Day: fevereiro 20, 2020

Raul Jungmann: Combater as causas da criminalidade

Na nossa gestão colaboramos, sem dúvida, para a queda dos homicídios no País

A vida humana é o maior valor de uma sociedade e o menor para o mundo do crime. Essa síntese se materializa de forma mais perversa no sistema operacional do crime organizado que domina territórios e presídios.

Com o primeiro, elege representantes políticos e formaliza sua presença, com todas as prerrogativas do mandatário eleito – incluída a de efetivar nomeações em todos os níveis da estrutura do poder público. No segundo caso, é o juiz do destino da parcela majoritária da terceira maior população prisional do mundo – os mais de 812 mil detentos em nossas prisões. Os presídios, por sua vez, tornaram-se centros de recrutamento das facções criminosas pela brutal razão de que o Estado não garante a vida dos que lá estão. São apenados obrigados a buscar segurança nas facções para não morrerem, trocando proteção por submissão integral.

No Rio de Janeiro, onde essa realidade é mais visível e aguda, milicianos e traficantes controlam 830 comunidades, onde vive 1,5 milhão de pessoas. Os criminosos têm o controle do território, o controle do voto, elegem suas bancadas na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa, até no Congresso Nacional, e garantem a indicação de pessoas para ocuparem cargos públicos, mesmo na área de segurança. É o que venho chamando há tempos de “coração das trevas”.

Como o Estadão já demonstrou, as milícias não são privilégio do Rio, mas são encontradas em 23 dos 27 Estados da Federação. E todas, sem exceção, são formadas e/ou comandadas por policiais da reserva ou da ativa. Isto é, o poder público treina e forma agentes públicos de segurança que adiante se desviam para o crime e lá exercem as competências adquiridas com o dinheiro do cidadão contribuinte.

Tivemos sete Constituições e em nenhuma delas o governo central deteve responsabilidades com a segurança pública – desde a primeira, de 1824, até a última, de 1988.

O peso da segurança pública é dos Estados, que respondem por 81% do gasto total – o governo federal, 12% e os municípios, o restante. Destaque-se que todas as áreas sociais constantes da Carta de 88 se constituíram em sistemas liderados e compartilhados pelo governo federal e se organizaram em ministérios. Menos a segurança pública, salvo nos 11 meses de existência do Ministério da Segurança.

Estado algum, por óbvio, teve ou tem poderes ou recursos para definir e implantar um sistema nacional ou uma política nacional de segurança. Portanto, nunca tivemos nem sistema nem política, até o advento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), em 2018, no governo Temer.

Enquanto tal “acefalia federativa” se perpetuava, o crime organizado se nacionalizava e internacionalizava. Das mais de 70 facções do crime organizado de base prisional, ao menos meia dúzia é nacional e avança em países vizinhos.

Nosso debate nacional, no entanto, se limita à repressão: mais polícias, mais armas, mais veículos, penas mais duras, etc. Porém uma política nacional de segurança integral começa na prevenção social, passa pela repressão qualificada e não pode desviar os olhos da calamidade que é nosso sistema prisional, que prende muito e mal – 48% dos crimes são de furto, roubo ou receptação e 12%, de homicídio.

Diante disso, a polêmica sobre quem tem o crédito pela queda dos homicídios é pobre e desnecessária. Ela se iniciou em 2018 (ano eleitoral, em que, sabiam os governadores, a segurança seria decisiva) e seguiu caindo em 2019. Porém o protagonismo não é do governo federal, anterior ou atual, é dos Estados.

Na nossa gestão colaboramos, sem dúvida, para a queda dos homicídios, com ações como o Susp, a criação de um sistema e uma política nacionais de segurança, que nunca tivemos anteriormente.

Ainda fizemos a vinculação de recursos das loterias ao Fundo Nacional de Segurança e alocamos R$ 90 milhões para a digitalização dos 2 milhões de processos da Justiça penal, idem para a biometria de toda a população carcerária, dentre muitas outras ações.

São fundamentos importantes, mas para enfrentar o problema na sua amplitude é preciso focar a política pública de segurança nas seguintes questões:

1) implantar um amplo programa de prevenção social focado na juventude das periferias, sobretudo jovens negros e pardos, fora da escola e sem trabalho, vivendo em famílias desestruturadas;

2) reformar o nosso caótico sistema prisional, reduzindo o superencarceramento, ampliando as unidades do semiaberto, dando chance de estudo e formação profissional aos apenados e ampliando programa nacional de egressos que nós deixamos;

3) extirpando as indicações e promoções políticas nas polícias, instituindo efetivamente a promoção por mérito, tornando as corregedorias autônomas e com estrutura, fortalecendo o controle externo e instituindo processo eficiente e rápidos nos casos de crimes violentos e corrupção, além de focar na inteligência policial;

4) rever a atual política de drogas, em especial definindo o quantum limite para o porte de drogas por usuário.

* Raul Jungmann foi ministro da Defesa, da Segurança Pública e da Reforma Agrária


Fernando Schüler: A dupla face do reacionarismo brasileiro

Movimento é uma mistura de conservadorismo de costumes com estatismo econômico

Há um duplo reacionarismo no debate brasileiro. O primeiro deles é de base cultural. Poderia chamá-lo de “conservadorismo de costumes”, mas sempre que faço isso alguém lembra que o termo conservadorismo é mais amplo, que há a grande tradição de Burke a John Kekes.

Não é disso que estamos falando. É algo bem mais caseiro. Não se trata de Oakeshott, mas de Marcelo Crivella. O “militante de sua nostalgia”, na frase de Mark Lilla. Aqui pelos trópicos, seu grande momento foi a censura à revista com o beijo gay, na Bienal do Livro.

Luc Ferry criticou essa visão dizendo ser um absurdo supor que a natureza deva definir a ética. Perfeito. Hayek, em seu clássico “Porque Não Sou Um Conservador”, ironizou a posição que aplaude a gradual evolução dos costumes no tempo, mas decide que o raciocínio só vale para o passado. Em algum momento tudo deveria ser congelado.

São críticas elegantes, que vão muito além do que merece o nosso conservadorismo de programa de auditório. Ele é legítimo e expressa a visão de uma parcela relevante do eleitorado, mas é um tigre sem dentes no mundo real da política. Rodrigo Maia nem sequer coloca seus temas em pauta no Congresso.

O segundo reacionarismo brasileiro diz respeito ao Estado e à economia. Ele tem apoios na academia, nos sindicatos e na intelectualidade bacana. Faz menos barulho, mas é mais efetivo.

Seu mote é a defesa do Estado. Sua paixão são as autarquias e repartições públicas. O status quo de nossas escolas e hospitais estatais quebrados, dos quais todos que têm recursos, incluindo-se aí a elite pensante, fogem como o diabo da cruz.

Sua pedra de toque é a rejeição de qualquer ideia de reforma do Estado. Foi assim nos anos 1990, à época da emenda 19 à Constituição e da criação das organizações sociais; foi assim com a Lei de Responsabilidade Fiscal; foi assim mesmo quando Lula, em 2003, fez a mini reforma da Previdência com o apoio da oposição, do DEM e do PSDB.

Mais recentemente foi assim com as reformas que o país fez a partir de 2016. A ridícula negação do déficit previdenciário, a defesa do velho imposto sindical. A lista é grande e conhecida. Sua última façanha é cruel: a recusa de que os estudantes possam fazer sua carteirinha pela internet, sem custos. Tudo para alimentar, ainda que pareça risível, os cartórios do movimento estudantil oficial.

Ninguém percebeu, entretidos que andamos com bobagens do dia, mas um episódio na última semana reuniu os dois reacionarismos brasileiros. O prefeito Crivella resolveu reestatizar os servidos de atenção à saúde no Rio de Janeiro, extinguindo os contratos de gestão com as organizações sociais.

A medida foi elogiada pelo PSOL. Encontro do bispo com Marcelo Freixo, com tudo que tem direito. Engorda a máquina, abre concurso, põe o sistema sob o mando político. Tudo que soa “progressista” em dia de comício, mas inferniza a vida das pessoas comuns na segunda-feira pela manhã, na fila do posto de saúde.

O próximo teste para a modernização brasileira é a reforma administrativa. As hesitações de Bolsonaro são previsíveis. Bolsonaro foi, no passado, uma síntese do reacionarismo brasileiro: conservador nos costumes, estatizante na economia. De uns anos para cá se aproximou de posições liberais, ainda que pareça sem sentido chamá-lo de um político liberal.

A reforma começou mal. Ela deveria ter sido apresentada logo após a aprovação da reforma da Previdência. Não foi. Deveria abranger não apenas os futuros servidores, mas também os atuais; deveria abranger todos os Poderes, sem distinção, para ter força moral e capturar o apoio da sociedade.

De qualquer modo, é uma reforma a ser feita. O debate nem sequer iniciou mas já milita no Congresso a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, com o velho discurso do “desmonte do Estado.” A nostalgia no Brasil não tem lá grande criatividade, mas não duvido que possa ganhar o jogo.

*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.


Maria Hermínia Tavares: Perigo no terceiro piso

Militares somam 9 dos 22 ministros deste governo

"Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar", disse o presidente Bolsonaro ao substituir por um general do Exército na ativa o ministro Onyx Lorenzoni, até então chefe da Casa Civil e último político profissional a ter gabinete no Palácio do Planalto. Agora, são todos militares os ministros instalados no coração do governo: coordenando a ação dos diferentes ministérios, fazendo a articulação do Executivo com o Legislativo ou ainda assessorando a Presidência em assuntos de segurança.

Ao todo, eles somam pouco mais de 40% dos que comandam o primeiro escalão: 9 em 22 ministros, sem contar o vice-presidente Mourão. Essa porcentagem supera a da Venezuela de Maduro, onde membros das Forças Armadas comandam 30% das pastas. E é inédita entre as democracias dignas do nome.

Ao mesmo tempo em que se cercou de fardas, Bolsonaro —ele mesmo ex-capitão de carreira tumultuada— tratou de blindar o sistema de previdência dos militares do enxugamento geral promovido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Por fim, no primeiro ano de seu governo, pautado pelos esforços de austeridade fiscal, o presidente encontrou recursos para projetos importantes da Marinha e protegeu o orçamento da Defesa de cortes que atingiram outros setores. Como observou o professor Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, no Boletim Macro do IBRE-FGV de fevereiro, que circula esta semana, o Orçamento de 2020 deixa patente a preferência aos gastos com Defesa sobre os dispêndios na área social.

É possível que as Polianas de costume, embaladas pela ilusão de vivermos em tempos normais, considerem que não há nada de incomum nos afagos do governo à instituição militar. Muito menos no engajamento de lideranças reconhecidas da corporação no dia a dia da gestão nacional. Afinal, argumentam, a nação precisa contar com três Armas bem equipadas; remuneração e previdência decentes são devidas a quem tem como missão proteger o país; além disso, mais do que a vestimenta, contam a dedicação e competência na condução das tarefas de governo.

É fato. Mas sabemos também, por dura experiência própria, que, ao deixarem as Forças Armadas sua posição de defensoras do Estado e da Constituição, sendo arrastadas pelas disputas políticas do dia a dia dos governos, o resultado é igualmente desastroso para a corporação e para a democracia.

Mais perigoso ainda se os governos têm inclinação populista. Veja-se a Venezuela de Maduro, hoje sustentado nas Forças Armadas, primeiro cooptadas, depois corrompidas e, enfim, transformadas em guarda pretoriana do ditador.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap


Mariliz Pereira Jorge: Não há opção

É impossível não reportar o espetáculo grotesco a que somos expostos

Por que jornalistas se prestam a aguentar insultos diários de Jair Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada? Por que os jornais reproduzem ofensas, falas criminosas e dão espaço ao discurso de ódio protagonizado pelo presidente contra imprensa, adversários políticos, entidades internacionais, líderes estrangeiros, Greta e DiCaprio?

Tenho lido e ouvido esse questionamento com frequência. Por que não restringimos a cobertura às notícias que envolvem a administração? Porque é dever do jornalismo se opor ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, e o trabalho envolve o desconforto de lidar com um sujeito asqueroso feito nosso atual mandatário.

Aguentar as grosserias de Bolsonaro sem que haja réplica, o que transformaria suas saídas diárias numa baixaria ainda pior, mostra a competência dos profissionais que têm a dura missão de cobrir o presidente.

Mas não é só isso, é necessário que se registrem falas, gestos, atitudes e detalhes da personalidade que contarão a história de um país por meio do raio-x do seu representante maior. Um governo não é feito apenas dos números da economia, das vitórias e das derrotas na educação, na saúde e no desenvolvimento.

Em décadas, os brasileiros talvez não saibam os dados sobre desemprego, preço do dólar ou da gasolina, quantas crianças estavam fora da escola ou a quantidade de miseráveis na fila do Bolsa Família. Mas saberão que tivemos um presidente misógino, racista, homofóbico, que não respeita instituições, despreza o jogo da democracia e flerta descaradamente com um autogolpe.

Muito antes de as redes sociais darem espaço a qualquer baboseira que uma pessoa pense, Millôr já dizia, "não se amplia a voz dos imbecis". Difícil discordar, mas o mundo está cheio deles em posições estratégicas. Infelizmente, não é uma opção deixar de reportar o espetáculo grotesco de falta de educação, de empatia e de humanidade a que somos expostos todos os dias.


Bruno Boghossian: Bolsonaro pratica autossabotagem em novo choque com o Congresso

Explosão de ministro contra parlamentares esvazia oxigênio político do governo

Jair Bolsonaro abriu mão de uma parte de seus próprios poderes ainda no ano passado. Em março, o presidente quis emparedar o Congresso pela primeira vez e acusou parlamentares de corpo mole na discussão da reforma da Previdência.

"Fizemos nossa parte, encaminhamos a proposta ao Parlamento. A bola agora está com o Parlamento", disse, para depois provocar deputados e senadores: "O que é articulação? O que está faltando eu fazer?".

O presidente se elegeu apoiado numa repulsa teatral à atividade política. Para se afastar da tarefa de dialogar com outros Poderes, anunciou que sua tarefa seria apenas elaborar ideias e atirá-las ao mundo. Acabou entregando ele mesmo a chave do governo nas mãos do Congresso.

A explosão de Bolsonaro e seus aliados contra as manobras dos parlamentares para sequestrar os últimos bilhões do Orçamento dão a medida da operação desastrosa que toca o dia a dia do Palácio do Planalto.

Deputados e senadores aprovaram em dezembro uma regra que obriga o governo a pagar mais R$ 30 bilhões indicados pelo Parlamento nas contas deste ano. A equipe de Bolsonaro levou dois meses para perceber que não conseguiria retomar o controle desse dinheiro. Quando tentou reagir, protagonizou mais um espetáculo de autossabotagem.

Enviado pelo presidente, o general responsável pela articulação política costurou com os parlamentares um acordo de redução de danos, que desataria ao menos um pouco as mãos do governo. Abriu-se então a cortina para outro militar.

Sem saber que estava sendo gravado por um assessor, o general Augusto Heleno vocalizou os delírios absolutistas do governo e chamou de chantagem a negociação conduzida pelo colega. Sugeriu ainda que Bolsonaro mandasse apoiadores às ruas contra o Congresso e lascou um "foda-se" para os parlamentares.

A atitude incendiária e a incompetência clara esvaziam o pouco oxigênio político que ainda restava ao Planalto. O maior patrono do parlamentarismo é o próprio Bolsonaro.


Luiz Carlos Azedo: Como começa a bagunça

“As declarações do general Heleno nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política“

O que têm a ver as declarações contra o Congresso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o tiro disparado por policiais militares grevistas, encapuzados, contra o senador Cid Gomes (PDT-CE), em Sobral? Aparentemente, nada; em sua essência, porém, tudo: a bagunça. O ex-governador cearense tentou negociar e, depois, conduzindo uma retroescavadeira, enfrentou os grevistas de forma exaltada, imprudente e voluntarista, sendo baleado no peito e na clavícula. O episódio, no entanto, também é uma demonstração da anarquia que começa a vicejar nas polícias militares, pois as greves são ilegais e estão sendo preparadas em outros estados.

As declarações do general são incompatíveis com o cargo que ocupa no governo e nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política durante o século passado, inclusive durante o regime militar, só encerradas no governo Ernesto Geisel, com a demissão do então ministro do Exército, general Sílvio Frota, do qual Augusto Heleno foi ajudante de ordens. Ainda que minimizadas pelo presidente Jair Bolsonaro — diga-se de passagem, o responsável pela sua divulgação —, as declarações afrontam um poder constituído, que está no pleno exercício de suas prerrogativas.

A fala do ministro foi transmitida ao vivo, via internet, pelo perfil do presidente Jair Bolsonaro em uma rede social, na terça-feira. No evento de hasteamento da bandeira em frente ao Palácio da Alvorada, Heleno conversava com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. No diálogo, disse que o governo não pode “aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo”. Ontem, em uma rede social, Heleno tentou minimizar as declarações, mas a emenda foi pior do que o soneto: argumentou que, na conversa com os ministros, estava expondo sua visão pessoal sobre “insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do Orçamento Impositivo”.

As declarações provocaram reações no Congresso, que discute os vetos do presidente Bolsonaro às regras que dão a deputados e senadores maior controle sobre o Orçamento da União. Manter ou derrubar os vetos presidenciais é prerrogativa do parlamento. O que todos os governos democráticos procuram fazer é articular uma base sólida, que garanta a aprovação do que interessa ao Executivo. O Palácio do Planalto, porém, não se empenha muito para garantir que isso aconteça.

Reações
A reação mais forte foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que fez duras críticas ao general: “Geralmente na vida, quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem estudante no auge da sua idade, da sua juventude”, disse. Maia também ironizou: “Eu não ouvi da parte dele nenhum tipo de ataque ao parlamento quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva (…) Talvez ele estivesse melhor em um gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos fazem, como ele tem feito ao parlamento nos últimos meses”, concluiu o presidente da Câmara.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também se manifestou sobre a fala de Heleno. Em nota, disse que “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo parlamento” e que “o momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos poderes para trabalhar pelo país”. Contra todas as expectativas, às vésperas do carnaval, o esgarçamento das relações do Palácio do Planalto com o Congresso aumenta as incertezas em relação à economia.

Um comentário do presidente da República, em cerimônia oficial, sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, gerou ainda mais insegurança no mercado, pois deixou no ar que Guedes estaria demissionário do cargo e sofre uma fritura interna. Seu prazo de validade estaria próximo do fim. O que alimenta essas especulações é o vai-não-vai da economia, cujo crescimento está sendo medíocre, apesar dos juros baixos e da inflação controlada.

O IBC-BR, índice do Banco Central, aponta alta de 0,5% no último trimestre do ano e de 0,9% no ano de 2019. Em 2018, quando o PIB teve alta de 1,3%, o IBC-BR também subiu 1,3%: se o padrão se repetir, o que não é garantido, o PIB em 2019 terá tido pior desempenho que no biênio 2017-18. Nesse ritmo, só em 2022 voltaremos ao PIB de 2014. Levar oito anos para completar a recuperação de uma recessão em qualquer época e em qualquer lugar é um fracasso.

Essa situação tem ampliado os questionamentos à política de Guedes, um ultraliberal, por parte de setores do governo que têm formação desenvolvimentista, entre os quais, os militares. O próprio Bolsonaro é um recém-convertido ao liberalismo e vem adotando postura cada vez mais populista, como no caso dos combustíveis e da reforma administrativa, e não perde oportunidade de abrir novas frentes de conflito, como a queda de braço com os governadores.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-comeca-a-bagunca/


William Waack: Mais do mesmo

O teatro da política no Brasil sugere que pouca coisa vai mudar

É um dos movimentos mais “naturais” na política alguém ocupar o lugar que um outro deixou. No fundo, é o que está acontecendo na mais recente manifestação de queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o Legislativo em torno da manutenção ou não do veto do chefe do Executivo a itens da peça orçamentária votada pelos parlamentares.

Traduzido: o que está em disputa é quem manda quanto no Orçamento. E, se Jair não percebeu antes, nesse ano e pouco de seu mandato, o Legislativo encurtou bastante a capacidade do Executivo de dispor da alocação de verbas por meio do Orçamento – além de limitar consideravelmente a utilização de medidas provisórias.

Trata-se de pura e simples redução de poder do presidente. Que se pode aplaudir ou detestar, mas não ignorar que esse fato resulta em boa parte do que se aponta há meses: a incapacidade ou o desinteresse (ou ambos) do governo em montar no Legislativo uma tropa bem coordenada. Bolsonaro não se livrou da regra do jogo do sistema de governo brasileiro, que opõe a um chefe de Executivo forte um Legislativo cheio e cada vez mais cheio de prerrogativas.

Sem ter nunca contado com uma articulação política eficaz, Bolsonaro agora escalou militares de cabeça bem organizada e acostumados a método e disciplina (além de hierarquia) para cuidar de acordos políticos que o próprio presidente propõe, depois se arrepende. É o caso nesta mais recente disputa: Bolsonaro achou que podia deixar o Congresso derrubar seu veto (ou seja, entregaria mais uns R$ 30 bilhões do Orçamento aos parlamentares), num grande “acordo” do qual foi convencido a se arrepender.

O que neste momento o move a peitar o Congresso é a exasperação da equipe econômica e mais o general Heleno, cansados das chantagens da política e das dificuldades para seguir adiante com uma ampla ação de reformas que dependem do Legislativo. O ministro Paulo Guedes está com sangue nos olhos, e promete não liberar dinheiro para deputados se eles seguirem no propósito de tolher o Executivo em questões orçamentárias. Para efeitos práticos, colocou Bolsonaro diante de “ou eles ou eu”.

Ocorre que a efervescência do teatro político brasileiro “estabilizou-se” e não surpreende nem comove mais ninguém. Virou normal. Um exemplo: por vários motivos, sendo o principal deles obter vantagens eleitoreiras das mais imediatas, o presidente abriu conflito com os governadores quando depende em boa medida deles para a grande articulação política de um projeto de enorme peso, que é o da reforma tributária. Para que mais uma briga, boceja-se.

E a cafajestice, injustificável sob qualquer ponto de vista, proferida contra uma profissional da imprensa (frente à qual obviamente ele tem o direito de manifestar todas as queixas, críticas e reclamações que quiser), reafirma que o estilo é o homem, e não vai mudar. Não está no seu horizonte ser chefe da Nação. É uma das sólidas constantes no nosso teatro político (a outra é a força do lavajatismo), e esse tipo de atuação será considerado a causa do seu êxito ou fracasso, dependendo fundamentalmente de como a economia se comportar.

Neste contexto vale a pena conferir como plateias de investidores estrangeiros estão apreciando nosso espetáculo. Tal como reportado por diversas instituições financeiras, visto de fora, o Brasil se tornou monótono. Não se consegue discernir, depois da aprovação da reforma da Previdência, qual é, afinal, o ponto prioritário para o governo. Considera-se que o País (em contraste com alguns emergentes, como a Argentina) está no “caminho certo”, mas não se disfarça certo ceticismo quanto à capacidade de “entrega” no necessário ritmo mais acelerado por parte da equipe econômica.

Diante de um país que teria tanto para oferecer, e para crescer, e para resolver, os estrangeiros estão dizendo que estamos nos esforçando para sermos um pouco mais do mesmo.


El País: General Heleno diz que parlamentares “chantageiam” Governo e abre novo embate com o Congresso

Flagrado em áudio privado, ministro reclama do Parlamento por tentar avançar no controle do orçamento. Maia reage e chama general da reserva de “radical ideológico”

A queda de braço entre o Executivo e o Congresso ganhou músculos nesta quarta-feira em Brasília, quando veio a público uma gravação vazada do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, em que expunha sua insatisfação com os parlamentares. Heleno se queixava da pressão do Parlamento por derrubar os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao orçamento impositivo. Sem os vetos, deputados e senadores teriam mais controle sobre os recursos do orçamento. Sem saber que estava sendo gravado, o general falou em “chantagem” do Legislativo para aumentar o controle sobre o dinheiro do orçamento da União, segundo o jornal O Globo. “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Foda-se”, disse Heleno, na presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. A fala do general foi captada em transmissão ao vivo da presidência da República em cerimônia de hasteamento da bandeira no Palácio do Planalto.

Sua fala caiu como uma bomba nas já tensas relações entre os dois poderes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rebateu a fala do general um tom acima do habitual. Maia qualificou o ministro do GSI como “radical ideológico”. “Geralmente na vida, quando a gente vai ficando mais velho vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro pelo jeito está ficando mais velho e está falando como um jovem”, declarou na manhã desta quarta. “Uma pena que um ministro com tantos títulos tenha se transformado num radical ideológico”.

O imbróglio obrigou Heleno a se explicar no Twitter nesta quarta. “Externei minha visão sobre as insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do orçamento impositivo, o que reduz, substancialmente, o orçamento do Poder Executivo e de seus respectivos ministérios. Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista”, escreveu Heleno, que avaliou o vazamento do áudio como “mais um lamentável episódio de invasão de privacidade, hábito louvado no Brasil”.

General Heleno

@gen_heleno

Em mais um lamentável episódio de invasão de privacidade, hábito louvado no Brasil, vazou para a imprensa uma conversa que tive com o Dr. Paulo Guedes e o Gen. Ramos.

13,6 mil pessoas estão falando sobre isso

O Legislativo se articula para ganhar mais poder sobre parte de 80 bilhões de reais do orçamento. Os parlamentares querem ter controle sobre 30 bilhões desse total. O Governo não está de acordo com esse movimento do Congresso. Mas coube a Heleno, ainda que involuntariamente, o papel de porta-voz dessa insatisfação do Planalto. Segundo ele, “as insaciáveis reivindicações” de parlamentares por fatias do chamado orçamento impositivo prejudicam a atuação do Governo, o que transparece, segundo ele, um desejo de implementar o parlamentarismo no Brasil. “Se desejam o parlamentarismo, mudem a constituição. Sendo assim, não falarei mais sobre o assunto”, completou no Twitter.

Troca de farpas e harmonia
Rodrigo Maia aproveitou o episódio para alfinetar o general. Segundo Maia, não houve por parte de Heleno nenhum tipo de ataque ao Parlamento quando o Congresso “estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva”. “Quero saber deles se ele acha que o Parlamento foi chantageado por ele ou por alguém para votar o projeto de lei das Forças Armadas”, afirmou Maia. A troca de farpas acontece em um momento em que o Governo Bolsonaro tenta encampar no Congresso uma séria de medidas econômicas, como a reforma administrativa, o pacto federativo e a reforma tributária.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) também se manifestou sobre a fala de Heleno. O senador disse, por meio de nota, que “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento”.“O momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos poderes para trabalhar pelo país”, completou o presidente do Senado.


Well-Known Vietnamese Singer Kim Tu Long Gamble Incorrect Time

Well-Kn<a class="more-link btn-link" href="https://www.fundacaoastrojildo.org.br/well-known-vietnamese-singer-kim-tu-long-gamble-14/">Read more<i class="fa fa-angle-right"></i></a>


O Irlandês: Filme com elenco de peso, analisa Lilia Lustosa na revista Política Democrática online

Em análise produzida antes da entrega do Oscar, crítica de cinema mostrou todo investimento da Netflix na obra de Scorcese

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Apesar de ter saído de mãos vazias do Globo de Ouro e do Oscar 2020, o super longa O Irlandês, de Martin Scorsese, produzido pela NetFlix, é um filme que reúne um elenco de peso. A avaliação é da Lilia Lustosa, colunista de cultura da revista Política Democrática online em artigo que ela produziu para a edição de janeiro da publicação, antes da maior e principal premiação do ramo cinematográfico. A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos gratuitamente em seu site.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online!

Na análise, anterior a entrega dos prêmios do Oscar, Lilia Lustosa lembra que O Irlandês era, até então, forte candidato na disputa e que eram muitas as fichas investidas. De acordo com a colunista, a empresa deu carta branca para o diretor ítalo-americano, que contou com cerca de US$ 160 milhões para realizar seu filme. “Certamente uma reação à entrada das poderosas Amazon, HBO Go, AppleTV e Disney+ no circuito das plataformas de streaming, que já representam real ameaça ao monopólio Netflix”, escreve a autora.

No artigo publicado na revista Política Democrática online, Lilia Lustosa disse que, ao invés de uma história pessoal e quase autobiográfica, como foi o caso de “Roma”, no ano passado, Scorsese reuniu elenco de peso (Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci) e fez homenagem aos melhores filmes de gangsters da história do cinema, incluindo seus próprios “Cassino” (1995) e “Bons companheiros” (1990), em que De Niro e Pesci já faziam dobradinha. Ela lembra que Scorcese já é consagrado por “Taxi Driver” (1976), “O lobo de Wall Street” (2013) e tantas outras preciosidades cinematográficas.

A autora do artigo lembra, também, que o filme O Irlandês é baseado no livro I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, lançado em 2004, e conta a história real de Frank Sheeran (com um De Niro maduro, esbanjando talento), considerado um dos prováveis assassinos do poderoso sindicalista americano Jimmy Hoffa, interpretado por Al Pacino. A autora o classifica como “show de atuação”. “Um crime até hoje sem solução, mas que cai como uma luva para retratar o mundo obscuro da máfia, essa espécie de universo paralelo em que as leis obedecem a uma ética particular, um tanto quanto questionável”, pontua.

Todos os artigos da revista Política Democrática online são divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

Leia mais:

» ‘Folia de Reis fortalece laços de solidariedade’, afirma Márcia Gomes

» ‘Greta ficou maior do que a causa que defende’, critica Sérgio Vellozo Lucas

» População LGBTI+ se organiza para empoderar minorias diante de ataques de Bolsonaro

» ‘Pessoas perderam a vergonha de defender tortura’, diz juiz na Política Democrática online

» ‘Discurso de ódio quer extinguir o outro’, diz Almira Rodrigues na Política Democrática online

» O que pode definir sucesso de Bolsonaro? Felipe Nunes analisa na Política Democrática online

» ‘Bolsonaro é nostálgico da ditadura’, diz Cristovam Buarque na Política Democrática online

» Pacote de medidas criminais e nova lei de abuso de autoridade: Veja a análise de Henrique Herkenhoff

» Crescimento econômico no Brasil deve ir além do ‘voo de galinha’, diz Sérgio C. Buarque

» Rio Janeiro vive desmazelo e incúria, diz Ligia Bahia na revista Política Democrática online

» Brexit e União Europeia: o que muda? Veja análise de Joan del Alcázar

» “Bolsonaro se afirmou no comando de um governo de ‘destruição’”, diz Alberto Aggio na revista Política Democrática online

» Como agir nas eleições 2020? Editorial da Política Democrática online tem a resposta

» Autocrítica de Cristovam Buarque é destaque da nova edição da Política Democrática online

» Acesse aqui todas as edições da revista Política Democrática online


Autores Revista Política Democrática Online – Edição 16

André Amado
Embaixador aposentado e diretor da Revista Política Democrática Online.

José Luis Oreiro
Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Pesquisador Nível IB do CNPq. E-mail: joreiro@unb.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br.

José Vicente Pimentel
Embaixador.

Lilia Lustosa
Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).

Ricardo Henriques
Superintendente executivo do Instituto Unibanco.