que o levam a atribuir a adversários internos e externos a culpa pela calamidade econômica e social que o flagelo do vírus provoca nos EUA, promete novas frustrações entre Washington e Brasília. O presidente brasileiro é visto com repugnância por assessores para a América Latina da campanha do ex-vice-presidente e ex-senador Joseph Biden, democrata que terá a incumbência de tirar Trump da Casa Branca. Essa é mais uma razão para que os interessados no Brasil no aprofundamento de um diálogo consequente com os Estados Unidos torçam por Biden e apostem em ações que envolvam uma maior cooperação entre cientistas, educadores, empresários e líderes de organizações sociais e culturais dos dois países.

* JORNALISTA, É PESQUISADOR SÊNIOR DO BRAZIL INSTITUTE NO WOODROW WILSON CENTER, EM WASHINGTON


Vladimir Safatle: Preparar-se para a guerra

Os últimos dias mostraram com precisão a tese de Freud que o poder molda sujeitos, fazendo-os a sua imagem e semelhança. Ou alguém esperava ver, em meio à pandemia pessoas fazendo buzinaço em frente ao hospital?

Em 1939, pouco antes de Hitler atacar a Polônia e iniciar a Segunda Guerra, Freud lança seu último livro, Moisés e a religião monoteísta. Neste livro que trata da constituição de identidades coletivas através de identificações a lideranças, há uma ideia surpreendente, sintetizada em uma pequena frase: “Moisés criou o povo judeu”. Ou seja, não se tratava de afirmar que a liderança era a expressão dos traços de seu povo. Na verdade, o quadro estava de cabeça para baixo. Aquele que ocupava o lugar do poder e prometia uma grande transformação acabava por constituir o povo, por definir os traços prevalentes de sua identidade coletiva. Ou seja, havia uma força produtiva do poder, não apenas uma força coercitiva. Da representação do poder, vinha uma força de identificação que moldava paulatinamente os sujeitos a ela submetidos, que os transformava em seus afetos, em sua estrutura psíquica, em suas ações. O poder molda os que a ele se assujeitam.

Freud não conheceu o Brasil, nem nunca ouvi falar de Jair Bolsonaro. Mas é certo que os últimos dias mostraram com precisão sua tese de que o poder molda sujeitos, fazendo-os a sua imagem e semelhança. Todos estão a perceber essa mutação na qual expressões de desprezo, indiferença e violência antes inimagináveis de serem feitas a céu aberto e na frente de todos se tornam manifestações cotidianas, em uma espiral em direção ao abismo que parece não ter fim. Ou alguém realmente esperava ver, em meio a uma pandemia, pessoas a manifestar na Avenida Paulista dançando com um caixão, fazendo buzinaço em frente a hospital, zombando abertamente da dor e do desespero de milhares de pessoas infectadas e lutando pela vida em situações hospitalares precárias? Como se fosse o caso de expressar, da forma a mais aberta e brutal, a indiferença em relação aos 2500 corpos mortos até agora, ao menos se confiarmos nos números subnotificados. Como se fosse o caso de repetir os “deslizes”, as “derrapadas”, ou melhor, os traços de caráter de quem ocupa o poder.

Alguns podem dizer que isto sempre esteve aí, na indiferença das classes mais altas ao destino e as chacinas perpetradas contra as classes vulneráveis. Mas o pior erro é não perceber as placas tectônicas se movendo por estar com os olhos submersos na lógica repetitiva do “sempre foi assim”. Não, há algo novo a acontecer. Pois não se trata apenas da conhecida máquina necropolítica do estado brasileiro. Trata-se da explosão de rituais públicos de auto-sacrifício e de violência. Trata-se de uma dinâmica “suicidária”. Erra quem acredita que essas hordas envoltas na bandeira nacional “não sabem do perigo que correm”, são “burras”, como se fosse simplesmente o caso de procurar explicar claramente o que é uma pandemia para todos voltarem para casa.

Diante do fascismo, Adorno e Horkheimer disseram um dia que nada mais estúpido do que tentar ser inteligente. Nossa pretensa supremacia intelectual ainda irá nos matar. Ela nos faz não ver como, no fundo, há uma parte da população brasileira que deseja isto e se dispôs a jogar roleta russa com todos e com elas mesmas. É este desejo que deve ser compreendido. Pois esta será sua forma de se sacrificar por um ideal, mesmo que este ideal não prometa nada mais do que o próprio sacrifício, nada além de um movimento permanente em direção à catástrofe.

Neste sentido, estamos a observar uma mutação impressionante. Mesmo sendo o pior governo do globo terrestre diante da pandemia (comparado apenas a Bielorrusia, ao Turcomenistão, e ao renegado que governa a Nicarágua), o apoio a Bolsonaro não cai. Ele muda paulatinamente. Setores da classe alta vão abandonando-o enquanto ele compensa com adesões nas classes populares, repetindo um movimento que vimos inicialmente com o lulismo. Dificilmente, este número mudará. Ele nem subirá, nem cairá. Mas a qualidade deste apoio mudará. Ele deixará de ser simples apoio para ser identificação profunda e aguerrida. Ao final, teremos um país com 30% de camisas negras dispostos a tudo, pois acreditam estar em um processo revolucionário de ressureição nacional. Este processo não tem mais retorno.

Não será a primeira vez na história que uma dinâmica de afetos e crenças desta natureza ganhou corpo. Esta implosão aberta de qualquer princípio elementar de solidariedade, esse desprezo com os que morrem, esse culto do próprio suicídio como prova de “coragem”, essa violência cada vez mais autorizada até a formação aberta de milícias populares, esta crença em uma revolução nacional redentora, isto tudo tem nome. Costuma responder pura e simplesmente por “fascismo”.

Movimentos desta natureza sempre se aproveitam da fraqueza de seus adversários. Enquanto Bolsonaro moldava uma parte da sociedade a sua imagem e semelhança, havia sempre os especialistas em questões palacianas florentinas capazes de identificar as intrigas que iriam “paralisa-lo”, os erros que indicariam que “acabou para você”. Até pouco tempo, Bolsonaro foi descrito como uma “rainha da Inglaterra”. Isto até ele mandar embora seu ministro da Saúde sem que nenhum cataclismo anunciado realmente ocorresse. Não, não há nada que irá para-lo, nenhum recuo ocorrerá. Um projeto dessa natureza só é parado de forma brutal. Mas esta brutalidade necessária não está na consciência dos atores políticos atuais.

Poderíamos ter começado mobilizações contínuas pelo impeachment há um mês. Mais uma vez, analistas finos diziam que não era a hora, que isto só fortaleceria o discurso persecutório do Governo. Como se o Governo precisasse de nós para alimentar seu próprio discurso persecutório e mobilizar suas hostes. Não, agora eles denunciam um “plano” para derrubar Bolsonaro, sendo que a oposição sequer conseguiu colocar um pedido de impeachment em marcha, sequer permitiu a maioria de gritar por seu nome. No máximo, suas lideranças endossaram um pedido de “renúncia”. Faltou pedir “por favor” a Bolsonaro para que ele caísse em si e se afastasse de bom grado. Como dizia Maquiavel, a audácia é qualidade fundamental diante da fortuna. Mas o único ator que demonstra audácia a altura da situação é o próprio Governo. Em breve teremos uma tentativa de golpe vendida como “contra-golpe preventivo”, sem que a oposição tenha feito nada mais do que abaixos-assinados, petições e cartas públicas. A última a acreditar em uma democracia parlamentar que simplesmente não existe mais.

Acrescente ao quadro, o cálculo macabro que o Governo conseguiu impor a parcelas da população. Para elas, trata-se de escolher entre a bolsa ou a vida, entre a morte econômica certa e a morte física provável. Nesse cálculo, o certo acaba por vencer o provável, ainda mais diante de setores da população submetidos ao extermínio, ao desaparecimento, a chacina. Este é o grão de racionalidade da situação apresentada por Bolsonaro. Ela só se sustenta porque a terceira opção está interditada, a saber, nem a bolsa, nem a vida, mas os dois.

Diante disto, que a sociedade constitua redes de auto-defesa contra o pior que está por vir. Há duas semanas, pessoas que batiam panela em suas casas contra o governo foram vítimas de disparos de balas de espingarda de chumbo. Em manifestações pró-governo, cidadãos e cidadãs oposicionistas foram violentamente agredidos. Quantas semanas ainda faltam para começar os linchamentos e as balas reais?


Zulu Araujo: Nu com a mão no bolso

Não poderia existir metáfora mais adequada para traduzir a grave situação do Brasil que o ditado popular que dá título a este artigo. O diversionismo estabelecido por setores da sociedade brasileira em um falso dilema – isolamento horizontal/isolamento vertical ou economia versus saúde, esconde em verdade um drama muito mais profundo que o país padece e que sua elite dirigente tenta esconder a todo custo.

Numa velocidade estonteante a pandemia do Coronavirus pôs a nu toda a farsa da pujança da nossa economia e deixou à mostra a dura realidade em que vive a maioria do povo: sem emprego, sem dinheiro, sem assistência social, sem saúde e sem futuro.

O chamado confinamento vertical para idosos, é nada mais nada menos que a Lei do Sexagenário rediviva, (Lei n.º 3.270, promulgada em 28 de setembro de 1885, garantindo liberdade aos escravos com 60 anos ou mais, com o pagamento de indenização. A indenização deveria ser paga pelo liberto, sendo obrigado a prestar serviços ao seu ex-senhor por mais três anos ou até completar 65 anos de idade). Parece brincadeira, mas não é. Nessa equação, vidas humanas não importam, ainda mais se forem de velhos, negros e pobres. Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência.

Em verdade, a pandemia expôs as vísceras do pensamento genocida e eugênico de parte da elite do país. Além disso, a pandemia está revelando, que apesar da precariedade do sistema público de saúde, a salvação da lavoura, está sendo o SUS, tão demonizado pelos empresários dos planos de saúde e que era alvo de um desmonte sem precedentes.

Do mesmo modo, a precariedade da informalidade no campo do trabalho, cantada em prosa e verso como “empreendedorismo” está deixando à mostra o seu lado mais cruel. São milhões de pessoas que ganham dinheiro agora para comer daqui a pouco, não tendo o direito sequer de cuidar da sua saúde. O desespero das pessoas na busca do auxilio emergencial, escancarados nas câmeras de tvs são sinais dolorosos dessa vulnerabilidade.

Enquanto isso o Banco Central anuncia um conjunto de medidas que deve disponibilizar para os bancos (setor mais lucrativo do país) algo em torno de  1 trilhão e 216 bilhões de reais  (dez vezes mais o apoio dado em 2008, quando da crise econômica), correspondendo a 16,7% do Produto Interno Brasileiro e para os 70 milhões de informais, 60 bilhões de reais, representando não mais do que 1% do PIB nacional, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado da República. É assim que se manifesta a desigualdade no Brasil.

Não fosse a forte pressão do Poder Legislativo e do Judiciário, juntamente com Governadores e Prefeitos sobre o Executivo Federal, e nem essa migalha de 600 reais o povão teria direito, pois a tese no Executivo é de que pouco importa quantos morram, pois a economia não pode parar.

E por mais que nos incomode, a pandemia também está revelando a dimensão política da pobreza. Aproximadamente um terço da população tem apoiado as teses genocidas. A ignorância e desinformação, tem sido presa fácil dos obscurantistas de plantão. E nesse território de carências o povo tem sido facilmente manipulado, sendo terreno fértil para o florescimento do fascismo. Não por acaso a pregação aberta do racismo, da intolerância religiosa, da homofobia e da volta da ditadura tem obtido tanto apoio.  E as grandes vitimas dessa perversidade histórica são e serão os pretos e pobres da sociedade brasileira.

O momento é grave e não podemos vacilar. Temos que juntar as forças democráticas de todos os campos, (político, empresarial, religioso, cultural, popular, etc.), em especial o movimento negro e enfrentarmos o obscurantismo que nos ameaça, em todos em todos os espaços, pois para nós, além de combater o vírus, precisamos garantir a democracia, que ela é oxigênio vital para uma sociedade saudável.

Toca a zabumba que a terra é nossa!


Taiwan’s female that is first effortlessly won reelection. Are Asian females note that is taking?

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This election ended up being about more than Taiwan’s uneasy relations with Asia

Taiwan’s very first feminine president, Tsai Ing-wen, won a moment presidential term final thirty days having a 57 per cent vote share and an archive 8.2 million votes. During her campaign, Tsai along with her governing Democratic Progressive Party (DPP) advocated for the requirement to protect Taiwan’s democracy and http://brightbrides.net/review/christian-connection freedom from Asia’s threats — with reminders that Taiwan’s fate could 1 day resemble Hong Kong’s.

Tsai’s landslide success delivered a sign to Asia as well as the globe that the Taiwanese were determined to guard their democracy with regards to had been threatened, particularly after seeing Hong Kong’s of unrest year. But this commanding success additionally has essential implications for sex equality in Taiwan. Here you will find the three things you will need to give consideration to:

1. Misogyny and sexism marked this campaign.

Tsai has took part in three presidential elections since 2012. Her opponents and also the news have scrutinized Tsai to be a girl — an unmarried and woman that is childless. Her opponent that is major Kuo-yu regarding the Kuomintang (KMT), stated during their campaign that ladies belonged in your home. The KMT vice-presidential prospect also questioned Tsai’s comprehension of women’s hearts and experiences because she's never ever had kiddies.Read more


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