Day: março 23, 2020

Autores || Revista Política Democrática Online | 17ª edição

Alberto Aggio
É diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Cursou graduação em História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo), em 1982, fez mestrado em História Social na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP (1990) e doutorado também em História Social na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, em 1996). Tornou-se Professor Livre-Docente em História da América em 1999 e, desde 2009, é professor titular da FCHS (Faculdade de Ciências Humanas e Sociais) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Júlio de Mesquita Filho, campus de Franca. Atuou como professor visitante na Universidade de Valencia (Espanha), onde realizou seu pós-doutorado entre 1997 e 1998. Entre janeiro e julho de 2010 realizou Estagio Senior financiado pela Capes na Universidade Roma3, em Italia. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Política, atuando principalmente nas seguintes áreas temáticas: história política da América Latina contemporânea, cultura política e democracia, intelectuais e pensamento político, Gramsci e América Latina.

André Amado
Nascido no Rio de Janeiro e egresso da Sociologia da Pontifícia Universidade Católica, o embaixador André Mattoso Maia Amado é diretor da revista Política Democrática Online. Foi diretor do Instituto Rio Branco (1995-2001) e subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do MRE (2008-2011). Chefiou as embaixadas em Lima (2001-2005) e Tóquio (2005- 2008). Ocupou a embaixada em Bruxelas, cumulativa com Luxemburgo (desde 2011). Escreveu quatro romances: Desde os Tempos da Esquina (Record, 1989), A Casa de Dona Iolanda (Maltese, 1992), Exílio Nacional (Topbooks, 2001) e Clube dos Injustiçados (Record). Exílio Nacional recebeu o Prêmio de Nacional de Literatura Luiza Claudio de Souza, em 2002, dado pelo Pen Clube do Brasil, na modalidade de ficção. O Embaixador lançou também o ensaio Por Dentro do Itamaraty, Impressões de um Diplomata (FUNAG, 2013).

Denise Frossard
Formada em Direito pela PUC-Rio em 1976, Frossard atuou como advogada, de 1977 a 1984, e juíza de direito do Estado do Rio de Janeiro, de 1984 a 1998. Notabilizou-se nacionalmente por condenar 14 contraventores e membros do crime organizado em 1993. Aposentou-se do Judiciário para postular cargos públicos eletivos. Em 1998, candidatou-se ao Senado, obtendo o quarto lugar. Nas eleições de 2002, Frossard foi eleita deputada federal, com a maior votação para o cargo nas eleições do Rio de Janeiro daquele ano. Seu partido, o PSDB, a escolheu para representá-lo na CPI dos Correios, onde teve atuação destacada nas audiências. Em 2006, já filiada ao então PPS, cuja identidade evoluiu para o Cidadania, teve lançada sua candidatura à sucessão da então governadora Rosinha Matheus. Denise disputou o segundo turno das eleições contra Sérgio Cabral Filho, que venceu com 5.129.064 dos votos válidos (68,00%), tendo ela conseguido 2.413.546 votos (32,00%). Frossard foi apoiada pela coligação Unir Para Mudar, composta pelos seguintes partidos: PFL, PPS e PV.

Ivan Alves Filho
Historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, onde obteve uma maîtrise em História da América Latina e um DEA (Diploma de Estudos Aprofundados), equivalente aos créditos de doutorado e aprovação de um projeto de tese em História. Concedeu, entre 1988 e 2009, dezenas de entrevistas sobre o seu trabalho a diversos órgãos da imprensa brasileira e, mesmo, internacional. Seus livros vêm sendo resenhados e comentados pelos principais publicações do Brasil desde a segunda metade dos anos 1980 do século passado. Entre elas, o Estadão, a Folha de S. Paulo, o Jornal do Brasil, O Globo, a Gazeta Mercantil, o jornal Zero Hora, e as revistas Época e Isto É. Muitos de seus livros estão catalogados em prestigiosas bibliotecas do mundo inteiro. Alguns de seus livros foram, inclusive, roteirizados para cinema e documentários (caso de Memorial dos Palmares e Aparecida Azedo - Uma pintura de conto de fadas). Fora isso, nomes conceituados da cultura brasileira e internacional contemporâneas - e podemos citar o poeta Ferreira Gullar, o arquiteto Oscar Niemeyer, o historiador Stuart Schwarz e a antropóloga Berta Ribeiro - fizeram referências a seus livros e ensaios.

Lilia Lustosa
Possui doutorado e mestrado em estudos de cinema pela Universidade deLausanne, na Suíça. Além de outras atividades acadêmicas relacionadas, como publicar e apresentar trabalhos, atua ensinar em vários colóquios e outros ambientes na Europa, Brasil e Argentina. Tem experiência profissional em curadoria de filmes, críticas de filmes, publicidade e administração. Com vasta experiência vivendo nos EUA, Europa e América do Sul, é fluente em inglês, francês, espanhol e tem o português como língua materna. Além disso, tem boas habilidades de comunicação e de falar em público, sensíveis à diversidade, ouvintes ativos, buscando a melhoria contínua, construindo consenso e orientadas a resultados. Gosta de ensinar, pesquisar e tutoria sempre abordando qualidade e padrões em alto nível.

Luiz Paulo Vellozo Lucas
Graduado em engenharia de produção pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é membro do BNDES desde os anos 80. Foi prefeito de Vitória de 1997 a 2005. Filiado ao PSDB desde 1993, em 2006 foi eleito deputado federal pelo Espírito Santo. Em 2010, foi derrotado na disputa para o governo do Espírito Santo para o senador Renato Casagrande. Em 2012, disputou novamente a prefeitura de Vitória, pelo PSDB, e durante o primeiro turno figurava como favorito em todas as pesquisas de intenção de votos, à frente de adversários como Iriny Lopes (PT) e Luciano Rezende do PPS. No dia 7 de outubro de 2012, Luiz Paulo garantiu sua presença no segundo turno, com 36% dos votos, atrás de Luciano Rezende, que obteve 39%. Em 2014, foi candidato a deputado federal pelo seu Estado, porém, não conseguiu ser eleito, tendo recebido 49.729 votos.

Martin Cezar Feijó
É conselheiro editorial da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília (DF). Possui graduação em História pela FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP (Universidade de São Paulo/1979), e doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo), em 1999. Professor titular-doutor na Facom (Faculdade de Comunicação e Marketing) da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Autor de dez livros, entre ensaios, ficção e ficção paradidática. Foi professor-pesquisador no programa em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2002-2013). Desenvolve projeto de pesquisa sobre sobre a relação entre política cultural e contracultura, com vista a publicação de livro sobre o tema. Atualmente desenvolve projeto de extensão sobre a obra de William Shakespeare (1564-1616) em seu contexto histórico-cultural. com cursos, artigos e viagens em torno dos 400 anos da morte de Shakespeare. Desenvolve atualmente um projeto sobre narrativas, de raízes xamânicas aos meios eletrônicos modernos, como canções pop. Colaborador da Revista História.


Oscar 2020: O que o Parasita mostra sobre Hollywood? Veja crítica de Lilia Lustosa

Em artigo na revista Política Democrática Online, crítica de cinema aponta ínfima participação de negros

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Apesar da ausência de ausência de mulheres e negros indicados nas categorias principais do Oscar 2020, Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo e começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda. A avaliação é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que ela produziu para a 16ª edição da revista Política Democrática Online. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza, gratuitamente, todos os conteúdos em seu site.

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No artigo exclusivo publicado na revista da FAP, Lilia critica o que chama de “participação ínfima” de negros na premiação deste ano. “Marca evidente de retrocesso em um campo já tantas vezes discutido e que, por algum tempo, tivemos a ilusão de ter avançado”, lamenta. Na opinião dela, foi surpreendente o número de mulheres que subiram ao palco, como Hildur Guonadóttir, trilha sonora; Jacqueline Durran, figurino; Nancy Haigh e Barbara Ling, direção de arte; Karen Rupert Toliver, curta de animação; Carol Dysinger e Elena Andreicheva, curta documentário.

A crítica de cinema observa que, diante do grande vencedor do Oscar 2020 – Parasita, do coreano Bong Joon-hoo –, a cerimônia de premiação lhe deixou a impressão de que Hollywood começa finalmente a abrir os olhos para o que acontece longe de seu umbigo. “Ou, como disse o próprio Joon-hoo no Globo de Ouro mês passado, começa a se dar ao trabalho de ver filmes com legenda!”, ironiza ela.

A mudança vem sendo sutil, segundo a crítica de cinema, no artigo publicado na revista Política Democrática Online. Ela lembra que, no ano passado, Roma (2018), do mexicano Alfonso Cuarón, falado em espanhol, já havia surpreendido ao ser indicado em 10 categorias, entre elas melhor filme estrangeiro e melhor filme, o que gerou certa polêmica. Spielberg chegou a se pronunciar, alegando que produções feitas para plataformas de streaming (no caso, a Netflix) não deveriam concorrer ao Oscar.

Mas, conforme escreve Lilia, Roma acabou ficando com 3 prêmios importantes: melhor filme estrangeiro, melhor fotografia e melhor diretor, perdendo, porém, o prêmio maior da noite. “Neste ano, a façanha se repetiu com o coreano Parasita que, indicado em 6 categorias, acabou sendo o grande vencedor, levando merecidamente 4 estatuetas – melhor roteiro original, melhor diretor, melhor filme internacional e melhor filme –, derrubando o favorito 1917, do inglês Sam Mendes, que, diga-se de passagem, é o clichê, do clichê, do clichê do filme de guerra hollywoodiano. 1917 foi premiado no que tinha de bom: diretor de fotografia, mixagem de som e efeitos visuais. Justo!”.

De acordo com Lilia, outro sinal de mudança na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana foi a sutil troca de nomes na categoria de filmes falados em língua estrangeira, que passou a se chamar “Melhor filme internacional”, e não mais “Melhor filme estrangeiro”. “’estrangeiro’, além significar ‘cidadão de outra nação’, também pode ser entendido como alguém ou algo que não pertence, algo estranho àquele lugar”, escreve, para continuar: “O que até então parecia ser de fato a norma em Hollywood. O que estaria por trás de tal mudança? Algum conluio político? Lobby empresarial? Uma mensagem para Trump em ano de eleições? Pode ser. Mas, independentemente disso, Parasita ganhou porque merecia, porque reunia todas as qualidades de uma grande obra cinematográfica (roteiro original, bela fotografia, primorosas montagem, direção, atuação, etc.)”.

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Compre na Amazon: livro de Astrojildo Pereira destaca contrastes de Machado de Assis

Obra apresenta análise detalhada de um dos maiores nomes da literatura do Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A grandeza da vida e das obras do escritor brasileiro Machado de Assis ganha um registro ímpar em um livro que tem se tornado referência para entender detalhes e ideais que marcaram a trajetória de um dos maiores nomes da literatura nacional. Escrito por Astrojildo Pereira, fundador do PCB (Partido Comunista Brasileiro), cuja identidade evoluiu para o hoje Cidadania, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (3ª edição, 2008, 224p.) revela contrastes ímpares do autor brasileiro. A obra está à venda no site da Amazon.

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Os estudos mais avançados sobre Machados de Assis, tanto no Brasil quanto no exterior, apontam sua íntima relação com o contexto histórico-social em que o maior escritor brasileiro viveu, que é o do Segundo Reinado e a passagem para o republicando em sua primeira fase. “O que quase não se diz, é quando se diz é de forma tímida, ou até depreciativa, é o importante papel que teve o intelectual Astrojildo Pereira neste processo de renovação nos estudos sobre a obra de Machado de Assis”, conforme destaca o historiador Martin Cezar Feijó, organizador desta edição do livro.

O livro conta que Machado de Assis reunia, em si mesmo, as imagens de uma pessoa tímida e sensual, pobre e órfão que se fez pelas próprias mãos o maior escritor brasileiro, pacato e determinado, solitário e animador cultural, enfermo constitucional e saúde equilibrada. “Em suma, Astrojildo não nega, antes reforça, o caráter universal na obra de Machado de Assis: ‘o mais universal de nossos escritores’”, acentua Feiijó.

O Machado de Assis de Astrojildo Pereira revela a imagem de um escritor que foi retrato do tempo em que viveu e com ele se identificou no que toca aso princípios constitucionais da sociedade imperial, refletindo-os em sua obra na condição de um ficcionista do Segundo Reinaldo. Por isso, conforme consta do prefácio, chega-se à conclusão de que essa mesma obra tinha um forte sentido político-social.

O livro também entrega ao leitor o filme A Última Visita, em formato de DVD, anexado na última página. O filme é baseado na história de Astrojildo Pereira, que, em 1908, compareceu a encontro não marcado na casa de Machado de Assis. Desde então, uma forte relação se estabeleceu até o fundador do PCB tornar-se, mais tarde, uma das maiores referências da esquerda brasileira.

Quem foi Astrojildo Pereira?

Astrojildo Pereira Duarte Silva nasceu em Rio Bonito, a 78 quilômetros do Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 1890. Foi escritor, jornalista, crítico literário e político brasileiro. Fundou o PCB (Partido Comunista Brasileiro), em 1922, na mesma década em que houve ascensão do movimento operário no Brasil. Ele morreu, em 1965, aos 75 anos.

Aos 16 anos, abandonou os estudos (no terceiro ano do curso ginasial no Colégio Anchieta, de Nova Friburgo) para iniciar a sua vida na militância anarquista, em oposição à doutrina religiosa difundida pela Igreja e contra o militarismo, estimulado pelas greves operárias de 1906.

Na juventude, como gráfico, participou de organizações operárias anarcossindicalistas e foi um dos organizadores do segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1913. Iniciou na imprensa operária a sua carreira de jornalista, atividade à qual se dedicaria durante a maior parte de sua vida.

Em 1918, foi preso por participar da frustrada insurreição anarquista, sendo libertado em 1919. Fundou, em 1921, o Grupo Comunista do Rio de Janeiro. No ano seguinte, reuniu os vários grupos bolchevistas regionais para criar o Partido Comunista do Brasil, em março de 1922, reconhecido dois anos depois como Seção Brasileira da III Internacional.

Sua primeira viagem à União Soviética foi em 1924, na condição de secretário-geral do partido. No ano seguinte, junto de Otávio Brandão, iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, órgão oficial do PCB. Em 1927, viajou à Bolívia para entrar em contato com o líder tenentista refugiado Luís Carlos Prestes, a fim de aproximá-lo do marxismo-leninismo. Em 1928, passou a ser um dos integrantes do Comitê Executivo da III Internacional.

Em 1931, desligou-se do partido e passou a colaborar no jornal carioca Diário de Notícias e na revista Diretrizes. Como crítico literário, especializou-se nas obras de Machado de Assis e Lima Barreto.

Em 1945, retornou ao PCB, passando a colaborar com a imprensa partidária. No entanto, após a cassação do partido, em 1947, a diretriz política ordenada por Prestes até 1956 acabou afastando-o novamente do PCB.

Após a instauração do governo militar, em 1964, foi preso por três meses, já em estado precário de saúde. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1965. Em 2000, o então PPS (Partido Popular Socialista) cria a FAP (Fundação Astrojildo Pereira), com o objetivo de preservar a memória deste fundador do PCB e dos militantes comunistas brasileiros.

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El País: Na luta contra o coronavírus, Bolsonaro se perde em guerra política e resiste a pacto nacional com governadores

Presidente mantém disputa com governadores João Doria e Wilson Witzel, enquanto continua a fazer declarações descoladas do sentimento popular. Panelaço se repete por quinto dia

O Brasil acordou para a gravidade da pandemia do coronavírus que já havia deixado um rastro trágico de mortes na Ásia quando o primeiro infectado brasileiro foi identificado em 26 de fevereiro, em São Paulo. Menos de um mês depois, a Covid-19 já infectou 1.546 brasileiros, e matou 25. Se os cálculos de especialistas estiverem corretos, há mais de 23.000 infectados no Brasil, levando em conta que para cada infectado confirmado há 15 assintomáticos ou sofrem da doença com sintomas leves, confundindo com outra natureza de gripe. Mesmo com esse quadro, até o momento o país de 209 milhões de pessoas ainda não declarou quarentena nacional, como outras nações fizeram, embora o Governo e praticamente todos os Estados insistam na recomendação de que a população circule menos. A diferença entre uma recomendação e a decretação da quarentena pode parecer mínima, porém, revela a postura hesitante do presidente Jair Bolsonaro diante da doença que se alastra por todos os Estados do país.

Ao contrário de outros chefes de Estado que foram à TV fazer apelos dramáticos, Bolsonaro investe em aparições frágeis em seu papel de líder, chegando a rebater diretrizes mundiais, ao se colocar contra, por exemplo, a proibição de cultos em igrejas, foco de aglomeração de pessoas e um terreno fértil para proliferação do vírus. Nos últimos dias, chamou a Covid-19 de “gripezinha”, a preocupação com a epidemia de “histeria”, e disse que o objetivo de quem alarma a população é paralisar a economia para acabar com o Governo dele. “Se a economia afundar, afunda o Brasil. Qual o interesse? Se afundar, acaba o meu governo. É uma luta de poder”, afirmou em entrevista na segunda (16).

As falas do presidente sempre foram corrosivas, mas agora causam muito mais impacto em meio a tempos de calamidade pública. Bolsonaro tem exposto inabilidade com a situação inédita que os brasileiros vivem de se verem obrigados a ficar em confinamento, temendo serem abatidos pelo coronavírus ou que a morte chegue a pessoas próximas. Em entrevista ao programa do Ratinho, na TV, na sexta à noite, Bolsonaro preferiu entoar o pragmatismo ao analisar o momento. “Vai morrer alguns de vírus? Sim, vão morrer. Alguns porque já tinham alguma deficiência [doença pré-existente], outros porque serão pegos no contrapé. Lamento. Minha mãe de 92 anos, se pegar algo, acho que nos deixa. Mas não podemos criar esse clima todo que está aí, prejudica a economia”, afirmou.

Bolsonaro virou notícia mundial ao cumprimentar um aglomerado de apoiadores na porta do Palácio do Planalto em plena epidemia no dia 15. Desde então, ficou claro que sua postura errática é um elemento extra para o Brasil na luta contra o coronavírus, quando o país já tem clara a sua sentença, segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em breve haverá um pico da doença e se o país não tomar as medidas radicais para evitar o trânsito de pessoas, a rede de saúde, pública e privada, entra em colapso em abril. Alguns Estados, como o Rio de Janeiro, no entanto, já falam em um sistema colapsado dentro de duas semanas. Mandetta tem comandado a situação, em aparições diárias mais serenas para explicar o quadro do Brasil, o que o fez ganhar relevância entre os brasileiros. Neste sábado, a equipe do Ministério da Saúde prometeu multiplicar os testes para detectar o coronavírus nos hospitais, uma medida recomendada pelos países que controlaram a epidemia.

Irritados com a postura do presidente, os brasileiros começaram uma sequência de panelaços diários desde a última terça-feira, 17, em vários pontos do país. Uma pesquisa recente da consultoria Atlas Político mostrou que 65% dos entrevistados estão insatisfeitos com a gestão de Bolsonaro sobre a crise do Covid-19. Três pedidos de impeachment já foram apresentados no Congresso contra Bolsonaro, e há um quarto a caminho.

Bolsonaro, por sua vez, tem colocado energia na disputa política com eventuais adversários políticos que cobram uma postura mais arrojada do Governo do que em dar ênfase à gravidade que o Covid-19 significa ao país. Em vez de convocar um pacto nacional convidando todos os governadores para trabalharem juntos as soluções para a epidemia, repete publicamente queixas sobre governadores, especialmente os de São Paulo e do Rio de Janeiro, João Doria (PSDB) e Wilson Witzel (PSC). Os dois Estados acumulam mais óbitos e casos de infectados. Ambos cobram medidas drásticas para evitar a circulação do vírus, ao contrário de Bolsonaro. Neste sábado, o governador João Doria, que já conta 15 mortes e quase 400 infectados, decretou a quarentena em São Paulo, o que Bolsonaro considerou um gesto calculado. “Ele está se aproveitando desse momento para se promover”, afirmou ele à CNN.

Doria tem feito queixas reiteradas sobre o presidente neste momento por tratar a epidemia que toma o país com mais cuidado. “Gostaria de ter um presidente que liderasse o país em uma crise como essa, e não minimizasse uma questão tão grave”, afirmou ele, em uma das coletivas diárias das quais participa. Bolsonaro devolveu a alfinetada do governador tucano: “Os que me criticam dizem que não tenho liderança. Digo a eles: a eleição de 2022 ainda está muito longe”.

“É inaceitável a falta de dialogo e bom senso. Nunca imaginei viver isso na democracia”, reclama o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. No Rio, já há 119 casos confirmados, e três mortes. Um dos infectados foi descoberto na comunidade da Cidade de Deus, um alerta preocupante para a população das favelas, onde a infraestrutura é precária, num ambiente favorável à proliferação da doença. Ao menos os governadores do Norte e Nordeste conseguiram arrancar do presidente o compromisso de uma videoconferência nesta segunda.

Como se não bastasse o clima belicoso nacional, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, gerou um incidente diplomático com a China no dia 18 com uma série de tuítes em que busca demonizar a China por causa da doença, emulando a tática do presidente americano Donald Trump. “Mais uma vez, uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução”, escreveu o deputado, que gerou uma resposta inédita do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Ele cobrou um pedido de desculpas ao seu povo e disse ao deputado que ele “precisa assumir todas as consequências”. O assunto continua pendente. O jornal Valor noticiou que o presidente Bolsonaro tentou falar com Xi Jinping, sem sucesso. O resumo da ópera foi dado pelo governador Flavio Dino, do Maranhão: “Não é hora de brigar com a China nem é hora de brigar com os governadores. É hora de brigar contra o vírus, a pandemia”.


Carlos Pereira: O preço da loucura

Insanidade de Bolsonaro de ir a manifestação é expressão do presidencialismo plebiscitário

Diante dos últimos comportamentos do presidente Bolsonaro, muitos têm vaticinado que o presidente está louco. Alguns, inclusive, defendem que o Ministério Público peça que uma junta médica avalie a sanidade mental de Bolsonaro para saber se ele de fato teria condições para exercício do cargo de presidente da República.

Ter conclamado e participado de manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em plena pandemia do novo coronavírus e ainda sob suspeita de estar contaminado, colocando em risco os demais participantes da manifestação, seria um sinal de perturbação mental ou, pelo menos, de enorme irresponsabilidade.

Existiria cálculo racional nesse comportamento aparentemente insano?

A loucura é um fenômeno muito complexo e multifacetado. A negação da realidade é uma das suas expressões ou sintomas mais comuns. No caso específico do presidente Bolsonaro, sua suposta insanidade nasce da negação da própria política.

Bolsonaro é produto de uma sucessão de eventos inusitados. A conjunção de recessão econômica de graves proporções e exposição visceral a escândalos sucessivos de corrupção gerou, em uma parcela considerável do eleitorado brasileiro, uma espécie de aversão à política. Como se a política “tradicional” fosse necessariamente “suja”.

Bolsonaro preencheu as expectativas de “limpeza” da política brasileira. Fez uma associação direta entre o tipo de presidencialismo de coalizão predatório implementado pelo petismo à corrupção. Ao mesmo tempo em que essa estratégia se mostrou vitoriosa nas eleições, fez, paradoxalmente, o presidente vítima desta narrativa. Terminou por aprisionar o governo a um modelo de governar que contraria a essência do nosso sistema político.

Diante da negação sistemática dos instrumentos tradicionais de governo em um presidencialismo multipartidário, restam poucas alternativas a Bolsonaro. A conexão direta com seus eleitores mais fiéis, que beira a insanidade, tornou-se o modus operandi do governo. A estratégia dominante passou a ser o desenvolvimento de crises quase que diárias, confusão e belicosidade com adversários, briga com os próprios aliados, ataques indiscriminados a todos que lhe impõem restrições.

É por isso que Bolsonaro governa sempre testando e avançando os limites institucionais. Portanto, na aparente loucura do estilo de governar confrontacional há uma estratégia nítida de sobrevivência política.

É sonho de todo governante que quer deixar um legado histórico enfrentar crises agudas tais como guerras ou pandemias para unir o país em torno dele e assim enfrentar o inimigo comum. Entretanto, Bolsonaro não consegue se desvencilhar das amarras que se auto impôs. Para Bolsonaro, essa oportunidade foi perdida. Em vez de unir o País para combater o inimigo mortal e invisível, ele o dividiu. Ao invés de reconhecer a gravidade da guerra, ele a menosprezou.

Bolsonaro não percebeu que o medo da população em perder vidas com o coronavírus suplantava os riscos de crise econômica, pois não se deu conta que as pessoas tendem a descontar o futuro. Ou seja, as preocupações de hoje são sempre maiores do que as que estão por vir. Bolsonaro, portanto, contrariou os anseios da população e os sinais de rejeição entre seus supostos seguidores começaram a aparecer.

O panelaço e os vários pedidos de impeachment evidenciam isso. Dessa vez, a loucura de Bolsonaro pode lhe custar caro.


Bruno Carazza: VUL-nerabilidades

O mundo ainda não sabe de que forma será a recessão

A covid-19 impõe um desafio sem precedentes na história econômica mundial. A emergência da pandemia, que requer como profilaxia para se evitar um caos na saúde pública a indução de uma recessão global, pode deixar feridas que demorarão a cicatrizar. De uma só vez, estamos submetidos a um ataque infeccioso que combina choque de oferta (com o rompimento das cadeias internacionais de produção), redução drástica da demanda e a incerteza de não saber por quanto tempo estaremos em quarentena.

O diagnóstico de uma nova doença, com alto potencial de contaminação e níveis relativamente elevados de letalidade, levou epidemiologistas e profissionais da saúde a prescreverem remédios amargos de distanciamento social para conter a evolução do número de infectados e, assim, pelo menos postergar o colapso do sistema de saúde. A determinação dos governos de reduzir a movimentação de pessoas e fechar temporariamente negócios não essenciais, porém, tem um grave efeito colateral: a prostração econômica.

A cada dia fica mais claro que a necessidade de achatar a curva epidemiológica de contágio levará ao aprofundamento do gráfico de evolução do PIB. Como afirmou Catherine Mann, economista-chefe do Citibank, numa excelente publicação organizada recentemente por Richard Baldwin e Beatrice di Mauro para a VoxEU sobre a “economia do coronavírus”, só não sabemos ainda qual será o formato desta recessão.

No início, economistas diagnosticavam que teríamos uma queda em “V” - uma forte queda na produção e no consumo neste trimestre, em que tivemos que dar um tratamento de choque na circulação econômica para conter a disseminação do vírus, mas que seria rapidamente superada no período subsequente.

Mas acontece que, assim como alguns pacientes estão mais suscetíveis aos efeitos da covid-19 do que outros, os setores da economia também reagirão de modo diverso ao isolamento imposto pelo coronavírus. Especialmente no setor de serviços não haverá postergação de consumo para o futuro e sim uma perda definitiva de receita - viagens rotineiras a negócio, consultas em psicólogos, jantares em restaurantes e cortes de cabelo, por exemplo, não serão realizados em dobro ou em triplo nos meses seguintes para compensarmos o período em que não realizamos essas atividades porque estamos presos em casa. A recomendação médica de evitar contato com o mundo exterior pode significar, portanto, um retrocesso muito mais profundo e de lenta recuperação, caracterizando uma curva que teria o formato não de um “V” agudo, mas sim o de um “U” talvez bastante aberto.

Mas existem prognósticos ainda mais sombrios. O novo coronavírus pegou a economia mundial num momento de baixa imunidade. A expectativa de crescimento para 2020 já era baixa, as taxas de juros se encontram no chão e as condições fiscais da maioria dos países ainda não se recuperaram da injeção em doses cavalares de recursos públicos para tirar o capitalismo da UTI a partir de 2008. Ainda não sabemos como o organismo reagirá a um ataque tríplice-viral de um choque de demanda, de oferta e de expectativas. A depender da contaminação dos mercados financeiro, cambial e de dívidas públicas, analistas mais pessimistas começam a traçar cenários em que a economia entra numa trajetória em “L”, com uma queda acentuada sem recuperação relevante no médio prazo.

Diante da pandemia, o Brasil é um paciente que inspira cuidados especiais. Nossa resistência está baixa em função da grave crise fiscal em todos os níveis de governo, das elevadas taxas de desemprego e de informalidade no mercado de trabalho e da grande capacidade ociosa das empresas desde a grave recessão de 2015 e 2016 e a lenta convalescença desde então. Preocupa principalmente o ciclo de transmissão dos efeitos do lockdown das empresas paralisadas para o imenso contingente de miseráveis, sub-empregados e aqueles que, mesmo tendo emprego fixo e carteira assinada, não possuem reservas financeiras para suportar muito tempo sem receber.

A demora do presidente e do ministro da Economia em admitirem a gravidade da infecção econômica e social causada pelo novo vírus contrasta com a seriedade e a presteza com que bancos centrais e governos dos demais países têm agido para combater seus males. Na última semana foram anunciadas ações radicais por parte de todas as nações do G7 para evitar a mortalidade econômica de empresas, e sobretudo de pessoas.

Se por um lado as economias já desenvolveram uma resistência ao uso das taxas de juros como antibiótico (pois já se encontravam em patamares historicamente baixos), os bancos centrais têm recorrido ao afrouxamento da regulação prudencial e ao provimento de liquidez para que instituições financeiras continuem irrigando o mercado de crédito. Outro remédio tem sido aportar valores bilionários do Tesouro em garantias e empréstimos em condições especiais para garantir capital de giro para as empresas atravessarem o período de paralisação de atividades e queda de receitas, ministrado em conjunto com a postergação do recolhimento de impostos.

Autoridades fiscais e monetárias de todo o mundo estão especialmente atentas ao grupo de risco das micro e pequenas empresas (especialmente dos setores de varejo, gastronomia, turismo, serviços pessoais e lazer), dos trabalhadores informais e da população mais vulnerável. Para evitar o comprometimento do tecido social e uma alta taxa de letalidade nessa população menos imune a crises, os governos europeus e até mesmo dos Estados Unidos têm apelado para o fortalecimento de programas sociais e transferências diretas de recursos para conter a hemorrogia e afastar a possibilidade de uma convulsão social.

Por aqui, enquanto o ministro Mandetta aplica um coquetel de drogas para evitar que o sistema de saúde vá a óbito, Bolsonaro e Paulo Guedes parecem acreditar no poder da homeopatia e de fitoterápicos para tratar os efeitos da epidemia sobre um órgão vital do corpo humano - o bolso. Com o número de infectados em franca ascensão e boa parte das indústrias e serviços parados, o país aguarda o anúncio de vacinas econômicas eficazes para se evitar uma grande mortandade de brasileiros.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Leandro Colon: Bolsonaro diz que está com o povo, mas o povo rechaça sua postura na pandemia

O Datafolha deveria assustar quem tanto explora a retórica de que está com a população

Não são apenas os panelaços nas janelas de prédios que refletem a insatisfação da população com o menosprezo de Jair Bolsonaro à escalada do coronavírus pelo país.

Pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira (23) é um recado bem dado e importante das ruas à figura do presidente da República.

Os números deveriam assustar quem tanto explora a retórica de que está com o "povo". Além de peças políticas, como o Congresso e os estados, boa parte da população que ele tenta usar de escudo também reprova sua atuação na crise do vírus.

Os trancafiados em casa para não pegar a doença têm apreço ao Ministério da Saúde, sob Luiz Henrique Mandetta, e ao comportamento dos governadores. Ao mesmo tempo, rechaçam a postura de quem deveria ser o 01 no combate à pandemia.

Enquanto o brasileiro se isola em casa, Bolsonaro faz o mesmo no Alvorada, não para evitar o vírus que chama de gripezinha, e sim porque os demais personagens não enxergam nele alguém com capacidades política e psicológica para liderar.

O Datafolha mostra que 55% dos brasileiros consideram ótimo ou bom o desempenho da pasta da Saúde, percentual similar (54%) ao dos que aprovam a reação dos seus governadores. Questionados sobre Bolsonaro, só 35% responderam positivamente sobre sua conduta na crise.

Para piorar o cenário, 68% reprovam o gesto irresponsável do presidente de se juntar a uma aglomeração na rampa do Palácio do Planalto, durante a manifestação do último dia 15, e cumprimentar as pessoas.

Bolsonaro tem sido um desastre, e sua imagem se deteriora. Ele fez um aceno no fim de semana, destacando a preocupação com o coronavírus —não sem antes deslizar com um vídeo tosco, gravado pelos filhos amalucados, anunciando a produção de um remédio que ainda não tem eficácia comprovada contra o vírus.

Prevê-se que a pandemia esteja controlada em poucos meses no país. Já a permanência de Bolsonaro na cadeira de presidente até 2022 torna-se cada vez dia mais improvável.


Ricardo Noblat: Bolsonaro cava sua própria sepultura

Ele de um lado, o povo do outro

O presidente Jair Bolsonaro ficará rouco de tanto repetir que ele está do lado do povo. O que acontece, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha, é que o povo não está do lado dele.

A pesquisa feita por telefone em todas as capitais e no Distrito Federal mostra que 55% dos brasileiros consideram ótimo ou bom o desempenho do ministro da Saúde.

O desempenho dos governadores no combate ao coronavírus é muito parecido – 54%. Quanto ao presidente que arrisca a própria viva em defesa do povo, só 35% aprovam a sua conduta.

Quase 70% dos entrevistados reprovaram o gesto de Bolsonaro de recepcionar seus devotos na rampa do Palácio do Planalto. Foi durante a manifestação convocada contra o Congresso e a Justiça.

Ali, Bolsonaro foi duplamente irresponsável. Primeiro porque participou de um ato que ele mesmo desaconselhara. Segundo porque pôs em risco a vida dos manifestantes.

Ele acabara de voltar dos Estados Unidos. Trouxera na sua comitiva um auxiliar contaminado. Mais de um. Até aqui, foram 27 contaminados. E tocou em 272 pessoas. Que tal?

A primeira parte da pesquisa, publicada, ontem, pela Folha de São Paulo, mostrara que Bolsonaro está na contramão dos brasileiros ao se preocupar com mais com a economia do que com vidas.

92% das pessoas concordam com a suspensão de aulas, 94% aprovam a proibição de viagens internacionais e 92% apoiam o fechamento de fronteiras. Bolsonaro era contra tudo isso.

Em entrevista, nesse domingo, à TV Record, nervoso, gaguejando muito, Bolsonaro afirmou que julga “exagerados” os números sobre a pandemia divulgados pelo Ministério da Saúde.

Ora, ele não havia feito questão de dizer que seu time “está ganhando” por governar bem? E de lembrar que o técnico do time era ele? Suplicava por reconhecimento.

Numa hora dessas, como ele ousa pôr em dúvida o que anuncia um ministro escolhido por ele mesmo? Se o que informa Luiz Henrique Medetta não merece fé, por que Bolsonaro não o demite?

Não manda Mandetta embora porque ele não seria tão maluco a esse ponto. Mas o ministro está convencido de que será mandado embora antes do fim do ano. Não se incomodará se for.

Pesquisa IBOPE, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, quis saber quanto valeria o apoio de Bolsonaro e de outros líderes políticos a um candidato a prefeito da capital paulista.

O apoio de Bolsonaro diminuiria em 41% a vontade do eleitor em votar no candidato que ele apoiasse. O apoio de Lula, em 36%. O de João Doria, em 40%. E o de Geraldo Alckmin em 34%.

O apoio de Bolsonaro aumentaria em 17% a vontade do eleitor em votar no candidato dele. No caso do apoio de Lula, aumentaria em 26%. No de Doria, 9%. No de Alckmin, 10%.

Pesquisa XP-Ipesp, da última sexta-feira, conferiu que a popularidade de Bolsonaro recuou quatro pontos percentuais se comparada com a pesquisa de fevereiro último.

O processo de derretimento da imagem do presidente da República está correndo mais rápido do que ele próprio imaginara. Daí o seu pânico.

Só se aprende a votar votando muito

Problema para o Congresso resolver
Adiamento das eleições é possível. Transferência para 2022 das eleições municipais marcadas para outubro próximo, improvável. Uma hipótese remota. Porque implicaria na prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, mas não só.

Quem ganharia com a transferência? Pela ordem: Jair Bolsonaro, que não formou seu partido a tempo de disputá-las. De novo Bolsonaro, que driblaria o risco de se tornar o alvo principal das críticas da maioria dos candidatos.

Perderiam também os aspirantes a candidato a prefeito e vereador porque teriam de esperar mais dois anos. Perguntem se eles concordam… Portanto, além de Bolsonaro, só os atuais prefeitos e vereadores ganhariam com isso. Nem pensar.

O que deverá acontecer? Se o coronavírus inviabilizar as eleições este ano, elas acontecerão no próximo, e o mais cedo possível. A legislação encurtou o prazo das campanhas. A Justiça Eleitoral está nos cascos para garantir que elas ocorram.

Embora diga que o problema é do Congresso, o ministro Luiz Roberto Barroso, que em maio assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, é contra deixar as eleições para 2022. O povo, segundo ele, só aprende a votar votando. E muito.

(Aviso de utilidade pública: Na próxima eleição presidencial, antes de digitar na urna o número do seu candidato, passe álcool gel nas mãos. E vote melhor.)


Demétrio Magnoli: Voando às cegas

O vírus mais mortífero é o da ignorância

A Coreia do Sul, foco pioneiro de infecções fora da China, tinha 8.565 casos confirmados de Covid e 91 óbitos, em 19 de março. Na mesma data, a Itália, maior foco atual de infecções, tinha 35.713 casos e 2.978 óbitos. Desses dados, extraem-se taxas de letalidade de cerca de 1,1% para a Coreia do Sul e 8,3% para a Itália. A diferença brutal indica que o vírus da inconsistência contamina as estatísticas sobre a pandemia — e, portanto, que o mundo inteiro voa no escuro, sem instrumentos, em meio à crise dramática.

8,3% contra 1,1%? É certo que a população italiana tem idade média superior à sul-coreana e, ainda, que as interações sociais entre jovens e idosos são, em tempos normais, mais intensas na nação europeia que na asiática. Também é verdade que a negligência inicial do governo italiano provocou o colapso do sistema de saúde na Lombardia, área crítica de difusão do novo coronavírus. Mas a absurda distância estatística nem de longe se explica por tais fatores. O mistério deriva da incomparabilidade das estatísticas colhidas pelos governos nacionais.

As estatísticas falam línguas diferentes. Na Itália, aplicam-se testes a pessoas sintomáticas que procuram o sistema de saúde — ou seja, uma elevada proporção de casos graves que exigirão internação e, com frequência elevada, evoluirão para o óbito. Na Coreia do Sul, a testagem massiva em áreas geográficas selecionadas captura alta proporção de casos leves, inclusive assintomáticos, que ficarão apenas em quarentena domiciliar. No mito de Babel, Deus confundiu as línguas, interrompendo a comunicação e o trabalho. Diante da pandemia, o mundo fecha-se numa Babel —mas não por culpa divina.

A cidadezinha de Vò, na Lombardia, testou todos os seus 3,3 mil habitantes. Descobriu 66 positivos e, entre eles, alta proporção de assintomáticos. Como o mundo não é Vò, será impossível replicar seu método de testagem universal. David Uip, coordenador da força-tarefa paulista, estimou que, num cenário otimista, o estado de São Paulo acumulará 460 mil infectados. Provavelmente, jamais descobriremos se a projeção foi correta, pois ela abrange uma maioria de casos leves, que nunca serão testados. Sidney Klajner, presidente do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, estima que, para cada caso confirmado, circulam nas sombras 15 infectados não notificados. É chute de especialista, como o de Uip.

A Babel estatística não é um problema acadêmico. Num cenário extremo, os casos sintomáticos evidentes formam a ponta minúscula de um enorme iceberg. No cenário oposto, são a porção emersa de um transatlântico. Se a primeira alternativa for verdadeira, há notícias boas (a taxa real de letalidade é baixa) e más (o contágio é massivo e largamente indetectável). Se a verdade estiver na segunda, temos uma péssima notícia (a taxa real de letalidade é elevada) e uma boa (o contágio é restrito e bastante detectável). Mas, de fato, estamos no escuro — e, sem a informação crucial, carecemos de ferramentas para formular estratégias epidemiológicas e econômicas.

Quais são os impactos de congelar a vida por 15 dias? E por um mês? É viável, social e economicamente, estender as estratégias radicais além disso? O vírus mais mortífero é o da ignorância. Sem um mínimo de previsibilidade, os negócios inclinam-se para demissões em massa e os mercados financeiros, incapazes de precificar a crise, atiram-se em abismos insondáveis.

Circula, entre epidemiologistas, a ideia de perfurar as trevas por meio de um esforço, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de testagens aleatórias sucessivas em amostras da população de áreas críticas selecionadas em países como Coreia do Sul, Itália e EUA. Os gráficos resultantes dariam indícios firmes sobre a dinâmica demográfica, o ritmo de avanço e o ciclo temporal da pandemia.

A sugestão esbarra, contudo, no incêndio que consome a cooperação internacional, aceso pelas fagulhas da troca de acusações entre EUA e China e pelas iniciativas unilaterais de fechamento de fronteiras. O nacionalismo mata — e mata mais em tempos de pandemia.


Cacá Diegues: O lixo nas urnas

A questão não é mais apenas de saúde, mas também de política e administração pública

Quando o bloco desfilar de novo, com máscaras e tamborins, como naquela entrevista coletiva da semana passada, ministro Luiz Henrique Mandetta, reivindique um destaque à frente da bateria. O senhor tem direito até a uma comissão de frente. Pelo que já nos disse de sábio e sereno, o senhor não pode estar de acordo com as bobagens que foram ditas ali, o caráter personalista e insensível da equipe do presidente, a reiteração de um programa supostamente técnico e certamente desumano. Um samba muito diferente daquele que já ouvimos do senhor. Por exemplo, a obsessão de um ajuste fiscal, às custas da sobrevivência dos brasileiros mais pobres, é um crime. Da próxima vez, ministro, reaja ao presidente e à sua paupérrima coreografia. Vá sem máscara à reunião da diretoria.

Como o país não conhecia muito bem as peças, elegeu, com Bolsonaro, três meninos mal comportados, ignorantes e desastrados. E mais um predador mal intencionado de péssima educação, especializado em engrossar com as moças, fingindo que é filosofia. Os brasileiros queriam se livrar dos políticos que não suportavam mais. Tinham pressa e não pensaram em examinar melhor quem estava à disposição, com chance de acabar com o passado.

O mais moço criou um caso com a China, o país com quem temos as relações comerciais mais positivas, o único que já nos havia oferecido ajuda para a crise da Covid-19. Eduardo Bolsonaro não deve ter lido nada sobre Chernobyl e tratou o erro gravíssimo de um socialismo real fracassado, como se fosse estratégia. O coronavírus, ao contrário, é uma reação da Natureza aos nossos erros, reação que nos acostumamos a chamar de acaso.

Com outros nomes (Peste Negra, influenza, Gripe Espanhola, dengue etc.), a humanidade já viveu, em outros tempos, crises de saúde semelhantes a essa, com diferentes graus de gravidade. Mas, hoje, ela se torna objeto de um movimento de defesa internacional, como se o mundo estivesse finalmente acordando para o que ele é de fato: a soma indiferente de seres de várias nacionalidades, raças, cores, gêneros, religiões, opções sexuais, costumes, o que for. Li outro dia, num jornal estrangeiro, que, na Itália, o coronavírus está impedindo o uso de água benta de pias batismais. Como, na mesma Itália, pessoas estão dormindo com o cadáver de seus cônjuges, porque o Exército não está conseguindo retirar a tempo todos os corpos das vítimas da Covid-19.

Charles Darwin já havia nos preparado para essas frustrações, nos ensinando que a Evolução não privilegia os mais fortes ou os mais espertos, mas aqueles que se adaptam melhor às novas circunstâncias. A questão não é mais apenas de saúde, mas também de política e administração pública, no que Mandetta também havia se destacado. Como me disse um amigo, pelo lado oposto: “O problema das enchentes no Rio é que os cariocas jogaram muito lixo nas urnas”.

Temos o vício cientificista de considerar a humanidade como o único elemento no planeta que reflete sobre o que está acontecendo e, por consequência, sobre o que acontecerá como consequência do que está acontecendo. Mas o planeta tem uma longa história de quatro bilhões de anos, e não temos nenhum registro moral e intelectual de tudo o que lhe aconteceu, ao longo desse tempo. Se tivéssemos tal registro, saberíamos mais e melhor de tudo que está à nossa volta, poderíamos viver melhor e esperar melhores dias para nossa espécie. Poderíamos, acima de tudo, criar uma relação mais rica e mais pacífica com a própria Natureza, para que ela não se amofine conosco, como me parece acontecer de vez em quando, como agora.

Nossos cientistas conhecem as ruínas do que já existiu e têm acesso aos restos dos seres que já habitaram o planeta. Mas consultam essas pistas como quem sabe de antemão o que vão descobrir, um passado morto e enterrado, que não traz nenhuma esperança para a humanidade. Eles pesquisam e consultam apenas os eventos e os seres que servem para explicar nossa existência até aqui, o que somos e necessitamos ser, dentro de condição imutável suportada por religiões e ideologias. Não se importam com o que poderia ter sido, com qualquer utopia do passado. Se interessam apenas pelo que for curioso do ponto de vista da humanidade, sem nenhuma modéstia em relação a nós mesmos. Com profundo desinteresse pelos que conviveram conosco, o resto do planeta a que podemos chamar de Natureza.


El País: “Bolsonaro acredita no ‘líder acima de tudo’, inclusive da saúde da população em tempos de pandemia”, diz Finchelstein

Federico Finchelstein, historiador argentino, diz que mentiras do presidente aplicam método fascista: “O que diz acaba se tornando um artigo de fé e não algo que tenha a ver com a realidade”

O historiador argentino Federico Finchelstein é um dos principais especialistas em fascismo e populismo, autor de livros como Do Fascismo ao Populismo na História e As Origens Ideológicas da Guerra Suja ―sobre a ditadura militar argentina, sem versão em português―, além de obras sobre o holocausto e a Alemanha nazista. Para 2020 prepara Uma Breve História das Mentiras Fascistas, no qual dedica uma parte ao presidente brasileiro Jair Bolsonaro, visto por Finchelstein como uma das lideranças populistas mais próximas ao fascismo. Ele chegou a escrever na revista Foreign Policy durante as eleições de 2018 que o bolsonarismo se inspirou no manual nazista de propaganda lançado por Joseph Goebbels, ministro de Adolf Hitler entre 1933 e 1945.

Em entrevista ao EL PAÍS por telefone, o professor da New School for Social Research afirma que “existe um claro golpismo” nas manifestações a favor do Governo do domingo passado (15), por causa das mensagens contra os demais poderes. Também afirma que as mentiras ditas por Bolsonaro e outros líderes ultranacionalistas e da extrema direita, como Donald Trump (Estados Unidos) ou Matteo Salvini (Itália), os aproximam mais do fascismo do que do populismo. “Esses líderes acreditam em suas próprias mentiras, em suas próprias fantasias, até que a realidade se impõe sobre elas”, explica.

Pergunta. No domingo passado, manifestantes gritavam palavras de ordem a favor do Governo Bolsonaro e contra o Congresso e o STF. Muitos inclusive pediam uma intervenção militar e um novo AI-5. O presidente chegou a romper sua recomendação de isolamento por causa do coronavírus para cumprimentar manifestantes. Como enxerga tudo isso?

Resposta. Existe um claro golpismo apoiado por um líder post fascista e que gostaria de ser um ditador fascista. Por um lado, os bolsonaristas têm o direito de se organizar e de participar de todas as reuniões que queiram. Mas uma manifestação contra o Congresso e a independência dos poderes está mais próxima dos atos fascistas ou das manifestações pró-Pinochet que de uma manifestação democrática. Está nas mãos da cidadania, da oposição, da imprensa e dos poderes independentes defender a democracia brasileira.

P. Há provas de que os atos foram impulsionados pelo próprio Governo Bolsonaro, inclusive através de canais oficiais. Com a pandemia do coronavírus, o presidente chegou a fazer pronunciamento em cadeia nacional desencorajando o que chamou de manifestações “espontâneas”. Em outros países governados pela extrema direita já aconteceu algo parecido?

R. Acontece o mesmo tipo de situação em diferentes governos, que se apoiam em diferentes atos massivos. Donald Trump costuma fazer atos não nas ruas, mas em estádios. A pergunta é: por que essa mentira de que são espontâneas, de que não são organizadas? Ou inclusive por que fazem durante a crise do coronavírus? Me parece um exemplo claro da demagogia Bolsonaro, de suas ideias políticas com raízes fascistas acima de tudo. É, principalmente, o líder acima de tudo, inclusive da saúde e do bem-estar da população em tempos de pandemia.

P. Como avalia o Governo Bolsonaro até aqui?

R. Do ponto de vista democracia a avaliação não poderia ser mais negativa. Bolsonaro, dentro do que é a história do populismo, é um dos populistas mais extremistas que existe. E o mais próximo ao fascismo. É uma pessoa que vem degradando a democracia de várias formas, demonizando a oposição, a imprensa... Mas a questão vai além de adjetivos. Existe uma ideologia por trás de sua vulgaridade que, em um ponto, vai se distanciando do populismo e se aproximando do fascismo.

P. Qual é a diferença entre os dois conceitos?

R. O populismo é uma forma autoritária de democracia e o fascismo praticamente destrói a democracia por dentro para criar uma ditadura. Não podemos dizer que, neste momento, existe um governo fascista no Brasil porque, sobretudo graças à sociedade civil e à imprensa, Bolsonaro não conseguiu destruir a democracia como ele gostaria e como já expressou em distintos momentos. Mas a história de Bolsonaro é a história de um governante que tenta destruir essa sociedade civil e democrática. Depende dos brasileiros que não consiga.

P. Mas quais são os parâmetros para dizer que Bolsonaro (e também líderes como Donald Trump e Matteo Salvini) estão mais próximos do fascismo que do populismo?

R. O fascismo tem três elementos. O primeiro, e principal, é a xenofobia e o racismo direcionados a distintas minorias. Não necessariamente é um elemento central da maior parte dos populistas. Pensemos nos casos do Brasil, que viu um populismo de viés corporativo de Getúlio Vargas o de viés neoliberal como o de Fernando Collor de Mello. A xenofobia não era elemento central desses governos.

O segundo elemento é a violência política, central para o fascismo. E neste caso existe uma dúvida: lembremos que pessoas próximas de Mussolini assassinaram alguns líderes da oposição; no Brasil, temos visto certa proximidade da família Bolsonaro com milicianos [que controlam territórios no Rio de Janeiro e influenciam na política local] e os supostos assassinos da vereadora Marielle Franco.

E, finalmente, o terceiro elemento principal é a ditadura. E o mero fato de que estejamos conversando mostra que este elemento ainda não chegou no Brasil, já que não existe liberdade de imprensa na ditadura. Nesse sentido, o que temos por ora é uma proximidade bastante preocupante do populismo de Bolsonaro ao fascismo. Ele fala como um fascista, mas governa como um fascista? Acredito que a resposta tem a ver não apenas com o que ele quer fazer, mas sim com os limites que os brasileiros colocam.

P. Mas os populistas não abraçam alguns desses elementos?

R. Entre os populistas não existe o uso da violência política nem a discriminação, a xenofobia e o racismo. E, diferentemente do fascismo, os populistas de esquerda e de direita tem uma concepção de povo muito diferente. Para o fascismo, o povo está baseado em qualidades étnicas e religiosas. Para o populismo, o povo são aqueles que votam no líder. É uma ideia autoritária, uns são o povo e outros são os antipovo. Mas, ainda que seja autoritária, é uma definição baseada nas ideias, e não necessariamente em conceitos étnicos e religiosos. E isso vai de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón a Collor de Mello, Berlusconi ou Chávez. O que vemos em líderes como Trump, Bolsonaro, Modi [primeiro-ministro da Índia] ou Salvini é que o povo passa a ser entendido de outra forma. Se Bolsonaro define os brasileiros como cristãos, o que acontece com aqueles que não acreditam em Deus?

P. Você chegou a escrever durante a campanha que de 2018 que Bolsonaro estava mais próximo de Goebbels que do ex-presidente italiano Silvio Berlusconi.

R. Existe um quarto elemento do fascismo que é a mentira. E acredito que Bolsonaro, Trump ou Salvini mentem como fascistas, e não como populistas. Historicamente, os populistas não se atrevem a deixar de lado as evidências mais óbvias. Nesses casos, a mentira é mais demagógica, cínica. É propaganda, eles não acreditam em suas mentiras.

Mas quando digo que mentem como fascistas, é porque esses líderes acreditam em suas próprias mentiras —até que a realidade se impõe sobre elas. Pensemos nessa convocação de protestos no contexto do coronavírus. Trump vinha negando a importância do tema, enquanto que Bolsonaro chegou a dizer que era uma fantasia. Chega ao ponto de que o círculo se completa, por assim dizer, quando um de seus próprios secretários [Fabio Wajngarten, titular da Secretaria de Comunicação] dá positivo no texto.

P. Os ataques à imprensa se explicam por causa dessas mentiras que acreditam?

R. Sim, porque a imprensa independente o que faz é apresentar dados empíricos para contrastar as versões oficiais de propaganda. Por isso ela é um eixo central da democracia e também por isso ela um problema para esse tipo de líder e suas mentiras.

P. No momento em que o dólar disparava, as Bolsas registravam enormes perdas e a crise do coronavírus se agravava, Bolsonaro disse, sem apresentar provas, que as eleições presidenciais foram fraudadas e que ele ganhou no primeiro turno. Trata-se apenas de uma cortina de fumaça para desviar o foco da imprensa, como se costuma dizer, ou existo algo além disso?

R. No sentido mais concreto e no sentido mais histórico trata-se de uma estratégia típica do fascismo para substituir a realidade com propaganda, isto é, com as mentiras mais evidentes. Isso tem a ver com a política da fé, então o que diz Bolsonaro acaba se tornando um artigo de fé e não tanto algo que tenha a ver com a realidade. Outra questão sobre Bolsonaro é que ele tende a se basear muito no que Trump faz. Ele diz coisas que Trump já disse em algum momento, como a referência sobre as supostas fraudes em sua própria vitória. Trump dizia que ganhou no voto popular, o que não aconteceu. E vemos a mesma estratégia com o coronavírus. Parece haver um delay: Trump dizia que era uma fantasia, e Bolsonaro segue repetindo isso —enquanto Trump parece se afastar um pouco dessa ideia. A mesma coisa acontece com a imprensa, tratada por Trump como inimiga do povo. O problema é que a imprensa independente precisa reportar com evidência, e esse mero ato implica um desafio a essas políticas de propaganda de governos extremistas. O mero ato de perguntar ou de pedir evidências significa um desafio a essas tendências autoritárias. Quando diz que uma pandemia é uma fantasia, não existe algo intermediário. Para os jornalistas não pode haver duas versões da realidade. Não existe dois lados, existe um personagem mentindo baseado na fantasia e no mito, e por outro lado está a realidade. E por isso a imprensa é tratada como inimiga... Num regime fascista não existe imprensa independente, apenas fantasia e propaganda.

P. Quais são as outras características do manual de propaganda de Goebbels que o bolsonarismo copia?

R. A principal é que mente e acredita em suas mentiras e fantasias, mas outro tema central tem a ver com a projeção. No geral, o que ele costuma dizer é a realidade de seu próprio ser, do próprio Bolsonaro. Todos sabemos que o coronavírus não é uma fantasia. E todos sabemos que, ao contrário do que disse Trump, o coronavírus não é um problema estrangeiro. É um problema também dos Estados Unidos, e tanto é assim que um Secretário da Comunicação foi contagiado dentro do país. Mas a culpa sempre é dos outros, mesmo quando tem a ver com suas próprias responsabilidades. São eles que mentem, não planejam e não pensam na saúde da população.

P. E as pessoas, incluindo seus próprios eleitores, pagam um preço, não? A fila do Bolsa Família aumenta, as pessoas não conseguem suas aposentadorias... Essas mentiras são viáveis a longo prazo?

R. Eventualmente a realidade se impõe e inclusive os seguidores mais fanáticos em algum ponto deixam de acreditar neles. Mas, quando isso acontece, já terá havido muito sofrimento e muitas vítimas, no sentido literal do termo. As políticas de ajuste, de repressão e de discriminação têm suas consequências.

P. Essas mentiras também servem para manter a base eleitoral mobilizada enquanto são feitas reformas ultraliberais impopulares?

R. Não sei se estou de acordo. São fanáticos porque acreditam nisso. Os nazistas não fizeram um uso cínico da propaganda, eles acreditavam nessa propaganda. Na cabeça deles não existe distinção entre repressão, discriminação e ajuste neoliberal. A ideologia não tem um lugar secundário, mas sim central. Acreditam em suas próprias mentiras e representam um perigo para a democracia.

P. Há quem diga que o candidato democrata Bernie Sanders é o Bolsonaro da esquerda norte-americana, ou que o PT e o ex-presidente Lula representem o extremo oposto. Está correto?

R. Não estou de acordo. E o que seria o extremo oposto ao fascismo? O antifascismo [risos]? O populista é aquele que atribui a si mesmo a voz do povo e personifica o povo. É o líder que se vê como um enviado de Deus para falar em nome do povo e decidir em nome do povo. Foi o caso de Hugo Chávez e de Cristina Kirchner, mas isso é menos claro no caso de Lula e, definitivamente, não me parece que seja o caso de Sanders. Lideranças fortes são típicas da história da democracia, mas não necessariamente tem a ver com populismo. Também não se pode igualar políticas populares com populismo. E, mais uma vez, com Sanders e Lula não existe o uso da violência política nem a discriminação, a xenofobia e o racismo, e isso não é menos importante.